As mais nervosas e engraçadas paginas de versos que eu tenho lido de lavra portugueza são a parte d'este poema intitulado Romanticismo, e a outra chamada Os saltimbancos. São trovoadas de talento. Paradoxos assombrosos que vos tiram do diaphragma epilepsias de riso. Ás vezes, magða uma especie de motejo que parece rebellar-se contra tudo que grande parte da sociedade respeita. Vem alli de camaradagem com a ironia implacavel do snr. Junqueiro o estylete sarcastico de lord Byron e de Alfred de Musset; mas o nosso poeta avantaja-se na crueza das invectivas contra o dogma, afistulando soberbos versos de um atheismo que de certo the não está no coração, nem na educação nem nos irreprehensiveis costumes. Tirante isto, ahi é tudo alegria; e até, quando a musa philosopheia por transcendentes contemplações, lá surde a palavra comica, o simile galhofeiro, esta cousa moderna que que não tem nome, - uma bella extravagancia que nos regosija. E assim é como se querem os livros, porque lá diz Aristoteles no 2.o da Ethica, cap. 12, que a melancolia corrompe a natureza e faz pasmar o coração. .. Este modo de poetar será o Ideal moderno? E', com toda a certeza. Quando eu era rapaz, o poeta ideal era o ethereo, o metaphysico, o espiritualissimo. Por tanto, o ideal, segundo Taine, não tem que ver com o ideal, segundo Lamartine. No livro do snr. Junqueiro, bem que os carnalissimos assumptos alli poetisados não pareçam ideaes, abona-os o indeclinavel legislador n'esta materia. A obra d'arte - diz Taine - põe o fito em manifestar algum caracter essencial ou relevante, mais perfeita e lucidamente do que os objectos reaes nol-o mostram. O artista, por tanto, concebeu a idéa d'esse caracter, e, a sabor da sua idéa, transformou o objecto real. Este objecto assim transformado, sahe conforme á idéa, ou, para melhor o dizer- é o ideal. Assim, pois, passam as cousas do real ao ideal, quando o artista, ao reproduzil-as, as altera a bel-prazer da sua idéa, etc. (L'Ideal dans l'Art). Quer dizer, ao que parece, que o ideal é uma modificação do real a talante do artista; por maneira que o sobrepor miserias imaginarias ás miserias positivas - exulcerar desgraças inevitaveis com a imprecação de desgraças ficticias - éo Ideal. Em fim, são seitas, e o impugnal-as quando ellas ainda verdejam é perigoso: o melhor é deixal-as apodrecer. O que ha de ficar e sobreviver ás escólas (porque o snr. Guerra Junqueiro de certo não crê em Taine, e é realista na maxima latitude da palavra) são estas paginas da Morte de D. João, alumiadas pelos relampagos do genio. Este livro será lido por aquelles mesmos que o malsinarem de propagador de peçonha em calices de ouro. E' a obra prodigiosa de uns annos muito em flor. Quando a mão do tempo, a desgraça dos annos, e algumas noites de meditação dolorosa, levarem á consciencia do admiravel poeta a imagem da Justiça, enquadrada na moldura fatal em que ha seis mil annos a conhecemos na historia, então os poemas do snr. Guerra Junqueiro serão por igual bem versejados, mas muitissimo mais consolativos para os infelizes que elle deplora com generoso coração. POETAS E PROSADORES BRAZILEIROS Seis livros de variada leitura me vieram aligeirar as horas da aldeia, n'este inverno de junho; que no decantado Minho já não ha primavera nem estio, nem melros nem rouxinoes. D'esta familia de cantores tão gabados nas eglogas de Sá de Miranda e Diogo Bernardes abalouse a especie, desde que o Minho, policiando-se do agro primitivo da sua natureza alpestre, estrondêa com o caboucar das vias-ferreas e o estridor das diligencias. De rouxinoes restam-nos apenas aquillo que os francezes chamam Roussignol à gland, e Roussignol d'Arcadie. Estou a vêr se me desmente o meu presado amigo D. Antonio da Costa no seu promettido livro das delicias do Minho.(/? Eu por mim, se quero convencer-me que estou na sazão do calor e das flores, mando abrazar o fogão, accendo a machina do café, espalho uma abada de rosas no estrado, cubro-me com um cobertor, imagino que estou no junho de Fernão d'Alvares do Oriente, e, com o nariz e ro minho do greendeceristin D. C. da Costa. Cellenica. (11 aum primor 6 de fóra, e espirrando, exclamo, em nome do poeta: Pomona e Flora Seus dons vem pelos campos espalhando, Fazem dôce harmonia os arvoredos As aves umas d'outras namoradas Boninas varias vai regando a fonte A qualquer parte, pois, que os olhos lanço Tudo quanto co'a vista alegre alcanço. Etc., etc. E, ao mesmo tempo, vou aconchegando os pés do varandim do fogão, e fazendo-me um estio interior de café de Moka. |