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OS LUSIADAS.

CANTO QUARTO.

I.

Despois de procellosa tempestade,
Nocturna sombra, e sibilante vento,
Traz a manhãa serena claridade,
Esperança de porto, e salvamento:
Aparta o sol a negra escuridade,
Removendo o temor ao pensamento:
Assi no reino forte aconteceo,
Despois que o Rei Fernando falleceo.

II.

Porque se muito os nossos desejárão
Quem os damnos e offensas vá vingando
Naquelles, que tão bem se aproveitárão
Do descuido remisso de Fernando,
Despois de pouco tempo o alcançárão,
Joanne sempre illustre alevantando

Por Rei, como de Pedro unico herdeiro,
(Aindaque bastardo) verdadeiro.

III.

Ser isto ordenação dos Ceos divina

Por signaes muito claros se mostrou,
Quando em Evora a voz de huma menina,
Ante tempo fallando, o nomeou,

E, como cousa em fim que o Ceo destina,
No berço o corpo e a voz alevantou:
Portugal! Portugal! alçando a mão,
Disse, pelo Rei novo Dom João.

IV.

Alteradas então do Reino as gentes

Co'o odio que occupado os peitos tinha,

Absolutas cruezas e evidentes

Faz do povo o furor, por onde vinha:
Matando vão amigos e parentes
Do adultero Conde, e da Rainha,
Com que sua incontinencia deshonesta
Mais, despois de viuva, manifesta.

V.

Mas elle em fim, com causa deshonrado,
Diante della a ferro frio morre,

De outros muitos na morte acompanhado;
Que tudo o fogo erguido queima e corre:
Quem, como Astyanax, precipitado
(Sem lhe valerem ordens) de alta torre;
A quem ordens, nem aras, nem respeito;
Quem nu por ruas, e em pedaços feito.

VI.

Podem-se pôr em longo esquecimento
As cruezas mortaes, que Roma vio,
Feitas do feroz Mario, e do cruento
Sylla, quando o contrário lhe fugio.
Por isso Leonor, que o sentimento
Do morto Conde ao mundo descobrio,
Faz contra Lusitania vir Castella,

Dizendo ser sua filha herdeira della.

VII.

Beatriz era a filha, que casada

Co'o Castelhano está, que o Reino pede,
Por filha de Fernando reputada,
Se a corrompida fama lho concede.
Com esta voz Castella alevantada,
Dizendo que esta filha ao pae succede,
Suas forças ajunta para as guerras,
De várias regiões e várias terras.

VIII.

Vem de toda a provincia, que de hum Brigo

(Se foi) ja teve o nome derivado;

Das terras que Fernando, e que Rodrigo
Ganharão do tyranno e Mauro estado.
Não estimão das armas o perigo
Os que cortando vão co'o duro arado
Os campos Leonezes, cuja gente

Co' os Mouros foi nas armas excellente.

IX.

Os Vandalos, na antigua valentia
Ainda confiados, se ajuntavão

Da cabeça de toda Andaluzia,
Que do Guadalquibir as aguas lavão.
A nobre ilha tambem se apercebia,
Que antiguamente os Tyrios habitavão,
Trazendo por insignias verdadeiras
As Herculeas columnas nas bandeiras.

X.

Tambem vem lá do reino de Toledo,
Cidade nobre e antigua, a quem cercando
O Tejo em tôrno vai suave e ledo,
Que das serras de Conca vem manando.
A vós outros tambem não tolhe o medo,
Ó sordidos Gallegos, duro bando,
Que para resistirdes, vos armastes,
Áquelles cujos golpes ja provastes.

XI.

Tambem movem da guerra as negras furias
A gente Biscainha, que carece

De polidas razões, e que as injúrias
Muito mal dos estranhos compadece.
A terra de Guipuscua, e das Asturias,
Que com minas de ferro se ennobrece,
Armou delle os soberbos moradores,
Para ajudar na guerra a seus senhores.

XII.

Joanne, a quem do peito o esforço crece,
Como a Samsão Hebreio da guedelha,
Postoque tudo pouco lhe parece,

Co'os poucos de seu reino se apparelha.
E, não porque conselho lhe fallece,
Co'os principaes senhores se aconselha,
Mas só por ver das gentes as sentenças,
Que sempre houve entre muitos differenças.

XIII.

Não falta com razões quem desconcerte
Da opinião de todos na vontade,
Em quem o esforço antiguo se converte
Em desusada e má deslealdade.
Podendo o temor mais, gelado, inerte,
Que a propria e natural fidelidade,
Negão o Rei e a patria, e se convem,
Negarão, como Pedro, o Deos que tem.

XIV.

Mas nunca foi que este êrro se sentisse
No forte Dom Nuno Alvares: mas antes,
Postoque em seus irmãos tão claro o visse,
Reprovando as vontades inconstantes,
Áquellas duvidosas gentes disse

Com palavras mais duras que elegantes,
A mão na espada, irado e não facundo,
Ameaçando a terra, o mar, e o mundo:

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