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XC.

Da boca do facundo capitão
Pendendo estavão todos embebidos,
Quando deo fim á longa narração
Dos altos feitos grandes e subidos.
Louva o Rei o sublime coração

Dos Reis em tantas guerras conhecidos:
Da gente louva a antigua fortaleza,
A lealdade d'ânimo e nobreza.

XCI.

Vai recontando o povo, que se admira,
O caso cada qual que mais notou:
Nenhum delles da gente os olhos tira,
Que tão longos caminhos rodeou.

Mas ja o mancebo Delio as redeas vira,
Que o irmão de Lampecia mal guiou,
Por vir a descançar nos Tethyos braços;
E el Rei se vai do mar aos nobres paços.

XCII.

Quão doce he o louvor e a justa glória Dos proprios feitos, quando são soados! Qualquer nobre trabalha, que em memoria Vença, ou iguale os grandes ja passados. As invejas da illustre e alheia historia Fazem mil vezes feitos sublimados.

Quem valerosas obras exercita,

Louvor alheio muito o esperta e incita.

XCIII.

Não tinha em tanto os feitos gloriosos
De Achilles Alexandro na peleja,
Quanto de quem o canta, os numerosos
Versos; isso só louva, isso deseja.
Os tropheos de Milciades famosos
Themistocles despertão só de inveja;
E diz, que nada tanto o deleitava,
Como a voz que seus feitos celebrava.

XCIV.

Trabalha por mostrar Vasco da Gama
Que essas navegações, que o mundo canta,
Não merecem tamanha glória e fama,

Como a sua, que o ceo e a terra espanta.
Si; mas aquelle Heroe, que estima e ama
Com dons, mercês, favores, e honra tanta
A lyra Mantuana, faz que soe
Eneas, e a Romana glória voe.

XCV.

Dá a terra Lusitana Scipiões,

Cesares, Alexandros, e dá Augustos;
Mas não lhe dá com tudo aquelles dões,
Cuja falta os faz duros e robustos.
Octavio, entre as maiores oppressões,
Compunha versos doutos e venustos.
Não dirá Fulvia certo que he mentira,
Quando a deixava Antonio por Glaphyra,

XCVI.

Vai Cesar sobjugando toda França,

E as armas não lhe impedem a sciencia;
Mas n'hua mão a penna, e n' outra a lança,
Igualava de Cicero a eloquencia.

O que de Scipião se sabe e alcança,
He nas comedias grande experiencia :
Lia Alexandro a Homero de maneira,
Que sempre se lhe sabe á cabeceira.

XCVII.

Em fim não houve forte capitão,
Que não fosse tambem douto e sciente,
Da Lacia, Grega, ou barbara nação,
Senão da Portugueza tamsomente.
Sem vergonha o não digo; que a razão
D'algum não ser por versos excellente,
He não se ver prezado o verso e rima,
Porque quem não sabe a arte, não na estima.

XCVIII.

Por isso, e não por falta de natura,

Não ha tambem Virgilios, nem Homeros;
Nem havera, se este costume dura,

Pios Eneas, nem Achilles feros.

Mas o peor de tudo he, que a ventura

Tão asperos os fez e tão austeros,
Tão rudos e de engenho tão remisso,
Que a muitos the dá pouco, ou nada disso.

XCIX.

Ás Musas agradeça o nosso Gama

O muito amor da patria, que as obriga
A dar aos seus na lyra nome e fama
De toda a illustre e bellica fadiga:

Que elle, nem quem na estirpe seu se chama,
Calliope não tee por tão amiga,

Nem as filhas do Tejo, que deixassem

As telas d'ouro fino e que o cantassem.

C.

Porque o amor fraterno, e puro gôsto
De dar a todo o Lusitano feito

Seu louvor, he somente o presupposto
Das Tagides gentis, e seu respeito.
Porém não deixe em fim de ter disposto
Ninguem a grandes obras sempre o peito;
Que por esta, ou por outra qualquer via,
Não perderá seu preço e sua valia.

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OS LUSIADAS.

CANTO SEXTO.

I.

Não sabia em que modo festejasse
O Rei pagão os fortes navegantes,
Para que as amizades alcançasse

Do Rei christão, das gentes tão possantes:
Peza-lhe que tão longe o aposentasse
Das Europeas terras abundantes

A ventura, que não no fez visinho

Donde Hercules ao mar abrio caminho.

II.

Com jogos, danças e outras alegrias,

A segundo a polícia Melindana,

Com usadas e ledas pescarias,

Com que a Lageia Antonio alegra e engana,

Este famoso Rei, todos os dias,

Festeja a companhia Lusitana,

Com banquetes, manjares desusados,

Com fructas, aves, carnes e pescados.

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