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CVIII.

Em práticas o Mouro differentes
Se deleitava, perguntando agora

Pelas guerras famosas e excellentes,

Co'o povo havidas, que a Mafoma adora:
Agora lhe pergunta pelas gentes

De toda a Hesperia última, onde mora;
Agora pelos povos seus vizinhos;

Agora pelos humidos caminhos.

CIX.

Mas antes, valeroso Capitão,
Nos conta (lhe dizia) diligente,

Da terra tua o clima, e região

Do mundo onde morais, distinctamente;
E assi de vossa antigua geração,

E o princípio do reino tão potente,
Co'os successos das guerras do começo;
Que sem sabê-las, sei que são de preço.

CX.

E assi tambem nos conta dos rodeios
Longos, em que te traz o mar irado;
Vendo os costumes barbaros, alheios,
Que a nossa Africa ruda tee criado.
Conta; que agora vem co'os aureos freios
Os cavallos, que o carro marchetado
Do novo sol, da fria Aurora trazem:

O vento dorme, o mar e as ondas jazem.

CXI.

E não menos co'o tempo se parece

O desejo de ouvir-te o que contares;

Que quem ha, que por fama não conhece As obras Portuguezas singulares?

Não tanto desviado resplandece

De nós o claro sol, para julgares

Que os Melindanos tee tão rudo peito, Que não estimem muito hum grande feito.

CXII.

Commettêrão soberbos os Gigantes

Com guerra vãa o Olympo claro e puro;
Tentou Pirithoo e Théseo, de ignorantes,
O reino de Plutão horrendo e escuro.
Se houve feitos no mundo tão possantes,
Não menos he trabalho illustre e duro,
Quanto foi commetter inferno e ceo,
Que outrem commetta a furia de Nereo.

CXIII.

Queimou o sagrado templo de Diana,
Do subtil Ctesiphonio fabricado,
Herostrato por ser da gente humana
Conhecido no mundo e nomeado.

Se tambem com taes obras nos engana
O desejo de hum nome avantajado,
Mais razão he que queira eterna gloria
Quem faz obras tão dignas de memoria.

OS LUSIADAS.

CANTO TERCEIRO.

I.

Agora tu, Calliope, me ensina

O que contou ao Rei o illustre Gama;
Inspira immortal canto e voz divina
Neste peito mortal, que tanto te ama.
Assi o claro inventor da medicina,
De quem Orpheo pariste, ó linda dama,
Nunca por Daphne, Clycie, ou Leucothoe,
Te negue o amor devido, como soe.

II.

Põe tu, Nympha, em effeito meu desejo,
Como merece a gente Lusitana;
Que veja e saiba o mundo que do Tejo
O licor de Aganippe corre e mana.
Deixa as flores de Pindo, que ja vejo
Banhar-me Apollo n'agua soberana;
Senão direi que têes algum receio
Que se escureça o teu querido Orpheio.

III.

Promptos estavão todos escuitando

O que o sublime Gama contaria,

Quando, despois de hum pouco estar cuidando,
Alevantando o rosto, assi dizia:

Mandas-me, ó Rei, que conte declarando
De minha gente a grão genealogia;

Não me mandas contar estranha historia,
Mas mandas-me louvar dos meus a gloria.

IV.

Que outrem possa louvar esforço alheio,
Cousa he que se costuma e se deseja;
Mas louvar os meus proprios, arreceio
Que louvor tão suspeito mal me esteja;
E para dizer tudo, temo e creio
Que qualquer longo tempo curto seja:
Mas pois o mandas, tudo se te deve,
Irei contra o que devo, e serei breve.

V.

Alem disso, o que a tudo em fim me obriga, He não poder mentir no que disser,

Porque de feitos taes, por mais que diga,

Mais me ha de ficar inda por dizer.

Mas porque nisto a ordem leve e siga
Segundo o que desejas de saber,
Primeiro tratarei da larga terra,

Despois direi da sanguinosa guerra.

VI.

Entre a zona que o Cancro senhoreia,
Meta Septentrional do sol luzente,
E aquella, que por fria se arreceia
Tanto, como a do meio por ardente,
Jaz a soberba Europa; a quem rodeia,
Pela parte do Arcturo e do Occidente,
Com suas salsas ondas o Oceano,
E pela Austral, o mar Mediterrano.

VII.

Da parte donde o dia vem nascendo,
Com Asia se avisinha: mas o rio
Que dos montes Rhipheios vai correndo,
Na alagoa Meotis, curvo e frio,

As divide, e o mar, que fero e horrendo
Vio dos Gregos o irado senhorio;
Onde agora de Troia triumphante

Não vê mais que a memoria o navegante.

VIII.

La onde mais debaixo está do pólo,
Os montes Hyperboreos apparecem ;
E aquelles onde sempre sopra Eolo,
E co'o nome dos sopros se ennobrecem.
Aqui tão pouca força tem de Apollo
Os raios que no mundo resplandecem,
Que a neve está contino pelos montes,
Gelado o mar, geladas sempre as fontes.

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