Despois de procellosa tempestade, Nocturna sombra, e sibilante vento, Traz a manhãa serena claridade, Esperança de porto, e salvamento: Aparta o sol a negra escuridade, Removendo o temor ao pensamento: Assi no reino forte aconteceo, Despois que o Rei Fernando falleceo.
Porque se muito os nossos desejárão Quem os damnos e offensas vá vingando Naquelles, que tão bem se aproveitárão Do descuido remisso de Fernando, Despois de pouco tempo o alcançárão, Joanne sempre illustre alevantando
Por Rei, como de Pedro unico herdeiro, (Aindaque bastardo) verdadeiro.
Ser isto ordenação dos Ceos divina
Por signaes muito claros se mostrou, Quando em Evora a voz de huma menina, Ante tempo fallando, o nomeou,
E, como cousa em fim que o Ceo destina, No berço o corpo e a voz alevantou: Portugal! Portugal! alçando a mão, Disse, pelo Rei novo Dom João.
Alteradas então do Reino as gentes
Co'o odio que occupado os peitos tinha,
Absolutas cruezas e evidentes
Faz do povo o furor, por onde vinha: Matando vão amigos e parentes Do adultero Conde, e da Rainha, Com que sua incontinencia deshonesta Mais, despois de viuva, manifesta.
Mas elle em fim, com causa deshonrado, Diante della a ferro frio morre,
De outros muitos na morte acompanhado; Que tudo o fogo erguido queima e corre: Quem, como Astyanax, precipitado (Sem lhe valerem ordens) de alta torre; A quem ordens, nem aras, nem respeito; Quem nu por ruas, e em pedaços feito.
Podem-se pôr em longo esquecimento As cruezas mortaes, que Roma vio, Feitas do feroz Mario, e do cruento Sylla, quando o contrário lhe fugio. Por isso Leonor, que o sentimento Do morto Conde ao mundo descobrio, Faz contra Lusitania vir Castella,
Dizendo ser sua filha herdeira della.
Beatriz era a filha, que casada
Co'o Castelhano está, que o Reino pede, Por filha de Fernando reputada, Se a corrompida fama lho concede. Com esta voz Castella alevantada, Dizendo que esta filha ao pae succede, Suas forças ajunta para as guerras, De várias regiões e várias terras.
Vem de toda a provincia, que de hum Brigo
(Se foi) ja teve o nome derivado;
Das terras que Fernando, e que Rodrigo Ganharão do tyranno e Mauro estado. Não estimão das armas o perigo Os que cortando vão co'o duro arado Os campos Leonezes, cuja gente
Co' os Mouros foi nas armas excellente.
Os Vandalos, na antigua valentia Ainda confiados, se ajuntavão
Da cabeça de toda Andaluzia, Que do Guadalquibir as aguas lavão. A nobre ilha tambem se apercebia, Que antiguamente os Tyrios habitavão, Trazendo por insignias verdadeiras As Herculeas columnas nas bandeiras.
Tambem vem lá do reino de Toledo, Cidade nobre e antigua, a quem cercando O Tejo em tôrno vai suave e ledo, Que das serras de Conca vem manando. A vós outros tambem não tolhe o medo, Ó sordidos Gallegos, duro bando, Que para resistirdes, vos armastes, Áquelles cujos golpes ja provastes.
Tambem movem da guerra as negras furias A gente Biscainha, que carece
De polidas razões, e que as injúrias Muito mal dos estranhos compadece. A terra de Guipuscua, e das Asturias, Que com minas de ferro se ennobrece, Armou delle os soberbos moradores, Para ajudar na guerra a seus senhores.
Joanne, a quem do peito o esforço crece, Como a Samsão Hebreio da guedelha, Postoque tudo pouco lhe parece,
Co'os poucos de seu reino se apparelha. E, não porque conselho lhe fallece, Co'os principaes senhores se aconselha, Mas só por ver das gentes as sentenças, Que sempre houve entre muitos differenças.
Não falta com razões quem desconcerte Da opinião de todos na vontade, Em quem o esforço antiguo se converte Em desusada e má deslealdade. Podendo o temor mais, gelado, inerte, Que a propria e natural fidelidade, Negão o Rei e a patria, e se convem, Negarão, como Pedro, o Deos que tem.
Mas nunca foi que este êrro se sentisse No forte Dom Nuno Alvares: mas antes, Postoque em seus irmãos tão claro o visse, Reprovando as vontades inconstantes, Áquellas duvidosas gentes disse
Com palavras mais duras que elegantes, A mão na espada, irado e não facundo, Ameaçando a terra, o mar, e o mundo:
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