Desta arte despedida a forte arınada, As ondas de Amphitrite dividia, Das filhas de Nereo acompanhada, Fiel, alegre, e doce companhia: O Capitão, que não cahia em nada Do enganoso ardil que o Mouro ordia, Delle mui largamente se informava
Da India toda, e costas que passava.
Mas o Mouro instruido nos enganos, Que o malevolo Baccho lhe ensinára, De morte ou captiveiro novos danos, Antes que á India chegue, lhe prepara; Dando razão dos portos Indianos, Tambem tudo o que pede lhe declara: Que, havendo por verdade o que dizia, De nada a forte gente se temia.
E diz-lhe mais, co' o falso pensamento Com que Sinon os Phrygios enganou, Que perto está huma ilha, cujo assento Povo antiguo christão sempre habitou. O Capitão, que a tudo estava attento, Tanto com estas novas se alegrou, Que com dadivas grandes lhe rogava,
Que o leve á terra onde esta gente estava.
O mesmo o falso Mouro determina,
Que o seguro Christão lhe manda e pede”; Que a ilha he possuida da malina Gente, que segue o torpe Mafamede: Aqui o engano e morte the imagina, Porque em podêr e fòrças muito excede A Moçambique esta ilha, que se chama Quiloa; mui conhecida pela fama.
Para lá se inclinava a leda frota; Mas a deosa em Cythera celebrada, Vendo como deixava a certa rota, Por ir buscar a morte não cuidada, Não consente que em terra tão remota Se perca gente della tanto amada; E com ventos contrarios a desvia Donde o piloto falso a leva e guia.
Mas o malvado Mouro não podendo Tal determinação levar avante, Outra maldade iniqua commettendo,
Ainda em seu proposito constante, Lhe diz, que pois as aguas discorrendo, Os levárão por força por diante, Que outra ilha tem perto, cuja gente
Erão Christãos com Mouros juntamente.
Tambem nestas palavras lhe mentia, Como por regimento em fim levava: Que aqui gente de Christo não havia, Mas a que a Mafamede celebrava :
O Capitão, que em tudo o Mouro cria, Virando as velas, a ilha demandava: Mas, não querendo a deosa guardadora, Não entra pela barra, e surge fóra.
Estava a ilha á terra tão chegada, Que hum estreito pequeno a dividia: Huma cidade nella situada,
Que na fronte do mar apparecia; De nobres edificios fabricada,
Como por fora ao longe descobria;
Regida por hum rei d'antigua idade: Mombaça he o nome da ilha e da cidade.
E sendo a ella o Capitão chegado, Estranhamente ledo, porque espera De poder ver o povo baptizado, Como o falso piloto lhe dissera; Eis vem batéis da terra com recado Do rei, que ja sabía a gente que era; Que Baccho muito d'antes o avisára, Na fórma d'outro Mouro que tomára.
O recado que trazem he de amigos, Mas debaixo o veneno vem coberto; Que os pensamentos erão de inimigos, Segundo foi o engano descoberto. Oh grandes e gravissimos perigos! Oh caminho da vida nunca certo! Que aonde a gente põe sua esperança Tenha a vida tão pouca segurança!
No mar tanta tormenta, e tanto dano, Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano, Tanta necessidade aborrecida!
Onde póde acolher-se hum fraco humano? Onde terá segura a curta vida,
Que nao se arme e se indigne o Ceo sereno Contra hum bicho da terra tão pequeno?
Ja neste tempo o lucido planeta, Que as horas vai do dia distinguindo, Chegava á desejada e lenta meta,
A luz celeste ás gentes encobrindo; E da casa maritima secreta
Lhe estava o deos Nocturno a porta abrindo, Quando as infidas gentes se chegarão Ás naos, que pouco havia que ancorárão.
D'entre elles hum, que traz encommendado O mortifero engano, assi dizia:
Capitão valeroso, que cortado
Tees de Neptuno o reino e salsa via; O rei que manda esta ilha, alvoroçado Da vinda tua, têe tanta alegria, Que não deseja mais que agasalhar-te, Ver-te, e do necessario reformar-te.
« VorigeDoorgaan » |