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XCIII.

Esta he por certo a terra que buscais
Da verdadeira India, que apparece;
E se do mundo mais não desejais,
Vosso trabalho longo aqui fenece.
Soffrer aqui não pôde o Gama mais,
De ledo em ver que a terra se conhece:
Os giolhos no chão, as mãos ao ceo,
A mercê grande a Deos agradeceo.

XCIV.

As graças a Deos dava, e razão tinha,
Que não somente a terra lhe mostrava,
Que com tanto temor buscando vinha,
Por quem tanto trabalho exprimentava;
Mas via-se livrado tão asinha

Da morte, que no mar lhe apparelhaya
O vento duro, férvido e medonho,
Como quem despertou de horrendo sonho.

XCV.

Por meio destes horridos perigos,

Destes trabalhos graves e temores, Alcanção os que são de fama amigos As honras immortaes, e graos maiores: Não encostados sempre nos antigos Troncos nobres de seus antecessores, Não nos leitos dourados entre os finos Animaes de Moscovia zebellinos:

XCVI.

Não co'os manjares novos e exquisitos,
Não co'os passeios molles e ociosos,
Não co'os varios deleites e infinitos,
Que affeminão os peitos generosos;
Não co'os nunca vencidos appetitos,
Que a fortuna tee sempre tão mimosos,
Que não soffre a nenhum que o passo mude
Para alguma obra heroica de virtude:

XCVII.

Mas com buscar co'o seu forçoso braço
As honras, que elle chame proprias suas,
Vigiando e vestindo o forjado aço,
Soffrendo tempestades e ondas cruas;
Vencendo os torpes frios no regaço
Do Sul e regiões de abrigo nuas;
Engulindo o corrupto mantimento,
Temperado c'hum arduo soffrimento.

XCVIII.

E com forçar o rosto, que se enfia,
A parecer seguro, ledo, inteiro

Para o pelouro ardente, que assovia

E leva a perna ou braço ao companheiro.
Dest'arte o peito hum callo honroso cria
Desprezador das honras e dinheiro;
Das honras e dinheiro, que a ventura
Forjou, e não virtude justa e dura.

XCIX.

Desta arte se esclarece o entendimento,
Que experiencias fazem repousado;
E fica vendo, como de alto assento,
O baixo trato humano embaraçado.
Este, onde tiver fôrça o regimento
Direito, e não de affectos occupado,
Subirá (como deve) a illustre mando,
Contra vontade sua, e não rogando.

Camões I.

15

OS LUSIADAS.

CANTO SEPTIMO.

1.

Ja se vião chegados junto á terra

Que desejada ja de tantos fôra,

Que entre as correntes Indicas se encerra
E o Ganges, que no ceo terreno mora.
Ora sus, gente forte, que na guerra
Quereis levar a palma vencedora,
Ja sois chegados, ja tendes diante
A terra de riquezas abundante.

II.

A vós, ó geração de Luso, digo,
Que tão pequena parte sois no mundo:
Não digo inda no mundo, mas no amigo
Curral de quem governa o ceo rotundo;
Vós, a quem não somente algum perigo
Estorva conquistar o povo immundo,
Mas nem cobiça, ou pouca obediencia
Da Madre, que nos Ceos está em essencia.

III.

Vós, Portuguezes poucos, quanto fortes,
Que o fraco podêr vosso não pezais;
Vós, que á custa de vossas várias mortes

A Lei da vida eterna dilatais:

Assi do Ceo deitadas são as sortes,

Que vós por muito poucos que sejais,
Muito façais na sancta Christandade:
Que tanto, ó Christo, exaltas a humildade!

IV.

Vede-los Alemães, soberbo gado,

Que por tão largos campos se apascenta,
Do successor de Pedro rebellado,
Novo pastor, e nova seita inventa:
Vede-lo em feias guerras occupado,

Que inda co'o cego error se não contenta;
Não contra o superbissimo Othomano,

Mas por sahir do jugo soberano.

V.

Vede-lo duro Inglez, que se nomeia
Rei da velha e sanctissima Cidade,
Que o torpe Ismaelita senhoreia:
Quem vio honra tão longe da verdade?
Entre as Boreaes neves se recreia,
Nova maneira faz de Christandade:
Para os de Christo tee a espada nua,

Não por tomar a terra que era sua.

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