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OS LUSIADAS.

CANTO QUINTO.

I.

Estas sentenças taes o velho honrado
Vociferando estava, quando abrimos
As azas ao sereno e socegado

Vento, e do porto amado nos partimos.
E como he ja no mar costume usado,
A vela desfraldando, o ceo ferimos,
Dizendo: Boa viagem. Logo o vento
Nos troncos fez o usado movimento.

II.

Entrava neste tempo o eterno lume
No animal Nemeio truculento,

E o mundo, que co'o tempo se consume,
Na sexta idade andava enfermo e lento.
Nella vê, como tinha por costume,

Cursos do sol quatorze vezes cento,
Com mais noventa e sete, em que corria,

Quando no mar a armada se estendia.

III.

Ja a vista pouco e pouco se desterra
Daquelles patrios montes que ficavão:
Ficava o charo Tejo, e a fresca serra
De Cintra; e nella os olhos se alongavão.
Ficava-nos tambem na amada terra

O coração, que as mágoas lá deixavão;
E ja despois que toda se escondeo,
Não vimos mais em fim que mar e ceo.

IV.

Assi fomos abrindo aquelles mares
Que geração alguma não abrio,

As novas ilhas vendo, e os novos ares,
Que o generoso Henrique descobrio,
De Mauritania os montes e lugares,
Terra que Antheo n'hum tempo possuio,
Deixando á mão esquerda; que à direita
Não ha certeza d' outra, mas suspeita.

V.

Passamos a grande ilha da Madeira,
Que do muito arvoredo assi se chama;
Das que nós povoámos a primeira,
Mais celebre por nome, que por fama:
Mas nem por ser do mundo a derradeira
Se lhe avantajão quantas Venus ama;
Antes, sendo esta sua, se esquecêra
De Cypro, Gnido, Paphos, e Cythera.

VI.

Deixamos de Massylia a esteril costa,
Onde seu gado os Azenegues pastão;
Gente que as frescas águas nunca gosta,
Nem as hervas do campo bem lhe abastão:
A terra a nenhum fructo emfim disposta,
Onde as aves no ventre o ferro gastão,
Padecendo de tudo extrema inopia,

Que aparta a Barbaria de Ethiopia.

VII.

Passámos o limite aonde chega

O sol, que para o Norte os carros guia,
Onde jazem os povos, a quem nega
O filho de Clymene a côr do dia.
Aqui gentes estranhas lava e rega
Do negro Sanagá a corrente fria,
Onde o cabo Arsinario o nome perde,
Chamando-se dos nossos Cabo-Verde.

VIII.

Passadas tendo ja as Canarias ilhas,
Que tiverão por nome Fortunadas,
Entrámos navegando pelas filhas
Do velho Hesperio, Hesperidas chamadas;
Terras por onde novas maravilhas
Andárão vendo ja nossas armadas:
Alli tomamos porto com bom vento,
Por tomarmos da terra mantinento.

IX.

Aquella ilha aportámos, que tomou
O nome do guerreiro Sant-Iago;
Sancto, que os Hespanhoes tanto ajudou
A fazerem nos Mouros bravo estrago.
Daqui, tanto que Boreas nos ventou,
Tornámos a cortar o immenso lago
Do salgado Oceano; e assi deixámos
A terra, onde o refrêsco doce achámos.

X.

Por aqui rodeando a larga parte
De Africa, que ficava ao Oriente;
A provincia Jalofo, que reparte
Por diversas nações a negra gente;
A mui grande Mandinga, por cuja arte
Logramos o metal rico e luzente,
Que do curvo Gambea as águas bebe,
As quaes o largo Atlantico recebe;

XI.

As Dorcadas passamos, povoadas

Das irmãas, que outro tempo alli vivião,
Que de vista total sendo privadas,

Todas tres d'hum só ôlho se servião.
Tu só, tu cujas tranças encrespadas
Neptuno lá nas águas accendião,
Tornada ja de todas a mais feia,

De viboras encheste a ardente areia.

Camões I.

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XII.

Sempre em fim para o Austro a aguda proa, No grandissimo gôlfão nos mettemos, Deixando a serra asperrima Leoa,

Co' o cabo, a quem das Palmas nome demos,
O grande rio, onde batendo soa

O mar nas praias notas, que alli temos,
Ficou, co' a ilha illustre que tomou

O nome d'hum, que o lado a Deos tocou.

XIII.

Alli o mui grande reino está de Congo,
Por nós ja convertido á fé de Christo,
Por onde o Zaire passa claro e longo,
Rio pelos antiguos nunca visto.
Por este largo mar em fim me alongo
Do conhecido pólo de Callisto,

Tendo o término ardente ja passado,
Onde o meio do mundo he limitado.

XIV.

Ja descoberto tinhamos diante

Lá no novo hemispherio nova estrella,
Não vista de outra gente, que ignorante
Alguns tempos esteve incerta della.
Vimos a parte menos rutilante,

E, por falta d' estrellas menos bella,
Do pólo fixo, onde inda se não sabe
Que outra terra comece, ou mar acabe.

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