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dasse cousa alguma, dando satisfação ao leitor que o não fazia por ignorancia. «E com isto não resta mais, que, lembrar que os erros que houver n'esta impressão, não passaram por alto a quem ajudou a copiar este livro; mas achou-se que era menos inconveniente irem assim como se acharam, por conferencia de alguns livros de mão, onde estas obras andavam espedaçadas, que não violar as composições alheias, sem certeza evidente de ser a emenda verdadeira; porque sempre aos bons entendimentos fica reservado julgarem, que não são erros do auctor, senão vicio do tempo e inadvertencia de quem trasladou». E mais adiante: Porque em effeito é confundir a substancia dos versos, e conceitos do auctor, com as palavras e invenção de quem emenda, sem ficar ao diante certeza se o que se lê é proprio, se emendado. E por isso se não buliu em mais, que só n'aquillo que claramente constou ser vicio de penna; e o mais vae assim como se achou escripto, e muito differente do que houvera de ir se Luiz de Camões em sua vida o dera á impressão».

Com esta fidelidade pois, conservando-se os erros das copias, se imprimiu esta primeira edição, levando-se o escrupulo ao ponto de conservar errado o titulo de uma poesia, dizendo-se dirigida a El-Rei D. João II, quando pelo conteúdo da mesma se sabe ser, dirigida a D. João III.

Esta edição, que deveria saír pelo meado ou fim do anno de 1595, porque só em dezembro de 1594 estava passada a licença para a impressão, foi avidamente aceita do publico e se extinguiu promptamente em menos de dois annos, porque já em 8 de maio de 1597 estava passada a licença para nova impressão que teve logar no anno de 1598. No prologo se diz ter-se retocado a antecedente, fazendo desapparecer os erros que n'ella se tinham introduzido por culpa dos originaes, e que para este fim communicára com pessoas que o entendiam conferindo varios originaes. Reuniram-se n'esta nova collecção algumas poesias ineditas e entre estas appareceram pela primeira vez as cartas em prosa e a satyra do Torneio.

Dezoito annos decorreram até apparecer a segunda parte, promettida alguns annos antes no prologo da edição de 1607, e publicada por industria do livreiro Domingos Fernandes, com o auxilio pecuniario fornecido pelo arcebispo D. Rodrigo da Cunha, e da qual se tiraram mil e quinhentos exemplares; levou

o editor sete annos em ajuntar as poesias que acrescentou, por andarem espalhadas por mãos de diversas pessoas, mandando vir umas da India, como já anteriormente havia feito, e subministrando-lhe outras alguns fidalgos e varias pessoas curiosas. Por este tempo (1615) imprimiu os Cantos da Creação do Homem, e estando impressos lhe affirmou o arcebispo não serem de Luiz de Camões; porém como estavam já impressos, era obra boa e andava em seu nome, os deixou ir. Hoje podemos afoutamente asseverar não lhe pertencer, mas sim a André Falcão de Resende, sobrinho do celebre antiquario André de Resende; mais adiante o mostraremos com toda a evidencia.

Antes do anno de 1621, porque o seu segundo borrador é escripto n'este anno, tratava Manuel de Faria e Sousa de colleccionar tudo o que podesse encontrar de obras de Camões, melhorando-as dos erros introduzidos á vista de manuscriptos que percorreu, e dos quaes havia feito uma abundante colheita; porém a morte ou embaraços atalharam este seu proposito, e ficaram estas com os seus commentarios posthumas, e saíram o primeiro volume no anno de 1685 e o segundo no de 1688.

N'este intervallo, isto é, no anno de 1668 saíu á luz a terceira parte publicada por D. Antonio Alvares da Cunha, fidalgo illustre que em sua casa reunia uma academia, pertencente a uma familia em que o valor e a sciencia se deram as mãos; foi esta nova collecção de poesias ineditas, muitas copiadas sobre os proprios autographos de Camões, dedicada ao principe D. Pedro, então regente, e que depois foi rei de Portugal segundo do nome. N'esta collecção uma grande parte das poesias que foram de novo acrescentadas estavam na collecção manuscripta de Faria e Sousa, como tive occasião de examinar, por onde vemos que ao editor foram presentes em parte as mesmas collecções que ao commentador de Camões.

No anno de 1685 saíu por fim o commentario de Faria e Sousa enriquecido ainda de novas poesias, acrescentando principalmente nos sonetos, e emendando as edições anteriores; porém com a sua publicação ficaram ainda manuscriptas outras poesias ineditas, das quaes mais tarde se deveria imprimir uma parte.

No anno de 1779 publicou a antiga casa dos srs. Bertrands, estabelecida em Lisboa, uma nova edição das obras de Camões,

debaixo da inspecção do padre Thomás José de Aquino; pôde este examinar os manuscriptos de Faria e Sousa, e sobre as poesias já publicadas por aquelle infatigavel commentador, e as que se conservavam ineditas organisou a sua edição, addicionando-a com as cinco eglogas de Bernardes que Faria e Sousa pretende que pertencem a Camões, mais duas, e entre estas uma feita á morte da sua Natercia, e outras poesias, tornando-se com este acrescentamento a edição mais completa até hoje.

Mal pensava eu que depois de tantos annos decorridos poderia extrahir alguma cousa de novo de um terreno trabalhado por tantos cultores e mãos mais habeis, e quando mesmo ninguem pensava na possibilidade de se levar a effeito qualquer tentativa, por se reputarem todos os recursos esgotados. Comtudo algumas flores desparzidas e derramadas, e não poucas que escaparam áquelles que me precederam n'esta laboriosa tarefa, me cabe hoje a ventura de levantar do chão, e com ellas tecer uma nova coroa para lançar sobre a sepultura do grande Poeta portuguez.

O encontro casual de um pequeno manuscriptó do seculo xvii que pertenceu a D. Cecilia de Portugal, por ella escripto, e em bellos caracteres, encontrado no decurso das investigações que eu fazia para a biographia de Camões, me despertou a attenção e me fez pensar na possibilidade de se poderem ainda encontrar manuscriptas algumas obras poeticas do Vate portuguez. As oitavas ao desconcerto do mundo que ali vem com variantes, depois de já andarem impressas, e outras poesias, a traducção em castelhano do soneto:

Não vas Nise ao monte com teu gado.

No lleves Joana al rio tu ganado.

Com os mesmos consoantes do de Camões me deu a conhecer que ainda depois de impressas as suas obras se colleccionaram as suas poesias, e assim comecei desde logo a olhar com mais attenção para estas miscellaneas poeticas do seculo xvi e subsequente, e desde então vim no conhecimento que esta não era indifferente, começando a apparecer um resultado satisfactorio, pela descoberta de algumas ineditas. Quando andava n'estas diligencias na bibliotheca nacional, procurando se existiriam

alguns cancioneiros com que podesse acrescentar o já encontrado, me facilitou para este effeito o Sr. Visconde de Balsemão, n'aquelle tempo bibliothecario mór d'aquella casa, um cancioneiro de que havia feito acquisição para o estabelecimento. Tem por titulo o manuscripto: «Cancioneiro em que vão as obras dos melhores poetas do meu tempo ainda não impressas, e trasladadas de papeis dos mesmos que as composeram, começado na India a 15 de janeiro de 1557 e acabado em Lisboa em 1589 por Luiz Franco Correia, companheiro em o estado da India e muito amigo de Luiz de Camões». E o seu formato um in folio de 296 paginas numeradas de um só lado, e começa com a elegia i que ali é a primeira; a letra é do seculo xvi, porém não o reputo autographo, mas sim uma copia contemporanea, não só porque dizendo-se começado na India e acabado em Lisboa, não encontro differença no papel que muitas vezes era asiatico, mas ainda na tinta, sendo o livro compilado em epochas distinctas e em sitios entre si tão remotos. Acresce a isto que está cheio de notaveis omissões e erros grammaticaes que por vezes transtornam todo o sentido e intelligencia das composições, o que só póde pôr-se a cargo de copista ignorante, e não de Luiz Franco, o qual, alem de poeta, tinha o conhecimento da sua lingua e mesmo das estranhas as quaes manejava. Curiosa é comtudo esta collecção por differentes motivos, porquanto, alem de poesias ineditas e de variantes das impressas, nos offerece uma ordem mais chronologica em algumas das poesias, principalmente nas elegias e nas canções. Comprehende tambem o canto i dos Lusiadas com este titulo: «Elusiadas de Luis de Camoens a El-Rei D. Sebastião». Tem algumas variantes, entre as quaes faremos notar esta, porque decifra bastantemente o caracter pouco lisonjeiro de Camões. Na dedicatoria, oitava vi, tinha escripto:

Vós, sagrado Rei, cujo alto imperio.

Julgou o epitheto com que incensava o Rei lisonjeiro de mais, e mudon para

Vós, poderoso Rei, cujo alto imperio..

I

No fim do canto 1 dos Lusiadas vem esta declaração: «Não continuo porque se imprimiu». E é pena sem duvida, que não

possuamos toda a copia do poema para conhecermos as emendas e alterações que se fizeram por parte de Camões quando deu á estampa os seus Lusiadas. Algumas vezes, aindaque poucas, foi necessario desviar da orthographia do manuscripto que não é fixa, porquanto repete os mesmos vocabulos por differente fórma, e outros são escriptos por maneira que se afastam do uso, e pareceriam ao leitor erros typographicos como coraçois, dipois, etc.; esta liberdade poucas vezes tomada 'a não tomariamos, se o manuscripto fosse autographo, ou de epocha mais remota em que fosse necessario conservar as genuinas feições do original. Cumpre tambem fazer uma advertencia, que o manuscripto, trazendo sem indicação as obras mesmo conhecidas de Camões, esta lhe é posta por letra mais moderna, mas por pessoa versada, e que parece ter examinado outros manuscriptos, porquanto fez o mesmo serviço indigitando de quem sejam as obras dos outros auctores que ali se transcrevem.

O padre Thomas José de Aquino nas suas duas edições das obras de Camões de 1779 e 1782, não consultou o autographo dos commentarios de Manuel de Faria e Sousa aos Lusiadas: como estes se achavam impressos não curou do manuscripto, e assim não foi por elle examinado. Não digo isto como uma censura ao editor, o qual sem duvida fez valiosos serviços á litteratura patria, tornando vulgares pela imprensa algumas composições do nosso Poeta de que o publico não tinha conhecimento, dando uma edição mais completa das suas obras; digo-o porém para advertir que no volume por elle desprezado fui ainda descobrir differentes poesias, redondilhas, esparças, voltas, etc. e com esta acquisição enriquecemos o nosso peculio.

Se o Ariosto e Tasso encontraram interpretes que o deram a conhecer na lingua portugueza, de Petrarcha não me consta de traducção conhecida, se exceptuarmos alguns sonetos traduzidos por Camões, pois comquanto tres portuguezes se quizessem dar ao trabalho de o verterem, o primeiro, João Pinto Delgado, que escrevia no começo do seculo xvII, deixou a sua traducção manuscripta, a qual pelo metro em que era elaborada (oitavas) differente do do original, não indica dever ter subido merecimento. Os outros dois se serviram da lingua castelhana; o primeiro Salusque Lusitano que traduziu a primeira parte que se imprimiu em Veneza no anno de 1567, e Henrique Garcez,

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