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SERMÃO DA PUBLICAÇÃO DO JUBILEU

PREGADO EM S. LUIZ DO MARANHÃO NO ANNO DE 1684

OBSERVAÇÃO DO COMPILADOR :-É um dos sermões que vai sem asterisco, porque se mudaram somente umas pouquissimas palavras. É muito practico, claro, e bem ordenado: modelo de sermões populares no genero oratorio das homilias.

Extendens Jesus manum suam teli-
git eum dicens: Volo, mundare. Et
confestim mundata est lepra ejus.
S. MATH. 8.

Declara-se com leproso o da

Publicar e declarar a todos o que nos diz e concede a sanctidade de Innocencio X, nosso senhor, na bulla que vêdes com do os sellos apostolicos pendentes, pendente tambem ella do meio d'aquelle altar, assim como é o motivo do presente concurso, assim ha de ser o assumpto de todo o sermão. Esta é sem novidade a obrigação d'este dia; mas o desempenho da mesma obrigação não será sem novidade. Nos outros sermões o expositor ou interprete do texto evangelico é o prégador; n'este, porém, (com incontro tão notavel, que não parece caso, senão providencia) o expositor d'aquelle texto, que tambem é sagrado não ha de ser o prégador senão o mesmo evangelho que hoje nos propõi a Egreja. Será isto (se bem se considera o que havemos de ouvir) declarar um evangelho com outro evangelho. Que quer dizer Evangelho? Quer dizer Boa nova: Quam pulchri pedes evangelizantium pacem, evangelizantium bona. E porque poz a sabedoria Divina incarnada, porque poz Christo legislador e redemptor nosso, este nome de Boa nova á sua lei? Será a causa, porque só a lei de Christo e da graça nos annuncia e promette e dá o céu; o que antes d'ella não podia nem a lei da natureza nem a lei escripta? Esta é a primeira e principal razão. Mas a segunda e não menos principal é, porque sendo esta Boa nova tão boa, só ella é boa para todos: Praedicate evangelium omni

o evangelho

bulla do jabíleo. Rom. 10 Marc. 16 Luc. 2

Um e outro evangelho são boas novas

creaturae. As boas novas d'este mundo, por mais felizes e alegres que sejam, sempre trazem comsigo alguma mistura de pezar e tristeza. São como as boas novas das batalhas e victorias; as quaes, posto que universalmente se festejem com repiques e applausos publicos, a muitas casas particulares cobrem de luctos e se recebem com lagrimas. Esta é a differença com que o anjo no nascimento de Christo deu a boa nova aos pastores: Evangelizo vobis gaudium magnum, quod erit omni populo : nova alegre e alegria grande; mas não só para vós, senão para todos: Omni populo.

Tal é a boa nova que n'aquellas lettras de Roma havemos de ouvir hoje; porque o sobrescripto d'ellas diz que veem para verdadeiras. todos: Omnibus Christifidelibus. Nenhuma cousa mais se deseja n'este novo mundo em que vivemos que as novas que se esperam do outro de anno em anno. Mas chegam cá tão varias e incertas, quantas são as cartas que as referem. Não ha novas dadas por homens, que sejam evangelho. Estas, porém, que havemos de ouvir, como dizia, não são um só evangelho, senão dous evangelhos: um enviado de Jerusalem por carta de Christo; e outro de Roma por carta do Vigario do mesmo Christo. Evangelium est Dei epistola, dizia o grande Antonio, como refere Sancto Athanasio. Um e outro evangelho e uma e outra carta temos n'aquelle altar. E para que o alvoroço de ouvir estas duas boas novas não páre só em alvoroço, mas passe dos ouvidos ao coração e nos animemos a conseguir os grandes bens e graças que n'ellas se nos promettem e offerecem, peçamos ao Divino Espirito nos assista com a sua. Ave Maria.

Expoi-se o do

por poncto e applica-se.

II. Extendens Jesus manum suam tetigit eum, dicens: Volo, leproso poncto mundare. Et confestim mundata est lepra ejus. Conta o evangelista S. Mattheus (cujo é o evangelho que hoje nos propõi a Egreja), que appareceu deante de Christo redemptor nosso um leproso, o qual prostrado de joelhos lhe disse: Senhor, se vós quizerdes eu sei que me podeis sarar e alimpar d'esta infermidade tão asquerosa. Extendeu o Senhor a mão dizendo: Quero, sê limpo; e no mesmo poncto ficou limpo e são da lepra. O que agora has de fazer (continúa o Senhor) é que, guardando segredo a este milagre, vás logo mostrar-te ao sacerdote e lhe dês a tua offerta conforme a lei. Esta é a breve historia do evan1. Este lepro- gelho, o qual na consideração de suas circumstancias, como proso é cada um metti, será a declaração e commento do presente jubileu do bunal da Peni- summo pontifice e do que nós devemos fazer para ganhar os grandes thesouros das graças que n'elle se contém. Vamos ponderando o texto parte por parte.

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de nós no tri

tencia.

Matth. 16
Ps. 118

Matth. 21
Joan. 11

Suppondo primeiramente que este leproso é cada um de nós

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e somos todos em quanto peccadores, e suppondo que a lepra, mal contagioso é o contagio do peccado que desde Adão se derivou a todos seus descendentes, em dizer o leproso que o Senhor o podia sarar e alimpar, conforme a phrase de David: A peccatis meis munda me, fez um acto de fé catholica, em que confessou á Pessoa de Christo e n'ella à de seus successores os summos pontifices o poder de conceder indulgencias e perdoar peccados, que os herejes tão cega como ignorantemente lhes negam. Funda-se este soberano poder n'aquellas palavras de Christo a S. Pedro: Quidquid solveris super terram, erit solutum et in coelis: tudo o que desatares na terra será desatado no céu. Os peccados são umas cadeias ou cordas, com que estamos atados, como diz o propheta: Funes peccatorum circumplexi sunt me; e d'estas ataduras só nos podem desatar, não os reis, nem os imperadores, senão unicamente os sacerdotes. Quando Christo houve de entrar triumphando em Jerusalem n'aquelles dous animaes humildes que foram o carro triumphante da sua modestia e mansidão, disse aos apostolos que os achariam atados e que elles os desatassem: Solvite et adducite mihi; porque só os apostolos e seus successores, que são os sacerdotes, podem desatar os que assim estão atados, diz Sancto Ambrosio. No mesmo sentido, quando Lazaro saiu da sepultura amortalhado e atado de pés e mãos, mandou Christo que o desatassem: Solvile et sinite abire; porque só aquelles à quem o mesmo Senhor dá esta jurisdição e este poder, podem desatar os que estão envoltos e atados nas mortalhas de seus peccados. E quando deu Christo aos sacerdotes este poder? Quando disse a S. Pedro o que já allegamos. Sancto Agostinho: Quid est Solvite et sinite abire, nisi quae solveritis in terra, erunt soluta et in coelo?

sião negou Luthero á

das chaves,

E sendo esta verdade tão clara e assentada no evangelho, não Em que occasó é miseria grande, senão ridicula, que os mesmos herejes que dizem e creem o mesmo evangelho, neguem aos successores de Egreja o poder S. Pedro e Vigarios de Christo este poder. Para que vejais quão dignos são não só de lagrimas, mas de riso, n'esta cegueira os herejes, ouvi uma historia verdadeiramente ridicula. No anno de 1519 mandou o papa Leão X promulgar jubileu e larguissimas indulgencias a todos os que concorressem com certa esmola para a guerra contra os turcos e fabrica do templo vaticano de S. Pedro; e querendo Luthero ser o prégador que publicasse este jubileu e indulgencias, o arcebispo de Maguncia, a quem o papa commettera a superintendencia d'este negocio, encommendou a publicação a outro pregador, por habito e por outras causas seu emulo. Queixoso e como affronta

da sua heresia.

do Lathero, d'aqui tomou occasião para prégar contra as indulgencias, chegando por palavra, por escripto e por conclusões publicas a negar e defender que o pontifice não tinha poder, nem na Egreja o havia para conceder taes indulgencias. De sorte, maldicto apostata, que, porque o arcebispo te negou publicar o jubileu, tu negas ao summo pontifice o poder concedel-o? Dize-me; se tu foras o prégador, não havias de fazer grandes panegyricos das indulgencias e empregar toda a tua eloquencia em as persuadir? Claro está. Logo as mesmas indulgencias, que, se tu às pregaras, eram verdadeiras, porque as não pregaste são falsas? Tão ridiculos são os fundamentos com que os herejes deixam Consequencias uma fé, e tomam ou fazem outra. E estas foram as palhas com que se accendeu o fogo d'aquelle incendio fatal que abrazou Allemanha, Suecia, Inglaterra, Hollanda, e com o fumo tisnou tantas outras nações e provincias: para que demos graças a Deus os portuguezes de nem esta nem outra heresia chegar á nossa. Escolheu-nos Deus para levar a sua fé ao mundo que descobrimos. Levamol-a a Africa, extendemol-a pela Asia, trouxemol-a a esta America, e em nenhuma gente barbara ou politica a transplantamos, que não seja da mesma cór que a nossa obedecendo e adorando o nome do successor de S. Pedro e confessando a verdade de seus poderes. Nós tambem teremos a nossa lepra e as nossas lepras: mas o poncto de Si vis, potes, está tão impresso e constante na nossa fé, que o defenderemos com a vida; e só por esta mesma fé, quando não houvera outras causas, era merecedora a nossa nação de que os summos pontifices the concedessem as mesmas indulgencias e graças dizendo: Sicut credidisti, fiat tibi.

2.o Com que

tacilidade se purifica a lepra

III. Ás duas palavras do leproso Si vis, potes, respondeu Christo com outras duas: Volo, mundare; e no mesmo instante do peccadó fugiu d'ellas e desappareceu a lepra: Et confestim mundata est comparada com a purificação lepra ejus. Comparae-me agora o instante d'este Confestim com gundo a lei do OS vagares do tempo e difficuldades das observações com que Levitico. c. 12 segundo a lei do Levitico se procedia a julgar e purificar um le

da natnral se

e 13.

proso. Eram muitos e mui exactos os exames, muitas as reclusões de septe dias encerrado o infermo e separado da outra gente, muitas as vistas e revistas do miseravel corpo desde o remoinho da cabeça até ás solas dos pés. Queimavam-lhe as roupas, queimavam-lhe as alfaias, picavam-lhe as paredes da casa e tambem as purificava o fogo. No ultimo acto da purificação eram tantas e tão miudas as cerimonias, que até lidas cançam. O miseravel, que já não era, mas tinha sido leproso, ou havia de provar que o não era, havia de trazer dous pardaes, uma vara de cedro, uma pequena de lã tinta de verme

lho e não uma senão duas vezes tinta, e a herva chamada hyssopo. Atada esta herva e esta lã á vara ou estaca de cedro, prendia-se n'ella um dos pardaes e levado ao campo, alli o degolavam sobre agua viva, isto é, da que corre das fontes ou rios, e não morta como a dos lagos. Tomado, pois, o sangue do pardal morto em um vaso de barro, com elle e com a agua sobre que fora degolado, borrifavam ao pardal vivo e o lançavam a voar. Com o mesmo sangue aguado, ou agua ensanguentada, faziam septe asperges sobre o que se puriticava da lepra; o qual depois de lavar os vestidos e o corpo em agua tambem viva, estava recolhido septe dias sem poder communicar com outra pessoa. Acabada esta reclusão, offerecia tres cordeiros, um dos quaes se sacrificava; e com o sangue lhe ungiam ou tingiam os dedos polegares da mão e do pé direito e a ponta da orelha tambem direita. Sobre esta uncção faltava ainda outra do oleo, com que o sacerdote depois de fazer septe asperges ao tabernaculo, tornava a ungir os dedos dos pés e mãos e a orelha do que ainda não acabava de estar purificado; e tudo o que sobejava do oleo lhe lançava sobre a cabeça; que era a ultima ceremonia da purificação.

S. João Chry sostomo

(lib. 3 de sacerd.) Feal

dade de uma do peccado.

alma com a le

pra

Por tudo isto havia de passar um homem, ainda que fosse rei Observação de como Ozias e uma mulher ainda que fosse a irmã de Moysés e Arão, como Maria; para se purificar da lepra. S. João Chrysostomo pondera muito a differença dos nossos sacerdotes aos da lei antiga; porque aquelles só podiam conhecer e julgar a lepra, mas não a podiam curar, e os nossos sim; sendo mais feia, mais asquerosa e mais perigosa a lepra que elles curam. Mas eu não pondero esta differença, senão a similhança que os mesmos sacerdotes teem com Christo no caso em que estamos. Christo senhor nosso curou aquella lepra com duas palavras; os nossos sacerdotes curam a lepra do peccado com outras duas. As de Christo foram: Volo, mundare: as do confessor, em que precisamente consiste a cura do peccado, são: Te absolvo. E se alguem me perguntar: Quaes d'estas duas palavras são mais milagrosas, se as de Christo, ou as do confessor? Não ha duvida que as do confessor; porque as palavras de Christo curaram a lepra do corpo; as do confessor curam a lepra da alma; e tanto mais feia é a lepra da alma que a do corpo, quanto maior sem comparação é a fealdade do peccado que a da lepra. Reparo na fealdade; porque é a que mais se vê e a que mais se abborrece. Oh se Deus nos descobrira e mostrara n'este auditorio a fealdade de um peccado, ainda dos menos feios! Sabeis vós e vós (fallo particularmente com o genero feminino) sabeis porque não tendes no peccado o horror e abhorrecimento que o menor d'el

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