Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

XCVI.

Nas naos estar se deixa vagaroso,

Até ver o que o tempo lhe descobre;
Que não se fia ja do cobiçoso
Regedor corrompido e pouco nobre.
Veja agora o juizo curioso

Quanto no rico, assi como no pobre,
Póde o vil interêsse, e sêde imiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.

XCVII.

A Polydoro mata o Rei Threïcio,
Só por ficar senhor do grão thesouro:
Entra pelo fortissimo edificio

Com a filha de Acrisio a chuva d'ouro:
Póde tanto em Tarpeia avaro vicio,

Que a trôco do metal luzente e louro
Entrega aos inimigos a alta torre,

Do qual quasi affogada em pago morre.

XCVIII.

Este rende munidas fortalezas,

Faz traidores e falsos os amigos:

Este aos mais nobres faz fazer vilezas,

E entrega capitães aos inimigos:

Este corrompe virginaes purezas,

Sem temer de honra ou fama alguns perigos:

Este deprava ás vezes as sciencias,

Os juizos cegando e as consciencias.

XCIX.

Este interpreta mais que subtilmente
Os textos: este faz e desfaz leis:
Este causa os perjurios entre a gente,
E mil vezes tyrannos torna os Reis.
Até os que só a Deos Omnipotente
Se dedicão, mil vezes ouvireis,

Que corrompe este encantador e illude;

Mas não sem côr, com tudo, de virtude.

[graphic][merged small][merged small]

OS LUSIAD A S.

CANTO NONO.

I.

Tiverão longamente na cidade

Sem vender-se a fazenda os dous feitores;
Que os infieis por manha e falsidade
Fazem que não lha comprem mercadores:

Que todo seu proposito e vontade
Era deter alli os descobridores

Da India tanto tempo, que viessem

De Meca as naos, que as suas desfizessem.

II.

Lá no seio Erythreo, onde fundada
Arsinoe foi do Egypcio Ptolemeo,

Do nome da irmãa sua assi chamada,
Que despois em Suez se converteo;
Não longe o porto jaz da nomeada
Cidade Meca, que se engrandeceo
Com a superstição falsa e profana
Da religiosa água Maumetana.

III.

Gidá se chama o porto, aonde o trato
De todo o Roxo mar mais florecia,
De que tinha proveito grande e grato
O Soldão, que esse reino possuia.
Daqui aos Malabares, por contrato
Dos infieis, formosa companhia

De grandes naos, pelo Indico Oceano,
Especiaria vem buscar cada anno.

IV.

Por estas naos os Mouros esperavão; Que, como fossem grandes e possantes, Aquellas, que o commércio lhe tomavão, Com flammas abrazassem crepitantes. Neste soccorro tanto confiavão,

Que ja não querem mais dos navegantes, Senão que tanto tempo alli tardassem, Que da famosa Meca as naos chegassem.

V.

Mas o Governador dos ceos e gentes,

Que para quanto tee determinado

De longe os meios dá convenientes,

Por onde vem a effeito o fim fadado;

Influio piedosos accidentes

De affeição em Monçaide, que guardado Estava para dar ao Gama aviso,

E merecer por isso o Paraiso.

VI.

Este, de quem se os Mouros não guardavão,
Por ser Mouro como elles, antes era
Participante em quanto machinavão,

A tenção lhe descobre torpe e fera.
Muitas vezes as naos que longe estavão
Visita, e com piedade considera

O damno, sem razão, que se lhe ordena
Pela maligna gente Sarracena.

VII.

Informa o cauto Gama das armadas
Que de Arabica Meca vem cada anno;
Que agora são dos seus tão desejadas,
Para ser instrumento deste dano:
Diz-lhe, que vem de gente carregadas,
E dos trovões horrendos de Vulcano;
E que pode ser dellas opprimido,
Segundo estava mal apercebido.

VIII.

O Gama, que tambem considerava

O tempo, que para a partida o chama;
E que despacho ja não esperava

Melhor do Rei, que os Maumetanos ama;
Aos feitores, que em terra estão, mandava
Que se tornem ás naos: e porque a fama
Desta subita vinda os não impida,
Lhe manda, que a fizessem escondida.

« VorigeDoorgaan »