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Si, par lui, mon talent me donne la richesse,
J'ai ma mission aussi, soulager la détresse,
Grâce à vous, tout s'eclaire, un instant a suffl,
Pour ramener enfin le calme en mon esprit.

N'este poema queixava-se o gentil allemão das suas illusões perdidas, da sua infinda tristeza, e das angustias de coração com que entrára n'aquelle recinto da charmante jeunesse. Queixava-se outro sim, de ingratidões que lhe ulceravam o peito. Era um romance de amores começado no Porto, romance que bifurcou em dous fios de ouro: um foi prender-se á orla de um throno não sei aonde, outro á carteira de uma casa bancaria em Vienna d'Austria. Brilhantes desenlaces!

E foram os rapazes de Coimbra - aquelles viventissimos rapazes de 1859, Corvo, Vieira de Castro, João de Deus, Northon, Victorino da Motta, e dezenas de galhardos espiritos que lhe degelaram as frialdades do coração retranzido. Gloire à vous ! exclamava Herrmann.

MAU EXEMPLO DE POETAS CASADOS

...

Une femme prudente y doit regarder à deux fois avant d'épouser un poete! J. JANIN, Le livre.

Se o fino amor não é condão dos poetas, é escusado esgaravatar essa rara perola em outra concha. O amor duradouro é incompativel com a creatura sujeita á decomposição e á morte. As recomposições interiores são incessantes, até ao momento em que o espirito vital se evóla, e a podridão começa.

As reformações da alma operam-se mais de afogadilho que as do corpo. Envelhecem almas em corpos novos. Muita gente sente o graváme e a melancolia da idade de ferro nos annos dourados. Ha tambem o reverso d'isto. Almas floridas em corpos devastados. Os primeiros tem auréola de poesia lugubre. Os segundos são lastimaveis quando, em honra de suas cās, arrancam um a um os renovos da alma, ou os vão delindo com secretas lagrimas; e são irrisorios, quando aviltam a magestade da velhice, dando resplendor á calva com um nimbo de namorados.

Foi d'esta especie D. Thomaz de Noronha, cognominado, no seculo XVII, Marcial portuguez. Amou numerosas primas, e casou com uma, de quem ficou viuvo. Deus sabe como o coração de sua esposa Helena de Salazar foi anavalhado de ciumes para a cova! O perfido, em quanto se andava pela côrte diluindo em trovas a fé conjugal, deixava em Alemquer a consorte, cuidando dos trigaes e dos parrécos.

Casou em segundas nupcias com D. Catharina da Veiga, tanto ou mais desafortunada que a primeira. Pensava ella, porém, que o marido, ahi pelos cincoenta, ganharia juizo, e se faria serio, acolhendo-se ao santuario da familia com a lyra e com o rheumatismo.

Enganára-se D. Catharina, a infausta esposa, que, por lhe agradar, se bezuntava de posturas, e arrebicava de inuteis artificios. Santa senhora!

O dissoluto não só a trahia, senão que a zombeteava em verso, depois de a ter mofado na prosa caseira-a prosa de marido enfastiado, que é o vasconso mais barbaro da glottica humana.

Aqui está um dos cantares com que o sobredito Marcial desprimorosamente chasqueava as caricias, os vernizes, as tranças retintas, os algodões que lhe acolchoavam o seio, e arqueavam as ancas da esposa, em fim, tudo aquillo que a paixão engenhosa inventára, á custa de inexprimiveis magoas e dolorosos retrocessos nos vestigios da belleza perdida. E observem que o cruel a denomina Sara, equiparando-a á velha da Biblia. Lede, senhoras, que hospedaes poetas no coração:

Escuta, ó Sara! Pois te falta espelho
para vêr tuas faltas,

não quero que te falte meu conselho
em presumpções tão altas.

Lembre-te agora só que és terra e lôdo
e terra te has-de vêr do mesmo modo;
mas não te digo nem te lembro nada
porque ha muito que em terra estás tornada.

Que importa que, alguma hora, a prata pura
de tuas mãos nascesse,

e que de teus cabellos a espessura
as minas de ouro désse!

Se o tempo vil, que tudo troca e muda,
somente do ouro poz, por mais ajuda,
em tuas mãos de prata o amarello,
e a prata de tuas mãos em teu cabello!
se um tempo, foram de marsim brunido,

no seculo dourado,

não vês que o tempo as tem consumido,
não vês que as tem gastado?

BIBLIOTHECA N.o 5.

6

Deixa, Sara, deixa esses uños enredos; que eu, quando toco teus nodosos dedos, me parece que apalpo, e não me engano, cinco cordões de frade franciscano. Viciando a natureza com taes tintas, com pinceis delicados, jasmins e rosas em teu rosto pintas. Deixa esses vãos cuidados;

pois quando tua cara me alvorota, mascara me parece de chacota; e, se é das tintas, digo n'este passo que a mascara está inda em calhamaço.

Como pretendes, pois, com mil enganos, vestir mil primaveras sem ter a primavera de teus annos! Como não desesperas! que o tempo chegou já ao seu estio, aonde toda a fruta perde o brio; parecendo tua cara desmedrada

fruta que se seccou, noz arrugada.

Se feitura de Deus Eva não fora, dissera, sem porfias,

que de Eva foste mãi, velha senhora, pois te sobejam dias

para esta presumpção que agora tenho; e, concluindo em fim, a alcançar venho, pois alcançar não posso tua idade,

que deves ser a mãi da Eternidade.

Teus olhos, por descargo da consciencia, a idade os tem mettidos

em duas lapas, fazendo penitencia;

e estão tão escondidos,

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