Da boca do facundo capitão Pendendo estavão todos embebidos, Quando deo fim á longa narração Dos altos feitos grandes e subidos. Louva o Rei o sublime coração
Dos Reis em tantas guerras conhecidos: Da gente louva a antigua fortaleza, A lealdade d'ânimo e nobreza.
Vai recontando o povo, que se admira, O caso cada qual que mais notou: Nenhum delles da gente os olhos tira, Que tão longos caminhos rodeou.
Mas ja o mancebo Delio as redeas vira, Que o irmão de Lampecia mal guiou, Por vir a descançar nos Tethyos braços; E el Rei se vai do mar aos nobres paços.
Quão doce he o louvor e a justa glória Dos proprios feitos, quando são soados! Qualquer nobre trabalha, que em memoria Vença, ou iguale os grandes ja passados. As invejas da illustre e alheia historia Fazem mil vezes feitos sublimados.
Quem valerosas obras exercita,
Louvor alheio muito o esperta e incita.
Não tinha em tanto os feitos gloriosos De Achilles Alexandro na peleja, Quanto de quem o canta, os numerosos Versos; isso só louva, isso deseja. Os tropheos de Milciades famosos Themistocles despertão só de inveja; E diz, que nada tanto o deleitava, Como a voz que seus feitos celebrava.
Trabalha por mostrar Vasco da Gama Que essas navegações, que o mundo canta, Não merecem tamanha glória e fama,
Como a sua, que o ceo e a terra espanta. Si; mas aquelle Heroe, que estima e ama Com dons, mercês, favores, e honra tanta A lyra Mantuana, faz que soe Eneas, e a Romana glória voe.
Dá a terra Lusitana Scipiões,
Cesares, Alexandros, e dá Augustos; Mas não lhe dá com tudo aquelles dões, Cuja falta os faz duros e robustos. Octavio, entre as maiores oppressões, Compunha versos doutos e venustos. Não dirá Fulvia certo que he mentira, Quando a deixava Antonio por Glaphyra,
Vai Cesar sobjugando toda França,
E as armas não lhe impedem a sciencia; Mas n'hua mão a penna, e n' outra a lança, Igualava de Cicero a eloquencia.
O que de Scipião se sabe e alcança, He nas comedias grande experiencia : Lia Alexandro a Homero de maneira, Que sempre se lhe sabe á cabeceira.
Em fim não houve forte capitão, Que não fosse tambem douto e sciente, Da Lacia, Grega, ou barbara nação, Senão da Portugueza tamsomente. Sem vergonha o não digo; que a razão D'algum não ser por versos excellente, He não se ver prezado o verso e rima, Porque quem não sabe a arte, não na estima.
Por isso, e não por falta de natura,
Não ha tambem Virgilios, nem Homeros; Nem havera, se este costume dura,
Pios Eneas, nem Achilles feros.
Mas o peor de tudo he, que a ventura
Tão asperos os fez e tão austeros, Tão rudos e de engenho tão remisso, Que a muitos the dá pouco, ou nada disso.
Ás Musas agradeça o nosso Gama
O muito amor da patria, que as obriga A dar aos seus na lyra nome e fama De toda a illustre e bellica fadiga:
Que elle, nem quem na estirpe seu se chama, Calliope não tee por tão amiga,
Nem as filhas do Tejo, que deixassem
As telas d'ouro fino e que o cantassem.
Porque o amor fraterno, e puro gôsto De dar a todo o Lusitano feito
Seu louvor, he somente o presupposto Das Tagides gentis, e seu respeito. Porém não deixe em fim de ter disposto Ninguem a grandes obras sempre o peito; Que por esta, ou por outra qualquer via, Não perderá seu preço e sua valia.
Não sabia em que modo festejasse O Rei pagão os fortes navegantes, Para que as amizades alcançasse
Do Rei christão, das gentes tão possantes: Peza-lhe que tão longe o aposentasse Das Europeas terras abundantes
A ventura, que não no fez visinho
Donde Hercules ao mar abrio caminho.
Com jogos, danças e outras alegrias,
A segundo a polícia Melindana,
Com usadas e ledas pescarias,
Com que a Lageia Antonio alegra e engana,
Este famoso Rei, todos os dias,
Festeja a companhia Lusitana,
Com banquetes, manjares desusados,
Com fructas, aves, carnes e pescados.
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