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HISTORIA

DE CAMÕES

PARTE II

ESCHOLA CAMONIANA

O espirito platonico-mystico, que inspirava os poetas da Renascença e a elegancia dos humanistas, só pôde penetrar em Portugal no seculo XVI; durou pouco tempo o seu resplendor vivo, porque desde que os jesuitas se apoderaram do ensino publico, restabeleceram immediatamente a doutrina de Aristoteles. Póde-se attribuir a falta de uma profunda poesia lyrica, desde elrei Dom Diniz até Bernardim Ribeiro, á exclusiva influencia da philosophia aristotelica averroista, que dominou em Portugal durante toda a edade media. A eschola averroista era conhecida entre nós na sua ultima exageração, como vemos pela existencia accusada por

Alvar Pelagio do Livro dos Tres Impostores; el-rei Dom Duarte possuia os principaes livros d'esta eschola, e já Dom João I lia aos seus cavalleiros o livro de Gil de Roma, corypheo dos averroistas. Diante da Renascença da Italia, e principalmente por via das obras de arte e da imitação dos poetas, o platonismo veiu encontrar em Portugal esse caracter apaixonado e mystico que o absorveu com ardor; depois de Bernardim Ribeiro e Christovam Falcão, foi Camões o que mais se compenetrou d'esse idealismo vago da contemplação philosophica e do devaneio sentimental. Foi por isso que a erudição do seculo XVI não pôde atrophiar em Camões a naturalidade do seu lyrismo. Mas todos os outros poetas que foram seus contemporaneos ou lhe succederam, perderam esse segredo da expressão apaixonada, da melancholia profunda, do ideal no amor, do pantheismo, e ficaram prosaicos, pautados, cantando as impressões de uma estreita personalidade e os pequenos interesses burguezes. A razão está em uma reacção da educação publica; o nosso intolerante catholicismo, com uma despotica orthodoxia não admittia a liberdade de sentimento das theorias platonicas, e os jesuitas, escudados com o Concilio de Latrão, fizeram succeder em Portugal á philosophia aristotelica dos averroistas, o aristotelismo dos alexandristas. Esta eschola governou, algemou em Portugal a intelligencia portugueza, attingiu o seu maximo explendor nos Commentarios do Collegio das Artes em Coimbra, consummiu em distincções escrupulosas entre a fé e a philosophia toda a nossa activi

dade intellectual. (1) Como representante do espirito vivo da Renascença em Portugal, Camões soffreu além dos desastres da sua vida, a decepção terrivel de vêr banido pelos jesuitas o elemento ideal, que devia fecundar a arte e a Poesia,-o platonismo.

(1) Na Bibliotheca da Universidade de Coimbra existem centenares de volumes d'estes Commentarios ineditos, á espera de um trabalhador corajoso que se sacrifique a dispender a vida na Historia da Philosophia Conimbricense.

LIVRO I

OS POETAS LYRICOS

CAPITULO I

Camões e o platonismo erotico-mystico no seculo XVI

A Italia e a poesia erotico-mystica. — Influencia em Portugal, pelos Sonetos de Petrarcha. —A corrente sentimental da Europa: Miguel Angelo e Vittoria Colona. — Shakespeare.-S. João da Cruz e Garcilasso.—Do ideal da mulher em Portugal: convencionalismo de inferioridade nos Cancioneiros provençaes. — Desenvoltura do Cancioneiro de Resende. — Platonismo da Renascença: Fieis do Amor em Portugal: Sá de Miranda, Bernardim Ribeiro, Christovão Falcão, Jorge de MonteMór, Infante D. Luiz. —Segundo grupo dos Fieis do Amor: Camões, D. Antonio de Noronha, João Lopes Leitão, Estacio de Faria, D. Manoel de Portugal, Fernão d'Alvares do Oriente, Bernardes.-Caracteres da poesia lyrica de Camões : tradições provençaes na abnegação da individualidade diante do amor; pantheísmo no soffrimento, em que a natureza é chamada á communhão da desgraça; sentimento da perfeição na fórma levando ao extasis do amor divino; desalento e necessidade de alimentar o senso da realidade; o amor servindo para a inspiração da obra de arte. - Fim do platonismo em Portugal, pelo predominio do aristotelismo alexandrista dos jesuitas. Consequencias sobre a poesia portugueza. Influencia de Camões sobre o lyrismo hespanhol : suas relações com o divino Herrera.

A influencia de Camões sobre a poesia lyrica do seu seculo determina-se por um modo quasi material, observando a versificação maviosa, o uso das palavras com propriedade expressiva e pittoresca, a novidade das rimas, e sobretudo pela liberdade de innovação de

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