Na primeira figura se detinha
O Catual, que vira estar pintada, Que por divisa hum ramo na mão tinha, A barba branca, longa e penteada: Quem era, e por que causa lhe convinha A divisa, que tem na mão tomada?» Paulo responde, cuja voz discreta O Mauritano sabio lhe interpreta.
Estas figuras todas, que apparecem, Bravos em vista, e feros nos aspeitos, Mais bravos e mais feros se conhecem, Pela fama, nas obras e nos feitos:
Antiguos são, mas inda resplandecem
Co'o nome entre os engenhos mais perfeitos: Este que vês he Luso, donde a fama
O nosso reino Lusitania chama.
Foi filho ou companheiro do Thebano, Que tão diversas partes conquistou: Parece vindo ter ao ninho Hispano, Seguindo as armas, que contino usou: Do Douro e Guadiana o campo ufano, Já dito Elysio, tanto o contentou, Que ali quiz dar aos já cansados ossos Eterna sepultura, e nome aos nossos.
O ramo, que lhe vês para divisa, O verde thyrso foi de Baccho usado, O qual á nossa idade amostra e avisa, Que foi seu companheiro, ou filho amado. Vês outro, que do Tejo a terra pisa, Despois de ter tão longo mar arado, Onde muros perpetuos edifica,
E templo a Pallas, que em memoria fica?
Ulysses he, o que faz a sancta casa Á deosa, que lhe dá lingua facunda; Que se lá na Asia Troia insigne abrasa, Cá na Europa Lisboa ingente funda. Quem será est'outro cá, que o campo arrasa De mortos, com presença furibunda? Grandes batalhas tem desbaratadas,
Que as aguias nas bandeiras tem pintadas.
Assi o Gentio diz: responde o Gama: Este que vês, pastor já foi de gado; Viriato sabemos que se chama, Destro na lança mais, que no cajado: Injuriada tem de Roma a fama, Vencedor invencibil, afamado;
Não tem com elle, não, nem ter poderam O primor, que com Pyrrho já tiveram.
Com força não, com manha vergonhosa A vida lhe tiraram, que os espanta; Que o grande aperto em gente, inda que Ás vezes leis magnanimas quebranta. Outro está aqui, que contra a patria irosa Degradado comnosco se alevanta: Escolheo bem com quem se alevantasse, Para que eternamente se illustrasse.
Vês, comnosco tambem vence as bandeiras Dessas aves de Jupiter validas;
Que já naquelle tempo as mais guerreiras Gentes de nós souberam ser vencidas:
Olha tão subtis artes e maneiras, Para adquirir os povos, tão fingidas; A fatidica cerva, que o avisa: Elle he Sertorio, e ella a sua divisa.
Olha est'outra bandeira, e vê pintado O grão progenitor dos Reis primeiros: Nós Hungaro o fazemos, porém nado Crem ser em Lotharingia os estrangeiros: Despois de ter, co'os Mouros, superado Gallegos e Leonezes cavalleiros,
Á Casa sancta passa o sancto Henrique, Porque o tronco dos Reis se sanctifique.
Quem he, me dize, est'outro que me espanta, (Pergunta o Malabar maravilhado) Que tantos esquadrões, que gente tanta Com tão pouca tem roto e destroçado? Tantos muros asperrimos quebranta, Tantas batalhas dá, nunca cansado, Tantas coroas tem por tantas partes A seus pés derribadas, e estandartes?
Este he o primeiro Affonso, disse o Gama, Que todo Portugal aos Mouros toma; Por quem no Estygio lago jura a Fama De mais não celebrar nenhum de Roma: Este he aquelle zeloso, a quem Deos ama, Com cujo braço o Mouro imigo doma, Para quem de seu reino abaixa os muros, Nada deixando já para os futuros.
« VorigeDoorgaan » |