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O mais admira

vel é que

chegasse a ser confiança dos

tão firme a

homens em Xavier.

Nem á vista

dos perigos vacillava,

como vacillou a de S. Pedro

bre as aguas.

a palavra e promessa d'aquelle grande homem de Deus; ainda que estas ondas cresceram e subissem até ás estrellas, e o meu champão fora de vidro, tão seguro iria, e cantando no meio d'ellas, como atégora fiz ao som do vento nas cordas, e do ruido dos mares nos baixios. Com esta resposta se revestiram da mesma fé todos os companheiros, o champão chegou a salvamento a Pegú, e alguns mouros que nelle iam, tanto que pozeram os pés em terra, pediram e receberam a agua do baptismo.

VIII. Segundo vejo, parece-me que todos estais admirados da infallivel certeza das prophecias de Xavier, e dos modos extraordinarios com que se cumpriram. Mas eu nem dos milagres me admiro, nem da certeza das prophecias, que todas sendo de Deus, são egualmente infalliveis; o que me causa singular admiração e espanto, é a segurança tão firme que os homens tinham nas mesmas prophecias e promessas de Xavier; graça que Deus não concedeu aos mesmos prophetas canonicos, e consta da sagrada Escriptura, sendo as suas palavras de fé. Que promessas se lêem na sagrada escriptura mais repetidas, e confirmadas com maiores milagres, que as da terra de promissão, a cuja viagem precederam no principio as dez pragas do Egypto, os exercitos de Pharaó afogados no mar Vermelho, a passagem dos filhos de Israel pelo mesmo mar a pé enxuto, e tantos outros assombros da natureza e prodigios inauditos, vistos com os olhos, palpados com as mãos e pizados com os pés? E comtudo os mesmos que os viam, palpavam e pizavam, criam tão pouco que haviam de chegar à terra de promissão, que em castigo da sua incredulidade, sendo seiscentas mil familias, as matou Deus a todas no deserto. O mesmo succedeu ás prophecias de Isaias, de Jeremias, de Ezechiel, de Oseas, e todos os outros prophetas, ou duvidadas, ou totalmente negadas, e não cridas. E que as prophecias de Xavier viessem finalmente a conseguir tal auctoridade, fé e credito com os homens, que no meio dos mais horrendos e formidaveis perigos não vacillassem n'ellas, antes os desprezassem!

Ponhamos o maior exemplo, e o mais natural dos casos que acabamos de referir. Estando a barca dos apostolos no meio do mar de Tiberiades, foi a elles o Senhor, que estava em terra, caminhando so- caminhando sobre as aguas; o que vendo S. Pedro, disse: Senhor, se vós sois, mandae-me que vá eu tambem por cima da agua até onde estais. E vós, Pedro, pedis que vos mandem o que quereis; muito temo que vos não ha de succeder bem n'esta viagem. Havida com voz de obediencia a licença, desceu confiadamente da barca; mas tendo dado alguns passos com toda

a segurança, subitamente sentiu que ia ao fundo. Bradou ao divino Mestre que o salvasse, e o Senhor, extendendo o braço, teve mão n'elle, dizendo: Modicae fidei, quare dubitasti? Homem de pouca fé, porque duvidaste? De maneira, como pondera S. Chrysostomo, que no principio teve fé nas palavras de Christo, e com ella se lançou ao mar; porém depois duvidou. E porque duvidou depois? O mesmo texto o diz: Videns vero ventum validum, timuit: Vendo que o vento era muito forte, fraqueou na fé e temeu: que tanta força teem e tanto podem os perigos á vista! Porém os nossos pilotos sobre a palavra de Xavier, não presente, senão ausente ou morto, vendo, não um vento forte, senão as mais horrendas tempestades de todo o mundo, vendo subir as ondas em montanhas ás nuvens, vendo sorver o mar uns navios inteiros e desfazer outros em pedaços, vendo-se sós, e cercados de naufragios alheios, não vacillavam um poncto na fé, não duvidavam, não temiam, não reconheciam perigo, nem necessidade de recorrer outra vez ao céu, ou ao sancto, mas desassustados, alegres, e cantando, seguiam sua viagem, como se o mar fôra leite, os tufões viração galerna, a cerração e escuridade luz, e os trovões e coriscos serenidade.

IX. Tenho acabado o meu discurso, e assim como elle teve dous ponctos, assim em duas palavras tiro d'elle dois documentos. O primeiro, que confiemos em Deus, como Xavier confiou em Deus: o segundo, que confiemos em Xavier, assim como os homens confiaram em Xavier. Este foi o homem em que se quebraram e desfizeram as maldicções que Deus lançou sobre o homem que se confia de outro homem: Maledictus homo qui confidit in homine. Se confiardes em homens, achareis em logar da verdade a mentira, em vez da sinceridade enganos, em paga de beneficios ingratidões, em correspondencia de merecimentos invejas, em figura da virtude a hypocrisia, com mascara de amizade traições, com rosto de benevolencia odios, com fingimento de louvores calumnias, com promessa de bons officios maldades, com bandeira de paz guerra, com capa de zelo «invejas, debaixo da voz de Jacob roubos, debaixo dos abraços de Joab punhaes, debaixo do beijo de Judas vendas, aleivosias, prisões, falsos testimunhos, affrontas, espinhos, cravos, cruz é, até depois da morte, lançadas. Isto fazem os homens, e isto acontece aos que se fiam d'elles.

Porém quem pozer a sua confiança n'aquelle homem, a quem Deus fez para excepção de todos, Francisco Xavier, n'elle achará o seguro de todos os bens e a isempção de todos os males. Para as tristezas achará a consolação, para as difficuldades o conselho, para os perigos o remedio, para os trabalhos o verdadeiro e

Matth. 14.

Dous documentos por conclusão: Confiemos em Deus, como Xavier; confiemos em Xavier, como aquelles homens.

acharemos só bens e todos

Em Xavier

os bens.

forte soccorro. No mar terá certa a serenidade, nos ventos a obediencia, na terra a fertilidade, na fome a fartura, na peste a saude, na guerra a paz ou a victoria; e onde não valem as forças humanas, milagres e poderes divinos; nos carceres e masmorras as cadeias rotas, nos naufragios o porto, nos incendios o fogo sem queimar, nas ballas o ferro sem ferir, e nas mesmas mortes, ou impedidas ou resuscitadas, a vida: para os vicios e duvidas da passada, que é mais, a emenda, para as fraquezas e inconstancias da presente a fortaleza, para as tentações e astucias do demonio a valorosa resistencia, para os peccados e suas consequencias a verdadeira contrição e arrependimento, para o arrependimento e propositos da virtude a firme perseverança; e para a alma, em fim, quando se desatar do corpo, o fim para que Deus a creou, que é a eterna bemaventurança do céu, aonde nas azas da protecção de Xavier voará segura.

(Ed. ant. tom. 8.o pag. 200, ed. mod. tom. 13.o pag. 165).

SERMÃO QUARTO

AS CARTAS DE XAVIER E OS PRETENDENTES

Posuit pedem suum dextrum super mare, sinistrum autem super terram.

APOC. X.

Receio de que o sancto

amigos.

Muito receoso venho de que pelo argumento que hoje trago para prégar, haja de perder o nosso sancto alguns amigos. É fun- perca alguns dado em algumas cartas que escreveu da India a Portugal. Nem será esta a primeira vez em que ellas, principalmente quando conteem verdades de pouco gosto, produzam similhantes effeitos. E como foram escriptas em terra e navegaram tanto mar, creio que se dará por satisfeito o nosso anjo dos dous passos de cada dia, com que por mar e por terra o imos seguindo.

Xavier retratou-se ao

vivo nas suas cartas: e até no que

bre a soberania

II. Muitas estatuas de S. Francisco Xavier se teem esculpido, muitas imagens pintado, muitas estampas impresso, mas em nenhuma foi mais ao natural, nem mais ao vivo retratado que nas suas cartas. Isto disse, das do seu Lucilio, Seneca: Quod calla, se descofrequenter mihi scribis, gratias ago, nam quo uno potes modo te do seu espirito. mihi ostendis. Isto disse das suas Ovidio: Grata tua est pietas, sed carmina major imago sunt mea, quae mando. E se eu me podéra, não digo allegar, mas repetir, já disse neste mesmo logar, que os corpos se retratam com o pincel, as almas com a penna. Mas porque na penna, como no pincel, póde haver favor, na sinceridade lisonja e na verdade engano; ouçamos o que diz Tertulliano das epistolas dos apostolos, pois fallamos de um d'elles: Ipsae authenticae literae eorum recitantur sonantes vocem, et repraesentantes faciem unius cujusque. 1 Lemos as epi

1 Tertul. lib. de Praeserv. advers. Haeret. cap. 36.

Seu silencio a respeito

Nenhuma

queixa fez do

seu perseguidor Ataide.

stolas de S. Pedro, de S. Paulo, e dos outros apostolos, e o que sôa nos nossos ouvidos são as suas vozes, o que vêem os nossos olhos as suas imagens. Cento e quinze epistolas andam impressas de S. Francisco Xavier, e em todas ellas se vê tão retratado ao natural ou sobrenatural, como se estivera vivo. A pintura tem cores e sombras, claros e escuros; e tanto se descobre a soberania do seu espirito no claro do que diz, como no escuro do que calla.

Quando houve de partir de Lisboa o sancto, que já começava do governo tem- a ter esse nome, encommendou-lhe el-rei que chegando á India poral da India. visitasse as fortalezas e presidios do estado, procurando à cura e remedio das desordens que achasse, avisando-o por suas cartas e tudo, o que visse cumprir ao serviço de Deus e seu. Mas sobre este poncto nem uma só palavra escreveu Xavier a el-rei, intendendo que se não devia occupar na India, senão naquillo a que viera, tractando só do espiritual e universal de todo o Oriente, e não do temporal e particular, que outros tinham a seu cargo: e tambem para não causar ciumes aos mesmos de quem queria ser ajudado com verdadeiro amor. Em Malaca lhe fez D. Alvaro de Ataíde aquelles aggravos e publicas affrontas, que todos sabem, tão alheias da nobreza do seu appellido, como da fé e nome de christão; e quando cuidava que seriam eguaes as queixas que d'elle escreveria o nuncio (jurisdicção de que só alli usou, não para castigo dos sacrilegios, mas para absolvição das censuras e injurias), havendo à mão secretamente uma via das cartas, e lendo-as, tão assombrado ficou de se não achar no silencio d'ellas, como de ver no mesmo silencio a sanctidade de quem tão cegamente offendêra. É bem verdade que para tirar os impedimentos da propagação da fé, conversão dos gentios, exemplo e perseverança dos já christãos, deu conta Xavier a elrei de algumas desordens geraes, que muito encontravamo mesmo fim; mas sempre com tanta cautela e reverencia das pessoas, que nem pelo nome, nem pelo officio podessem ser conhecidas, para que se emendassem os abusos sem castigo nem descredito dos culpados.

Para julgar

de outras cartas

que o poder

pirilual

III. — Até aqui ninguem se podia offender das cartas de Xavier; suas é ne- mas para fazer verdadeiro juizo das outras, é necessario suppôr cessario suppor duas cousas certas. A primeira, que assim como nesta vida não temporal e o es- ha almas senão unidas ao corpo, assim para a conversão e condevem esta servação das mesmas almas é necessario que o poder temporal bem das almas. e espiritual estejam unidos. Diz David, que foi rei e mais pasProva-se com tor: Virga tua, o vosso sceptro, et baculus tuus, e o vosso cajado, ipsa me consolata sunt, esses assim junctos me consolaram. Porque quando o sceptro, que é o poder real, e o cajado,

unidos para o

a Escriptura.

Ps. 22.

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