Já chega a Portugal o mensageiro; Toda a corte alvoroça a novidade: Quizera o Rei sublime ser primeiro, Mas não lho soffre a regia magestade. Qualquer dos cortezãos aventureiro Deseja ser com fervida vontade; por bemaventurado
Quem já vem pelo Duque nomeado.
Lá na leal cidade, donde teve Origem (como he fama) o nome eterno De Portugal, armar madeiro leve Manda o que tem o leme do governo. Apercebem-se os doze em tempo breve D'armas e roupas de uso mais moderno, De elmos, cimeiras, letras e primores, Cavallos e concertos de mil cores.
Já do seu Rei tomado tem licença Para partir do Douro celebrado, Aquelles, que escolhidos por sentença Foram do Duque Inglez exp'rimentado. Não ha na companhia differença De cavalleiro dextro, ou esforçado; Mas hum só, que Magriço se dizia, Desta arte falla á forte companhia:
Fortissimos consocios, eu desejo Ha muito já de andar terras estranhas,
Por ver mais aguas, que as do Douro e Tejo, Varias gentes e leis, e varias manhas: Agora, que apparelho certo vejo,
(Pois que do mundo as cousas são tamanhas) Quero, se me deixais, ir só por terra,
Porque eu serei comvosco em Inglaterra.
E quando caso for, que eu, impedido quem das cousas he ultima linha, Não for convosco ao praso instituido,
Pouca falta vos faz a falta minha.
Todos por mi fareis o que Mas se a verdade o esp❜rito me adivinha,
Rios, montes, fortuna, ou sua inveja,
Não farão, que eu comvosco lá não seja.
Assi diz: e abraçados os amigos, E tomada licença, em fim se parte: Passa Leão, Castella, vendo antigos Lugares, que ganhara o patrio Marte: Navarra, co'os altissimos perigos Do Pyreneo, que Hespanha e Gallia parte: Vistas em fim de França as cousas grandes, No grande emporio foi parar de Frandes.
Ali chegado, ou fosse caso, ou manha, Sem passar se deteve muitos dias; Mas dos onze a illustrissima companha, Cortam do mar do Norte as ondas frias. Chegados de Inglaterra á costa estranha, Para Londres já fazem todos vias: Do Duque são com festa agasalhados, E das damas servidos e amimados.
Chega-se o praso e dia assignalado, De entrar em campo já co'os doze Inglezes, Que pelo Rei já tinham segurado: Armam-se d'elmos, grevas e de 'arnezes: Já as damas tem por si fulgente e armado, O Mavorte feroz dos Portuguezes: Vestem-se ellas de cores e de sedas, De ouro, e de joias mil, ricas e ledas.
Mas aquella, a quem fôra em sorte dado Magriço, que não vinha, com tristeza Se veste, por não ter quem nomeado Seja seu cavalleiro nesta empreza: Bem que os onze apregoam, que acabado Será o negocio assi na côrte Ingleza, Que as damas vencedoras se conheçam, Postoque dous e tres dos seus falleçam.
Já n'hum sublime e publico theatro Se assenta o Rei Inglez com toda a côrte: Estavam tres e tres, e quatro e quatro, Bem como a cada qual coubera em sorte. Não são vistos do Sol, do Tejo ao Bactro, De força, esforço e d'animo mais forte, Outros doze sahir como os Inglezes No campo contra os onze Portuguezes.
Mastigam os cavallos, escumando, Os aureos freos com feroz sembrante: Estava o Sol nas armas rutilando Como em crystal, ou rigido diamante: Mas enxerga-se n'hum e n'outro bando Partido desigual e dissonante,
Dos onze contra os doze: quando a gente Começa a alvoroçar-se geralmente.
Viram todos o rosto aonde havia A causa principal do reboliço: Eis entra hum cavalleiro, que trazia Armas, cavallo, ao bellico serviço: Ao Rei e ás damas falla, e logo se hia
Para os onze, que este era o grão Magriço: Abraça os companheiros como amigos,
quem não falta certo nos perigos.
A dama, como ouvio que este era aquelle Que vinha a defender seu nome e fama, Se alegra, e veste ali do animal de Helle, Que a gente bruta mais que virtude ama. Já dão signal, e o som da tuba impelle Os bellicosos animos, que inflamma: Picam d'esporas, largam redeas logo, Abaixam lanças, fere a terra fogo.
Dos cavallos o estrepito parece, Que faz que o chão debaixo todo treme: O coração no peito, que estremece De quem os olha, se alvoroça e teme: Qual do cavallo voa, que não dece; Qual co'o cavallo em terra dando, geme;
Qual vermelhas as armas faz de brancas; Qual co'os pennachos do elmo açouta as ancas.
Algum d'ali tomou perpetuo sono, E fez da vida ao fim breve intervallo: Correndo algum cavallo vai sem dono, E n'outra parte o dono sem cavallo: Cahe a soberba ingleza do seu throno, Que dous, ou tres já fóra vão do vallo: que de espada vem fazer batalha, Mais acham já que arnez, escudo e malha.
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