modestas do nosso lar, e artistas para commemorarem os nossos heroismos no trabalho, e esculpirem, no bronze, as imagens dos grandes inventores. « Temos tido operarios, para crearem machinas maravilhosas, e astronomos para nos narrarem as maravilhas dos céos, devassando os esplendores e magnificencias do universo. As lentes, preparadas por nós, teem-nos feito conhecer, pelo telescopio, os globos luminosos que giram no espaço, e teem descido comnosco, pelo microscopio, aos mundos infinitamente pequenos. << Os raros talentos d'essas ociosas, e rachiticas aristocracias, d'essas estereis, e inuteis classes privilegiadas, quando lhes estala a ultima corda da lyra, nas tristes estrophes das suas sinistras e tenebrosas lendas de familia, vem sentar-se na lareira do povo, e buscar ahi as harmonias mais sonoras, mais suaves, e mais duradouras - as unicas que hão de achar echo nos seculos do futuro - as lutas incessantes, pelo progresso, em que lida a geração actual. A sua derradeira canção é para o povo: o canto do cysne é o hymno da democracia. «Nós somos a arvore gigante e immensa da humanidade, com as raizes perdidas nos limbos do passado, com o tronco vigoroso, que resiste aos embates dos tempos, com os festões de flores que desabrocham, e emmurchecem passando, e com os fructos sazonados do presente, na esperança das odoriferas flores, que, com o seu calix radiante de vida, hão de perfumar o espaço no futuro. << Eis-aqui a democracia. «E quem são os seus adversarios junto d'esta frondosa e copada arvore da humanidade? « São os cogumelos parasitas e venenosos, que vegetam á sombra d'este cédro magestoso e secular. «Os privilegios e as castas são o absurdo, são a torpeza dos costumes, são o desconhecimento completo do seculo que atrevessamos, são as tristes reliquias das épocas feudaes, são os distinctos das ridiculas nobiliarchias byzantinas, são a ignorancia e o odio ao trabalho, são, finalmente, a protecção dada em premio, por feitos e acções, que, as mais das vezes, tem sido um poderoso obstaculo ao progresso, e á civilisação da humanidade. << As recompensas, as glorificações, e as apotheoses, quando justas, quando bem merecidas, quando conquistadas pela aptidão, pela sciencia, pela arte, pela industria, pela propria virtude ou pelas grandes dedicações, são vitalicias, e passam á posteridade com o nome que se engrandeceu, e vem a historia esculpil-o nos marmores dos seus fastos. « A democracia, como hereditario, só reconhece um direito, um dever, e uma nobilitação para o homem: é o trabalho. « É absolutamente necessario que se contem todos os partidarios sinceros e leaes da justiça, e que pela palavra, pelo livro, e pelo exemplo, arrastem os indecisos, e abandonem o restante os poderosos do dia - aquelles, que não aprendem, nem esquecem nada. «Attendam a que chegou a hora, em que a menor hesitação, a menor duvida, o menor passo irreflectido, ou a mais timida concessão, podem fazer recuar, para muito longe, o reinado da justiça - o governo do povo pelo povo. «E povo somos nós todos, que vivemos debaixo do mesmo céo, sujeitos ás mesmas leis, e que exercemos, na sociedade, funcções e misteres diversos, mas igualmente uteis e necessarios. «Hoje, ha uma só nobilitação: é o trabalho. <<Trabalhemos todos para a revolução nos espiritos - porque concorremos para o advento da verdadeira liberdade, para o governo da justiça social, e para a emancipação da humanidade. << E assim realisaremos a democracia.» Terminava aqui o papel, escripto pelo ancião, condecorado em Souto-Redondo. Na deslumbrante e magnificente descripção da aurora biblica do nosso globo, diz o Genesis, que o Espirito de Deus era levado sobre as aguas: Et Spiritus Dei ferebatur super aquas. Parece que a magestade divina escolhera este elemento, na sua esplendida grandeza, para encetar a obra da creação. Seja assim n'este modesto trabalho. Busquemos os primeiros salões do nosso seculo nas solidões immensas do oceano. E a Carthago moderna, a nobre e fiel alliada de Portugal, á luz sinistra do execrando bombardeamento de Copenhague, em 1807, ao clarão avermelhado dos primeiros foguetes do coronel Congréve, ensaiados no acto da mais atroz e inaudita pirataria, mostrar-nos-ha o Bellérophon, o Windsor Castle, e o Belfast, tres salões em que a fé punica da Grã-Bretanha se expandiu, no seio das ondas, á sombra das suas flammulas, que são a divisa dos bastardos da raça latina. Ha duas infancias na vida: a juvenil, e a senil. Perdoem ao homem, que já vê a sombra projectada na. beira do fosso da sua ultima jazida, estes echos longinquos, que vem ferir-lhe o tympano nas vesperas da sua dissolução physica. Convém que nos entendamos: A Carthago na designação latina, a Karkhé- | dôn no vocabulo grego, a Kereth-hadeshot ou em BIBLIOTHECA N.o 6. 4 |