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elle, obravam as mesmas maravilhas que o mesmo Xavier costumava. Depois que teve muitos companheiros da mesma profissão, tambem caminhava com os seus pés indo aonde não podia ir, e assistindo onde não podia estar. Na costa da Pescaria, quando tinha um só companheiro, vendo que os povos eram trinta, e que não podendo assistir mais que em dous, ficavam vinte e oito sem assistencia, inventou a residencia dos que na lingua malabar se chamam Canacapoles, que vale o mesmo que procuradores da egreja, os quaes sendo de boa vida, e bem instruidos nos mysterios da fé, os ensinavam todos os dias, baptizavam em caso de necessidade, ajudavam a bem morrer, e suppriam quanto sem o caracter do sacerdocio póde fazer um christão. E para que estes officios tão importantes se perpetuassem, se valeu Xavier (quem tal imaginára!) dos reaes pés da mesma rainha de Portugal. Para os chapins da mesma rai- Os chapins da nha, como diz a phrase da côrte portugueza, se pagavam dos tributos daquella costa quatro mil fanões, que montam da nossa moeda quatrocentos cruzados, e estes alcançou o sancto para salario dos Canacapoles, concluindo na carta com que os pediu: E as almas que por este meio se salvam, são, senhora, os chapins, com que vossa alteza entrará seguramente no ceu.

E

rainha.

para mais prégar

se soccorre

linguas. Os acenos,

a penna, as cartilhas

da doutrina

que trasladou em muitos idiomas, as

rava.

«Além de todos estes pés, de que os de Xavier se valeram, tambem «a sua lingua se ajudou de outras muitas com admiraveis effeitos.» As outras linguas, para que não tinham uso todas Xav. de outras as «que elle fallava» sendo tantas, foram primeiramente os acenos, pelos quaes se intendeu e deu a intender aos barbaros de Socotorá, com tanta satisfação, que assim catechizou muitos d'elles. Outra lingua tanto mais eloquente, quanto mais copiosa, foi a sua penna: Lingua mea calamus scribae. Não só por que todas as cruzes que arvonações a que Xavier prégou a fé, como se não fallára, mas escrevera, lhes ficou tão impressa, que nunca a deixaram ; nem porque escreveu cento e quinze epistolas admiraveis, que andam impressas pelo mundo, e durarão até ao fim d'elle; senão porque copiados por sua mão e vertidos em todas as linguas os mysterios e artigos da fé catholica, nos navios os fixava ao pé do mastro grande, e nas cidades nos logares mais publicos, sendo naquella breve escriptura tantas as Biblias e versões que ensinavam a fé e nome do verdadeiro Deus, quantas as folhas desencadernadas, que no mar e. na terra se liam. Nem se devem passar em silencio os trophéus de nossa redempção, que nos escolhos das praias e no mais alto dos montes arvorava, com tantos pregões do Crucificado, quantas eram as cruzes, servindo-lhe tambem de lingua até os paus e as pedras. Mas o que mais me edifica e faz devoção é, que tendo o sancto

O estudo das linguas e a lingua da caridade.

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aquelle dom, ou dons de linguas tão sublimes; comtudo. as apprendia e estudava palavra por palavra, para que a seu exemplo o fizessem muitos outros, por cujas linguas tambem fallasse. Finalmente a lingua mais universal com que a de Xavier mudamente se desafogava, era a que, encobrindo as demais e escrevendo das ilhas do Moro aos outros religiosos da companhia, declarou com esta clausula: Aqui estou baptizando somente os innocentes, que morrem, e não catechizando os adultos, porque lhes não sei a lingua; procuro comtudo fazer-lhe as obras de caridade que posso, que é lingua que todos intendem. IX. Esta é a relação (mais larga do que eu quizera, e mais breve do que devêra ser) do muito que obraram os pés e lingua de S. Francisco Xavier: elles, indo por todo o mundo: Euntes in mundum universum; e ella, prégando a todas as creaturas: Praedicate evangelium omni creaturae. E porque entre tantas e tão gloriosas acções não deixou de haver uma omissão, seja ella o, remate de tudo.

Partindo de Roma em companhia do embaixador de Portugal, que por ordem d'el-rei pedira ao summo pontifice e a sancto Ignacio alguns missionarios do seu instituto, assim edificou e admirou no caminho a elle, e a todos os da sua familia, não só com exemplo das virtudes. mas com milagres e prophecias, que então lhe começaram a dar o nome de padre sancto (canonização fóra de Roma, que ella não pode dar em vida). Levava o embaixador a estrada por juncto a Pamplona em Navarra, onde ainda vivia já viuva D. Maria Azpilcueta e Xavier, sua mãe e pedindo-lhe com grandes instancias a quizesse visitar, e despedir-se com sua benção, pois se não haviam de ver mais nesta vida, de nenhum modo o pôde alcançar. E esta foi a omissão dos pés e da lingua; dos pés em não querer ir, e da lingua em não querer fallar a sua mãe. Eu por parte desta piedosa demanda tambem allegára a Xavier o exemplo do mesmo Christo, o qual tendo-se mostrado sempre tão alheio do affecto de carne e sangue ainda com sua mesma mãe, comtudo no ultimo apartamento se despediu d'ella com tão singular demonstração de amor de filho. Porém Xavier intendendo com altissima reverencia que o que é devido à Mãe de Deus, para nenhuma outra mãe faz exemplo, julgou que nesta parte não devia seguir o de Christo. E o mesmo Christo fez tanto caso e estimação deste mais que natural desapego, que intendo eu (deixae-me assim dizer), o quiz gratificar e pagar, dizendo assim comsigo: Xavier caminhando a me servir andou tão fino, que se não quiz despedir de sua mãe, como eu me despedi da minha? Pois a fineza que eu não fiz por minha mãe, hei de fazer por elle.

ouvi a

Foi uma fineza que Christo

the retribuiu

com outra, quando perder

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crucifixo no

mar.

Para que tenhais mão na censura do pensamento, prova. Perdeu a Virgem Santissima a seu bemdictissimo Filho na viagem ou romaria de Jerusalem; buscou-o com grande dôr tres dias, até que o achou no templo; e a razão que o Senhor deu de ficar, e o acharem alli, foi estar em serviço de seu Pae: Nesciebatis quia in his, quae Palris mei sunt, oportet me esse? De maneira (e é o que pondero) que perdendo a Virgem Maria a Christo, a Mãe buscou o filho, e não o Filho a Mãe. Passemos agora do templo ao mar, e de Jerusalem á India. Navegando Xavier aquelles mares, foi tão terrivel a tempestade, que todos se davam já por perdidos; e valendo-se o sancto de um Christo de metal que trazia sobre o peito, lançou aquella ancora ao mar, presa por uma amarra tão delgada, como pedia o peso da ancora. Obedeceram os ventos e os mares ao imperio do que já os tinha reprehendido no Tiberiades: e depois que cessou a tempestade, indo Xavier a recolher a sua ancora, achou que quebrada a amarra, ella se tinha ido ao fundo. Oh que perda e tormento! Que faria o amoroso servo sem o Senhor do seu peito, e do seu coração? Tomou porto o navio, não sabemos depois de quantos dias, e caminhando Xavier pela praia com a dor que merecia a sua perda, eis que ve sair do mar um caranguejo, o qual com o crucifixo preso e levantado nas tenazes o metteu nas mãos do sancto. Deixo os extremos de devoção e amor com que prostrado de joelhos, e abraçado com o seu Senhor, se deteve extatico e fóra de si Xavier por espaço de meia hora, como testimunhou quem o acompanhava; porque me chama o meu poncto. De sorte que a Virgem Maria perdeu a Christo, e Xavier perdeu a Christo; mas Christo quando o perde sua Mãe, não busca a sua Mãe, e quando o perde Xavier, busca a Xavier. E fez cesta maravilha ou esta fineza um Crucifixo, isto é, Christo crucificado; porque era em premio, parte do desapego, e parte da reverencia com que Xavier passando perto da casa paterna» não quiz imitar o exemplo com que Christo crucificado se despediu tão amorosamente de sua Mãe. Oh Deus nunca mais admiravel, nem mais amante! Oh homem o mais mimoso, o mais favorecido e o mais honrado de Deus! X. Chegado o nosso discurso a este poncto» e não podendo Dons docupassar adeante, acabe para memoria dos ouvintes com dous um aos reis, brevissimos documentos. Nota a historia, que reparando algum que teem vocacritico nos muitos caminhos e viagens que Xavier fazia a tão ção apostolica. differentes e remotas partes, dissera: Que se eile caminhára menos, tivera convertido mais. Ao que respondeu com profundissima prudencia o sancto, como prelado dos seus companheiros: que ia primeiro vêr e conhecer aquellas terras, para sa

mentos:

outro aos

ber aonde mandava, e a quem. Oh reis e principes do mundo, que mandais a tantas partes e tão remotas, d'elle, os vossos ministros, como podeis não errar as eleições das pessoas e dos logares, se não sabeis a quem mandais, nem aonde! E que direi dos que por profissão e instituto, ou por outras, obrigações que ainda podem ser maiores, depois de terem ouvido da bocca de Christo a quem teem por Deus: Euntes in mundum universum praedicale evangelium omni creaturae, por não deixar a patria, nem as côrtes, e por não ter valor como Jonas, para trocar os applausos vãos de Jerusalem pela prégação tão importante de Ninive, nem as pègádas dos pés de Xavier the excitem os passos, nem os echos das suas vozes o silencio da lingua; mas, como estatuas mudas, immoveis, e sem alma, nem se dôam ao longe de ver perder tantas, nem ao perto, e dentro em si, temam a condemnação da sua? «Oh exemplos de Xavier! Oh zelo das almas amortecido! Oh almas desamparadas e para sempre perdidas!»

(Ed. ant. tom. 8.o pag. 426, ed. mod. tom. 13. pag. 349).

NOVENA PREPARATORIA PARA A FESTA
DA CANONIZAÇÃO DE S. FRANCISCO XAVIER

SERMÃO PRIMEIRO *

XAVIER FIGURADO NO ANJO DO APOCALYPSE

Posuit pedem suum dextrum super mare, sinistrum autem super terram.

APOC. X.

I. São estas palavras do evangelista S. João; mas não como evangelista, senão como propheta. Como evangelista, escreveu só a historia da vida de Christo; como propheta, historiou todos os successos futuros da Egreja mais notaveis, e tal é o presente sobre ser de nossos tempos. Já suppuz e depois provarei a pessoa de que falla, a qual descreve ou pinta enigmaticamente «dizendo que viu descer do céu um anjo, o qual tinha os pés de fogo; que estes pés serviam de bases a duas grandes columnas, sobre que se movia o resto do corpo coberto ou vestido de uma nuvem; que d'esta nuvem se levantava ou amanhecia um sol, coroado com a iris, ou arco celeste; que puzera o pé direito sobre o mar, e o esquerdo sobre a terra: e finalmente, que o que sustentava todo este colosso, era alvorado na mão um livrinho aberto.

Descripção do anjo.

No principio d'esta descripção disse o propheta: Et vidi, e vi; A visão do poço do abysmo. porque antes d'aquella vista ou visão tinha precedido outra, sem a qual se não póde ella intender; e foi d'esta maneira. Vi, diz, que caía do ceu uma estrella, a qual tinha as chaves do poço dos abysmos, que é o inferno, para o poder abrir: que d'aquelle poço aberto sairam grandes nuvens de fumo espesso e negro, que escureciam o sol: e que de entre o mesmo fumo nasciam innumeraveis enxames ou exercitos de gafanhotos de monstruo

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