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Assim como são traidores

corpo e os

engano, assim

de premio,

tezias, senão de desenganos. Annunciava-lhe a morte em que são eguaes todos os homens; e por isso lhe fallou como a qualquer outro homem e não como a rei. Assim como não usou de prologos ou prefações nem de rodeios ou metaphoras para a clareza, assim cortou pelas cortezias da majestade; por não perder aquelle pouco tempo aonde são tão importantes os instantes. Não esperou a que a debilidade da natureza o avisasse do seu perigo; mas elle lh'o declarou em quanto os sentidos e as potencias do corpo e alma estavam inteiras e em seu vigor para orar, como orou, para chorar, como chorou, e para recorrer a Deus, como recorreu; e então o advertiu que dispozesse de sua casa, quando o podia fazer com o juizo, quietação e socego, que não permittem os accidentes nos desmaios e perturbações da morte; e pois perdia a vida que acaba com o tempo, seguia-se a que não ha-de acabar por toda a eternidade.

Aonde não houver este valor, esta liberdade e esta verdade os medicos do de Isaias, é certo que faltarão à sua obrigação (como muitas da alma, que vezes teen faltado) não só os medicos do corpo, senão tambem não dão o des- os da alma, tão enganados nos respeitos humanos, ou deshumaos que o dão nos de que se deixam cegar, que elles são os maiores traidores merecem gran- dos reis e dos reinos: sendo pelo contrario dignos das maiores mercês e dos mais avantajados premios os que com verdadeiro zelo e amor, não só os desenganam livremente do perigo da vida, senão da certeza da morte. Aqui entra agora o exemplo da heroica acção que eu prometti, muito maior que o meu pensamento, sobre o medico de S. Francisco de Borja. Estando elrei Balthasar, na ultima ceia de sua vida, brindando aos seus idolos nos mesmos vasos sagrados de que seu pae Nabuchodonosor tinha despojado o templo de Jerusalem, appareceram tres dedos de uma mão invisivel que escreviam na parede umas lettras não conhecidas. Chamado Daniel para a interpretação d'ellas, disse ao rei, que nas primeiras se continha o numero dos seus dias, nas segundas o peso das suas obras, nas terceiras e ultimas o fim da sua vida e do seu reino. que seria n'aquella mesma noite. Oh terrivel e tremenda sentença ! E que faria Balthasar ouvindo-a? Immediatamente o conta o Texto; e foi uma resolução, se pode ser, ainda mais admiravel que a do propheta. No mesmo poncto, sem fallar outra palavra, o que fez Balthasar, foi mandar que Daniel fosse logo vestido de purpura, com o collar de ouro, que era a outra insignia real, e que na presença dos convidados, que eram mi, os maiores de toda a monarchia, fosse apregoado no poder e mando pela terceira pessoa do seu reino, sendo a primeira o mesmo rei, a segunda a rainha e a terceira Daniel, E haverá quem podesse

Daniel premia

do por Baltha

sar e por Dario.

imaginar tal resolução no maior caso, por todas as suas circumstancias, que pode succeder no mundo? De maneira que, porque Daniel notificou a um rei a morte e a privação do reino, que era a monarchia dos assyrios e chaldeos, a maior que nunca houve, o mesmo rei avaliou com tal extremo este desengano, que o não pagou nem premiou menos que com egualar ao mesmo Daniel no poder e na dignidade a si, excepta sómente a corôa. Mas não parou aqui o caso, nem a causa da admiração: ainda vae por deante. N'aquella mesma noite, tomada por força de armas Babylonia, foi morto Balthasar, rei chaldeo; e lhe succedeu no reino Dario Medo: com que parece que a purpura, o collar, o poder e a dignidade de Daniel tambem expirou, ou havia de expirar com o rei que lh'a tinha dado. Mas não foi assim; porque Dario, posto que como inimigo e vencedor de Balthasar nenhuma obrigação tinha de confirmar o que elle tinba mandado; tendo, porém, noticia do que Daniel havia dicto e feito, não só o conservou nas preeminencias da mesma dignidade, mas accrescentou a ellas o amor, o respeito e a estimação que lhe devia o defuncto: para que intendam os reis quão animados e confiados devem ter os ministros de sua saude e vida, para que nos perigos d'ella os desenganem com toda a liberdade, e qual ha de ser a verdade e inteireza com que os mesmos ministros os devem desenganar sem temor de perderem a sua graça nem a de seus successores.

mesmos assim como curam os outros não se

curar a si.

Luc. IV.

VIII. D'aqui não ha que passar para que acabem bem os in- Quanto a si fermos. E para que acabem bem os medicos falta alguma cousa? Como andam sempre com a morte entre as mãos póde acontecer que lhe tenham perdido o medo. Mas para que seja esqueçam de se com confiança da vida que ha de durar para sempre, lembremse d'aquelle proverbio: Medice, cura te ipsum; assim como curam os outros, não se esqueçam de se curar a si. Este é o maior exemplo que devem admirar e imitar em S. Lucas. S. Lucas, como evangelista de Christo, como companheiro perpetuo de S. Paulo, como aquelle varão apostolico que peregrinou com elle tantas partes do mundo, por mar e por terra, exercitando sempre as obras de misericordia; as corporaes, curando os corpos; as espirituaes, convertendo e salvando as almas, podia confiadamente ter por segura a salvação propria. E comtudo, como se fôra um grande peccador, que fazia? A mesma Egreja o diz: Qui crucis mortificationem jugiter in suo corpore pro tui nominis honore portavit. Sendo o seu corpo tão sancto e tão puro que perpetuamente foi virgem, esse mesmo corpo mortificava e martyrizava perpetuamente e sem cessar, jugiter; e não com menor mortificação que a da cruz, Crucis mortificationem: a qual não para

VOLUME V

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Joan. XIX

satisfazer por seus peccados, senão por honra do nome de Christo, pro tui nominis honore, sempre levava sobre o mesmo corpo ás costas, in suo corpore portavit. Quando Christo Redemptor nosso saiu com a cruz ás costas, diz o Texto Sagrado que levava a cruz para si: Bajulans sibi crucem. Pois se Christo não tinha necessidade d'ella, porque a levava para si? Porque era proto-medico do mundo; e quiz ensinar a todos o que deviam fazer. Christo levava a cruz para si; S. Lucas « levava tambem ás costas a sua cruz atraz de Christo. Grande exemplo, para que nenhum medico seja tão descuidado que curando aos outros se não cure a si: Medice, cura te ipsum.

(Ed. ant. tom. 11. pag. 206, ed. mod. tom. 10.o pag. 119.)

I. SERMÃO DE SANCTO ANTONIO **

PREGADO NA DOMINGA INFRA OCTAVAM DO MESMO SANCTO
EM O MARANHÃO. ANNO DE 1657

OBSERVAÇÃO DO COMPILADOR.- O sermão é muito practico
e de estylo familiar como sermão de missionario

Quae mulier habens drachmas decem
et si perdiderit drachmam unam, non-
ne accendit lucernam et everrit do-
mum et quaerit diligenter donec in-
veniat?
S. Luc. c 15.

Neque accendunt lucernam et ponunt eam sub modio, sed super candelabrum, ut luceat omnibus qui in domo sunt.

S. Matth. c. 5.

Quando a Egreja nos propõi dous evangelhos, mais é obrigação que demasia tomar dous themas. O primeiro é da dominga, o segundo da festa; e ambos tão proprios do Sancto que celebramos que um parece o texto, outro o commento.

No primeiro evangelho diz Christo Senhor nosso assim: Se uma mulher tem dez drachmas (drachmas eram umas moedas de prata de pouco pezo, que corriam n'aquelle tempo entre os hebreus), se uma mulher, diz o Senhor, tem dez moedas d'estas e perdeu uma, que é o que faz? (Notae, os que notais os prégadores, a lhaneza das comparações d'aquelle Prégador divino): Accende, diz, uma candeia, varre a casa, busca a sua drachma com toda a diligencia; e se acaso a achou, sai á rua com grande alvoroço, chama as amigas e as vizinhas, diz-lhes que se alegrem com ella e lhe deem o parabem da sua boa ventura; porque achou a drachma que tinha perdido. Vedes esta festa? Vedes esta alegria? Pois o mesmo passa no ceu, diz o Senhor. Fazem-se lå grandes festas, alegram-se os anjos e dão se os parabens os bemaventurados, todas as vezes que um peccador perdido se acha e se converte pela penitencia.

Dous themas

concordes em

nos dizerem luz com que

que S. Antonio

se acham as almas perdidas.

Argumento de todo o discurso:

rador de almas perdidas.

Esta é a substancia da parabola de Christo, a qual se resume toda em trez cousas particulares: a mulher, a moeda, a candeia; a mulher que perdeu, achou e festejou a moeda; a mesma moeda primeiro perdida e depois achada; e a candeia que se accendeu para se buscar e achar. D'estas tres cousas explicou o Senhor as duas e deixou a terceira sem explicação. A mulher diz que é a Egreja, a qual em quanto militante na terra perde e acha os peccadores; e em quanto triumphante no ceu, celebra e festeja suas conversões. A drachma perdida e achada são as almas dos mesmos peccadores que se perdem pelo peccado e se acham e recuperam pela penitencia. A candeia que se accendeu para buscar a drachma não declarou o Senhor no primeiro evangelho qual fosse, mas dil-o no segundo exhortando os seus discipulos a serem luz não escondida, senão posta sobre o candieiro para alumiar a casa. Taes foram os apostolos e todos os outros discipulos do divino mestre, assim o foram e o são os seus successores.

Assim a Egreja achou e acha pelo seu ministerio as drachmas que vae perdendo. Vêde-o hoje em Sancto Antonio, que é por esse titulo muito mais que por outros o sancto que depara as cousas perdidas. De sorte que um evangelho em parabola e o outro na significação d'ella nos dizem e pregam hoje concordemente que «luz para se acharem as drachmas ou almas perdidas é o nosso glorioso Sancto Antonio mais glorioso por esta prerogativa que por todas quantas d'elle se podem e costumam prégar.

Supposta esta propriedade e concordia de um e outro texto, Antonio depa- nem eu posso tomar outro assumpto mais evangelico, nem vós desejar outro mais util, nem o mesmo sancto querer de mim e de vós outro que mais lhe agrade. Será pois o argumento de todo o nosso discurso: Antonio deparador de almas perdidas. E para que as nossas se aproveitem d'esta luz, que a todas mais ou menos é necessaria, peçamos ao mesmo sancto, como tão devoto servo e tão favorecido da Mãe da graça, interceda por nós, para que a alcancemos. Ave Maria.

Maior é o gosto de recuperar

o perdido que antes de se

perder.

Prova-se com exemplos da

multier das

drachmas, dos magos do

Oriente e do

pae do Prodig

II. Não ha duvida que todas as cousas são mais estimadas e de maior gosto quando se recuperam depois de perdidas, que quando se possuem sem se perderem. Diz o nosso texto que a mulher que perdeu a drachma tinha dez: Mulier habens drachmas decem.

Pois se tinha dez drachmas e não pedia que lhe dessem o parabem de as ter ou de as adquirir, como agora quando achou uma só, convoca as amigas e as visinhas, e as convida para que a ajudem a festejar a sua ventura e faz tantos extremos da ale

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