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XXXIII

Sustentava contra elle Venus bella.
Affeiçoada á gente Lusitana,
Por quantas qualidades via nella
Da antigua tão amada sua Romana:
Nos fortes corações, na grande estrella,
Que mostraram na terra Tingitana:
E na lingua, na qual quando imagina,
Com pouca corrupção crê que he a Latina.

XXXIV

Estas causas moviam Cytherea;

E mais, porque das Parcas claro entende
Que ha de ser celebrada a clara dea,
Onde a gente belligera se estende.
Assi que, hum pela infamia
que arrecea,
E o outro pelas honras que pretende,
Debatem, e na porfia permanecem;
A qualquer seus amigos favorecem.

XXXV

Qual Austro fero, ou Boreas na espessura
De sylvestre arvoredo abastecida,
Rompendo os ramos vão da mata escura
Com impeto e braveza desmedida:
Brama toda a montanha, o som murmura,
Rompem-se as folhas, ferve a serra erguida:
Tal andava o tumulto levantado,

Entre os deoses no Olympo consagrado.

XXXVI

Mas Marte, que da deosa sustentava
Entre todos as partes em porfia;
Оп porque o amor antiguo o obrigava,
Ou porque a gente forte o merecia;
De entre os deoses em pé se levantava:
Merencorio no gesto parecia;
O forte escudo ao collo pendurado
Deitando para traz, medonho e irado:

XXXVII

A viseira do elmo de diamante
Alevantando hum pouco, mui seguro,
Por dar seu parecer se poz diante
De Jupiter, armado, forte e duro:
E dando huma pancada penetrante
Co'o conto do bastão no solio puro,
O ceo tremeo; e Apollo de torvado,
Hum

pouco a luz perdeo, como enfiado.

XXXVIII

E disse assi: Ó Padre, a cujo imperio
Tudo aquillo obedece, que creaste;

Se esta gente, que busca outro hemispherio,
Cuja valia e obras tanto amaste,

Não queres que padeçam vituperio,
Como ha já tanto tempo que ordenaste,
Não ouças mais, pois és juiz direito,
Razões de quem parece que he suspeito:

XXXIX

Que se aqui a razão se não mostrasse
Vencida do temor demasiado.

Bem fóra que aqui Baccho os sustentasse,
Pois que de Luso vem, seu tão privado;
Mas esta tenção sua agora passe,
Porque em fim vem de estomago damnado;
Que nunca tirará alheia inveja

O bem que outrem merece, e o Ceo deseja.

XL

E tu, Padre de grande fortaleza,
Da determinação que tens tomada,
Não tornes por detraz; pois he fraqueza
Desistir-se da cousa começada.

Mercurio, pois excede em ligeireza

Ao vento leve, e á setta bem talhada, Lhe vá mostrar a terra, onde se informe Da India, e onde a gente se reforme.

XLI

Como isto disse, o Padre poderoso,
A cabeça inclinando, consentio

No

que

disse Mavorte valeroso,

E nectar sobre todos esparzio.
Pelo caminho Lacteo glorioso
Logo cada hum dos deoses se partio,
Fazendo seus reaes acatamentos,

Para os determinados aposentos.

XLII

Em quanto isto se passa na formosa
Casa etherea do Olympo omnipotente,
Cortava o mar a gente bellicosa

Já lá da banda do Austro, e do Oriente,
Entre a costa Ethiopica, e a famosa
Ilha de São Lourenço; e o Sol ardente
Queimava então os deoses, que Typheo
Co'o temor grande em peixes converteo.

XLIII

Tão brandamente os ventos os levavam,
Como quem o Ceo tinha por amigo;
Sereno o ar, e os tempos se mostravam
Sem nuvens, sem receio de perigo:
O promontorio Prasso já passavam,
Na costa de Ethiopia, nome antigo;
Quando o mar descobrindo lhe mostrava
Novas ilhas, que em torno cerca e lava.

XLIV

Vasco da Gama, o forte capitão,
Que a tamanhas emprezas se offerece,
De soberbo, e de altivo coração,
A quem fortuna sempre favorece;
Para se aqui deter não vê razão,
Que inhabitada a terra lhe parece:
Por diante passar determinava;
Mas não lhe succedeo como cuidava.

TOM. VI

XLV

Eis apparecem logo em companhia
Huns pequenos bateis, que vem daquella
Que mais chegada á terra parecia,
Cortando o longo mar com larga vela:
A gente se alvoroça; e de alegria.
Não sabe mais que olhar a causa della.
Que gente será esta? em si diziam,
Que costumes, que lei, que Rei teriam?

XLVI

As embarcações eram na maneira
Mui veloces, estreitas e compridas;
As velas, com que vem, eram de esteira
D'humas folhas de palma bem tecidas:
A gente da côr era verdadeira,

Que Phaeton, nas terras accendidas,
Ao mundo deo, de ousado e não prudente:
O Pado o sabe, e Lampetusa o sente.

XLVII

De
pannos de algodão vinham vestidos,
De varias cores, brancos e listrados;
Huns trazem derredor de si cingidos,
Outros em modo airoso sobraçados:
Das cintas para cima vem despidos;
Por armas tem adargas e terçados:
Com toucas na cabeça; e navegando,
Anafis sonorosos vão tocando.

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