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LXXXI.

E ainda, nymphas minhas, não bastava
Que tamanhas miserias me cercassem;
Senão que aquelles que eu cantando andava,
Tal prémio de meus versos me tornassem.
A trôco dos descansos que esperava,

Das capellas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventárão,
Com que em tão duro estado me deitárão.

LXXXII.

Vêde, Nymphas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valerosos,

Que assi sabem prezar com taes favores
A quem os faz cantando gloriosos!
Que exemplos a futuros escriptores,
Para espertar engenhos curiosos,
Para pôrem as cousas em memória,
Que merecerem ter eterna glória!

LXXXIII.

Pois logo em tantos males he forçado,
Que só vosso favor me não falleça,
Principalmente aqui, que sou chegado
Onde feitos diversos engrandeça:

Dai-mo vós sós, que eu tenho ja jurado,

Que não no empregue em quem o não mereça,

Nem por lisonja louve algum subido,

Sob pena de não ser agradecido.

LXXXIV.

Nem creais, Nymphas, não, que fama désse
A quem ao bem commum, e do seu Rei,
Antepuzer seu proprio interesse,
Imigo da divina e humana lei:
Nenhum ambicioso, que quizesse
Subir a grandes cargos, cantarei,
Só por poder com torpes exercicios
Usar mais largamente de seus vicios.

LXXXV.

Nenhum que use de seu podêr bastante,
Para servir a seu desejo feio;

E que por comprazer ao vulgo errante
Se muda em mais figuras que Proteio:
Nem, Camenas, tambem cuideis que cante
Quem com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei no officio novo,
A despir e roubar o pobre povo.

LXXXVI.

Nem quem acha que he justo, e que he direito,
Guardar-se a lei do Rei severamente,

E não acha que he justo e bom respeito,
Que se pague o suor da servil gente:
Nem quem sempre com pouco experto peito
Razões apprende, e cuida que he prudente,
Para taixar, com mão rapace e escassa,
Os trabalhos alheios, que não passa.

LXXXVII.

Aquelles sós direi, que aventurárão

Por seu Deos, por seu Rei a amada vida, Onde perdendo-a, em fama a dilatárão, Tão bem de suas obras merecida.

Apollo, e as Musas, que me acompanharão,
Me dobrarão a furia concedida,

Em quanto eu tomo alento descansado,
Por tornar ao trabalho, mais folgado.

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OS LUSIADAS.

CANTO OITAVO.

I.

Na primeira figura se detinha

O Catual, que víra estar pintada,
Que por divisa hum ramo na mão tinha,
A barba branca, longa e penteada:
Quem era, e porque causa lhe convinha
A divisa que tee na mão tomada?
Paulo responde, cuja voz discreta
O Mauritano sabio lhe interpreta.

II.

Estas figuras todas que apparecem,
Bravos em vista e feros nos aspeitos,

Mais bravos e mais feros se conhecem,

Pela fama, nas obras e nos feitos:

Antiguos são, mas inda resplandecem

Co'o nome, entre os engenhos mais perfeitos. Este que vês he Luso, donde a fama

O nosso reino Lusitania chama.

III.

Foi filho e companheiro do Thebano,
Que tão diversas partes conquistou:
Parece vindo ter ao ninho Hispano,
Seguindo as armas que contino usou.
Do Douro, e Guadiana, o campo ufano,
Ja dito Elysio, tanto o contentou,
Que alli quiz dar, aos ja cansados ossos
Eterna sepultura, e nome aos nossos.

IV.

O ramo que lhe vês para divisa,
O verde thyrso foi de Baccho usado,
O qual á nossa idade amostra e avisa,
Que foi seu companheiro e filho amado.
Vês outro que do Tejo a terra pisa,
Despois de ter tão longo mar arado,
Onde muros perpetuos edifica,

E templo a Pallas, que em memória fica?

V.

Ulysses he, que faz a sancta casa
Á deosa, que lhe dá lingua facunda;

Que se lá na Asia Troia insigne abrasa,
Cá na Europa Lisboa ingente funda.

Quem sera est' outro cá, que o campo arrasa
De mortos, com presença furibunda?

Grandes batalhas tee desbaratadas,

Que as aguias nas bandeiras tee pintadas.

Camões I.

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