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IX.

Porém não tardou muito, que voando
Hum rumor não soasse, com verdade,
Que forão presos os feitores, quando
Forão sentidos vir-se da cidade.
Esta fama as orelhas penetrando

Do sabio Capitão, com brevidade
Faz represalia n'huns, que ás naos vierão
A vender pedraria que trouxerão.

X.

Erão estes, antiguos mercadores
Ricos em Calecut e conhecidos:

Da falta delles, logo entre os melhores
Sentido foi, que estão no mar retidos.
Mas ja nas naos os bons trabalhadores
Volvem o cabrestante, e repartidos

Pelo trabalho, huns puxão pela amarra,
Outros quebrão co'o peito duro a barra.

XI.

Outros pendem da vêrga, e ja desatão
A vela, que com grita se soltava;
Quando com maior grita ao Rei relatão
A pressa, com que a armada se levava.
As mulheres e filhos, que se matão,
Daquelles que vão presos, onde estava
O Samorim, se aqueixão que perdidos
Huns tee os paes, as outras os maridos.

XII.

Manda logo os feitores Lusitanos
Com toda sua fazenda livremente,
A pezar dos imigos Maumetanos,
Porque lhe torne a sua presa gente:
Desculpas manda o Rei de seus enganos.
Recebe o Capitão de melhor mente
Os presos, que as desculpas; e tornando
Alguns negros, se parte, as velas dando.

XIII.

Parte-se costa abaixo, porque entende
Que em vão co'o Rei gentio trabalhava
Em querer delle paz; a qual pretende
Por firmar o commércio que tratava.
Mas como aquella terra, que se estende
Pela Aurora, sabida ja deixava,
Com estas novas torna á patria chara,
Certos signaes levando do que achára.

XIV.

Leva alguns Malabares, que tomou
Por fôrça, dos que ao Samorim mandára,
Quando os presos feitores lhe tornou:
Leva pimenta ardente, que comprára:
A sêcca flor de Banda não ficou,
A noz e o negro cravo, que faz clara
A nova ilha Maluco, co' a canella,
Com que Ceilão he rica, illustre e bella.

XV.

Isto tudo lhe houvera a diligencia

De Monçaide fiel, que tambem leva;
Que inspirado de angelica influencia,
Quer no livro de Christo que se escreva.
Oh ditoso Africano, que a clemencia
Divina assi tirou d'escura treva,

E tão longe da patria achou maneira
Para subir á patria verdadeira!

XVI.

Apartadas assi da ardente costa
As venturosas naos, levando a proa
Para onde a natureza tinha posta
A meta Austrina da esperança boa;
Levando alegres novas, e resposta
Da parte Oriental para Lisboa;

Outra vez commettendo os duros medos

Do mar incerto, timidos e ledos;

XVII.

O prazer de chegar á patria chara,
A seus penates charos e parentes,
Para contar a peregrina e rara
Navegação, os varios ceos e gentes;
Vir a lograr o prémio que ganhára
Por tão longos trabalhos e accidentes,
Cada hum tee por gôsto tão perfeito,
Que o coração para elle he vaso estreito.

XVIII.

Porém a deosa Cypria, que ordenada
Era para favor dos Lusitanos

Do padre eterno, e por bom genio dada,
Que sempre os guia ja de longos annos;
A glória por trabalhos alcançada,
Satisfação de bem soffridos danos,
Lhe andava ja ordenando, e pretendia
Dar-lhe nos mares tristes alegria.

XIX.

Despois de ter hum pouco revolvido
Na mente o largo mar, que navegárão,
Os trabalhos que pelo Deos nascido
Nas Amphioneas Thebas se causárão;
Ja trazia de longe no sentido,

Para prémio de quanto mal passárão,
Buscar-lhe algum deleite, algum descanso
No reino de crystal liquido e manso:

XX.

Algum repouso em fim, com que podesse
Refocilar a lassa humanidade

Dos navegantes seus, como interesse
Do trabalho, que encurta a breve idade.
Parece-lhe razão que conta désse

A seu filho, por cuja potestade
Os deoses faz descer ao vil terreno,
E os humanos subir ao ceo sereno.

XXI.

Isto bem revolvido, determina

De ter-lhe aparelhada lá no meio
Das águas alguma insula divina,
Ornada d'esmaltado e verde arreio:
Que muitas tee no reino que confina
Da mãe primeira co'o terreno seio,
Afora as que possue soberanas
Para dentro das portas Herculanas.

XXII.

Alli quer que as aquaticas donzellas
Esperem os fortissimos Barões,

Todas as que tee titulo de bellas,
Glória dos olhos, dor dos corações,
Com danças e choreas, porque nellas
Influirá secretas affeições,

Para com mais vontade trabalharem

De contentar a quem se affeiçoarem.

XXIII.

Tal manha buscou ja, para que aquelle
Que de Anchises pario, bem recebido
Fosse no campo, que a bovina pelle
Tomou de espaço, por subtil partido.
Seu filho vai buscar, porque só nelle
Tee todo seu podêr, fero Cupido;
Que assi como naquella empresa antiga
A ajudou ja, nest' outra a ajude e siga.

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