Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

Pejadas de successos,

Que as entranhas dos Fados

Sem ordem, sem conselho descompunhão,
Ao capricho dos ventos revoando.

Tu a Pindaro, a Alceo, ao Venusino
Subiste em tuas azas enflammadas
Ao concelho das Musas,
Onde avidos gostárão

O almo licor da reservada veia,

Que em divino transmuda o canto humano.

Franqueaste-lhe alli pródigas chaves
Dos thesouros que encerra a Natureza;
E o fusco véo rasgando

Que lhes cobria a mente,

O trilho que conduz da Terra ao Olympo, Ao colloquio dos Numes, lhe apontaste.

Assim Camões, por Ti enfurecido,
Ao cume do Parnaso se avizinha;
E os Delphicos loureiros,

Quando elle sobe, acurvão

Ao novo Homero os orgulhosos topes;
E arredão larga estrada ao Vate egregio.

Calliope a mão lhe dá; e ás doutas grutas (Do rapido talento asylo) o guia,

Onde a sublime trama

-Da Iliada sonora,

Palpando as chordas da epica harmonia,
Cantára Apollo, e transcrevêra Homero.

Alli subio Camões; alli a Musa

A boca e vozes do immortal alumno

Banhou de poesia;

E co'as irmãas que invoca,

Co'as tres Graças, que tudo afformozeão,
Enchem do Vate o peito, dadivosas.

Eis chega ao sabio côro o Ausonio Cysne
Comedido, e das faces ressumbrando
Assomos de Celeste:

E tanto se affeiçôa

Do valido das Musas Tagitanas,

Que por alumno e confidente o acceita.

Das reconditas minas da Memoria,
A seu pedido, as ricas veias abre,
Que Camões enthesoura:

Tambem lhe rega o engenho

Co'o epico arcano, em limpidas correntes,
Que manárão nos novos Argonautas.

Entôa o forte Gama, avassallando
Os mares não-trilhados de outros lenhos,
Impavido affrontando

O conflicto das ondas,

Que o Thyoneo contra elle accapellava,
Ajudado do improvido Neptuno.

Sobrevem Sapho, e canta de Ignez linda
A ternura fiel, tragico termo
De viçosos amores.

Ambição crua e cega,

Cubiça de mal-firme valimento,

Tu lhe enterras no peito o frio ferro!

Homero inchando á tuba o bronzeo ventre

Mais alto resoava, e tinha em fogo

A vista rutilante

Quando lançava as vozes

Do Adamastor membrudo, e arduas vinganças Do quebrado segredo de seus mares.

Como sentiste do animo o alvorôto,

Absorto Vate, quando o íntimo seio
Os sons te revolvião

Daquella voz valente,

Tonante voz, encerro de prodigios,
Voz, de que assim se uffana a Natureza!

Como ja n'alta mente as côres punha
Nos quadros dos Lusiadas illustres!
Aqui se ateia a briga

Dos doze de Inglaterra:

Além, da água que sorve, engrossa a nuvem,
E o pé que tem no mar, a si recolhe.

Quanto se ergue entre estupidos humanos
Quem ao nascer sortio um peito altivo
Capaz de inclyta empresa!

Mais que homem he um Nume.
Os parabens te dou, oh Lusa patria:
Tambem os tomo, de dever-te o berço.

Oh prole de Japéto, a tudo ousada,
De ser do barro vosso me gratulo,
Quando contemplo a chamma
Que em vós prendeo celeste,
Luzir no engenho, disferir no esforço
Brasão e assombro das futuras eras!

Logo Tyrteo, para as feroces guerras
O prendou co'o clarim agudo e forte,
Que a côr ao gesto muda;

E nelle os tons lhe ensaia,
Com que reconte as asperas batalhas
De Nuno fero, e do pugnaz Pacheco.

Eis no carro, que as alvas pombas tirão,
Lhe entrega agradecida a meiga Venus

(Do mimoso regaço)

Quadros de Idalia e Chypre,

As fontes e arvoredos namorados,
Com que elle adorne a ilha dos Amores.

Os olhos para a esphera erguei celeste:
Como raia vermelha no oriente!

Do centro escapa um lume

Que de ouro reluzente

Vai as nuvens cobrindo... Um Deos radioso
Com placido semblante á terra desce.

Pelo cinto do lucido horizonte
Melodias dolcisonas se espalhão;
Alados Hymnos vôão
Flammigeros em torno

Da verde-laurea fronte; as alvas azas
Dos Zephyros na lyra ferem vozes.

Mas ja o providente Apollo abrindo
O fatidico seio do futuro,

Movido do ardimento

Do generoso Vate,

Põe nelle os olhos, de esplendor trajados,
E estas aladas vozes lhe dirige:

"Feliz mancebo, que a veréda pizas

"Dos dous Cysnes que além de todos prezo,

"Não desmaies, ao veres

"Os sustos, os despenhos

"Que ameação na senda alcantilada

"O laurifero Pindo, temeroso.

"Com meu raio facundo, e nunca – incerto

Quero teu guia ser na epica lida:

"E serás celebrado

"Na esteira perigosa

"Que, intrepido em rasgá-la aos teus, a estranhos, "De não murchandas flores esmaltares.

"Mas estro adquire gloria, e não thesouros. "Morrerás pobre, tendo submettido

"Mais riscos, mais trabalhos

"Que o Gama, a quem dás nome.

"Aos vates que só põe na fama o fito
"Serás pharol de náufrago penedo.

"O mesmo Fado desastroso empunha
"Irado raio, em damno dos que venhão
"Por estas broncas fragas;

"E absortos na harmonia

"Dos sonorosos teus ousados versos, “Te imitarão na lyra e na desgraça.

"Coridon, Coridon, que improba estrella "Te dá nome immortal, fonte de invejas? "Pelos sallões das honras

"Te arremessa ás masmorras,

"Onde os annos consumes, que deverão
"Ser de ampla gloria e louros assombrados.

"Lá vai, de atroz calumnia perseguido,
"Correr mares, trilhar estranhas terras
"O candido Filinto,

"Que tanto tinha a peito

"O seu Camões grandiloquo, a quem lia
"Com gôsto, com respeito ás Musas grato.

"Lá, comtigo abraçado em seu destêrro,
"Em ti bebe a corrente nobre e pura,
"Com que os seus versos banha.
"Ainda, ausente, brada

"Ás novas aguias da soberba Elysia,

"Que o teu canto e dicção tomem por norte.

« VorigeDoorgaan »