Esta he por certo a terra que buscais Da verdadeira India, que apparece; E se do mundo mais não desejais, Vosso trabalho longo aqui fenece. Soffrer aqui não pôde o Gama mais, De ledo em ver que a terra se conhece: Os giolhos no chão, as mãos ao ceo, A mercê grande a Deos agradeceo.
As graças a Deos dava, e razão tinha, Que não somente a terra lhe mostrava, Que com tanto temor buscando vinha, Por quem tanto trabalho exprimentava; Mas via-se livrado tão asinha
Da morte, que no mar lhe apparelhaya O vento duro, férvido e medonho, Como quem despertou de horrendo sonho.
Por meio destes horridos perigos,
Destes trabalhos graves e temores, Alcanção os que são de fama amigos As honras immortaes, e graos maiores: Não encostados sempre nos antigos Troncos nobres de seus antecessores, Não nos leitos dourados entre os finos Animaes de Moscovia zebellinos:
Não co'os manjares novos e exquisitos, Não co'os passeios molles e ociosos, Não co'os varios deleites e infinitos, Que affeminão os peitos generosos; Não co'os nunca vencidos appetitos, Que a fortuna tee sempre tão mimosos, Que não soffre a nenhum que o passo mude Para alguma obra heroica de virtude:
Mas com buscar co'o seu forçoso braço As honras, que elle chame proprias suas, Vigiando e vestindo o forjado aço, Soffrendo tempestades e ondas cruas; Vencendo os torpes frios no regaço Do Sul e regiões de abrigo nuas; Engulindo o corrupto mantimento, Temperado c'hum arduo soffrimento.
E com forçar o rosto, que se enfia, A parecer seguro, ledo, inteiro
Para o pelouro ardente, que assovia
E leva a perna ou braço ao companheiro. Dest'arte o peito hum callo honroso cria Desprezador das honras e dinheiro; Das honras e dinheiro, que a ventura Forjou, e não virtude justa e dura.
Desta arte se esclarece o entendimento, Que experiencias fazem repousado; E fica vendo, como de alto assento, O baixo trato humano embaraçado. Este, onde tiver fôrça o regimento Direito, e não de affectos occupado, Subirá (como deve) a illustre mando, Contra vontade sua, e não rogando.
Ja se vião chegados junto á terra
Que desejada ja de tantos fôra,
Que entre as correntes Indicas se encerra E o Ganges, que no ceo terreno mora. Ora sus, gente forte, que na guerra Quereis levar a palma vencedora, Ja sois chegados, ja tendes diante A terra de riquezas abundante.
A vós, ó geração de Luso, digo, Que tão pequena parte sois no mundo: Não digo inda no mundo, mas no amigo Curral de quem governa o ceo rotundo; Vós, a quem não somente algum perigo Estorva conquistar o povo immundo, Mas nem cobiça, ou pouca obediencia Da Madre, que nos Ceos está em essencia.
Vós, Portuguezes poucos, quanto fortes, Que o fraco podêr vosso não pezais; Vós, que á custa de vossas várias mortes
A Lei da vida eterna dilatais:
Assi do Ceo deitadas são as sortes,
Que vós por muito poucos que sejais, Muito façais na sancta Christandade: Que tanto, ó Christo, exaltas a humildade!
Vede-los Alemães, soberbo gado,
Que por tão largos campos se apascenta, Do successor de Pedro rebellado, Novo pastor, e nova seita inventa: Vede-lo em feias guerras occupado,
Que inda co'o cego error se não contenta; Não contra o superbissimo Othomano,
Mas por sahir do jugo soberano.
Vede-lo duro Inglez, que se nomeia Rei da velha e sanctissima Cidade, Que o torpe Ismaelita senhoreia: Quem vio honra tão longe da verdade? Entre as Boreaes neves se recreia, Nova maneira faz de Christandade: Para os de Christo tee a espada nua,
Não por tomar a terra que era sua.
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