e pelo que fóra desterrado de Coimbra para Lisboa, acrescentava aqui Paiva de Andrade; mas o primeiro que identificou estes dizeres com os anagramas de Belisa e de Sibela, e a filha de João Vaz de Vila-Franca, foi o Dr. Teófilo Braga. Belisa e Sibela são anagramas de Isabel. ¡ Camões lá diz que fora em certo sitio junto ao Mondego, que uma mulher formosa e muito intima, testa de neve e oiro, lhe insuflara uma alma pela qual inteiramente se transformou ! Cada qual é subjectivamente o próprio espírito, mas há para cada qual uma paisagem que se tornou em volante do seu espírito. Toda a Existência é um farol sem luz; nalguma parte reside uma scentelha que virá dar a êste farol a bênção de luz. O Homem é apenas Tempo e Espaço; a geração a síntese do Tempo, e a paisagem da terra a síntese do Espaço; e o Homem é a síntese do Tempo e do Espaço. ¡ É-se qualquer coisa, mas nada se é, sem haver o que formule o qualquer coisa! Eu digo assim: ¡Não há luz isolada, porque não há luminosidade sem reverbero! Também aqui, não posso achar Camões sem reverbero. ¡Quão diferente é o lirismo dèste homem ao falar doutras paisagens ou destas ribeiras de Coimbra! E tanto melhor é naquelas que viu lá longe, quanto em memória se apro xima destas ; ¡ quão formoso é o episódio de Inês de Castro, escrito no Oriente e coado através de Coimbra!... Foram crescendo os amores após a idade; e fosse porque fosse, Camões foi obrigado a abandonar o Mondego. Almeno dizia a Belisa: Onde viste tu, ninfa, amor sisudo? E como te não lembras do perigo Buscando horas de sesta, horas de abrigo ? Se más tenções puseram nódoa feia Belisa responde: Mal conheces, Almeno, uma afeição, Mas teu sobejo e livre atrevimento Foi causa dêste longo apartamento. Esta ausência de Coimbra sucedia em 1542, talvez por movimento da mãe de Isabel, que sonharia um Principe para a filha, De sua mãe cuidada e glória pura Por invejas, talvez, talvez por tudo... Com maior evidência na identificação de Belisa com Sibela, há êste soneto, em que se refere também a horas de sesta: Num bosque, que de Ninfas se habitava, E subida em uma árvore sombria, Cupido, que ali sempre costumava ¡É estranho, contudo, como aparece associado ao anagrama de Belisa o nome de Almeno, que deve naturalmente ser anagrama, e então parece a cifra de Manoel! Morre Branca Tavares, mãe de Isabel; e foi sem dúvida por essa época que o bacharel e morgado João Vaz de Vila-Franca foi residir em Lisboa, onde o filho Simão cultivou a amizade do inteligente Príncipe D. João, amizade que ainda anos depois era notória. A inopinada alegria de Camões desabrochava então nestes tercetos: Se a vista não me engana a fantasia Me dá para mor dano! Esta é, de certo, Devemos notar que o pai de Isabel instituíra um morgadio junto a Alenquer. Agora em Lisboa, êste importante morgado, o mais fidalgo e importante de Coimbra, teria a entrada na Côrte, como outrora. Luís de Camões, reatado a Belisa, protegido por D. Francisca de Aragão, fàcilmente teria chegado aos excessos, que desta vez mais duramente o fizeram desterrar. Era em 1546; e com a ameaça de degrêdo para o Maranhão, depois de andar correndo o Ribatejo, até ao Zêzere, vai dar origem à lenda do fidalgo sofismador do Maranhão de Avis; ai desterrado nesses rudes penhascos do seu parente Simão de Camões da Cámara (o possuïdor do escravo António), soltando ao mundo a voz, passa, sem dúvida, à tôrre do Luis de Camões, do Almadafe, desce a Évora, desce ao Algarve, e aparece lá em baixo na vila de Lagos. Passa-se um ano; e já em Lisboa Luís de Camões embarca para Ceuta ; serve lá dois anos, combate, perde a luz dum dos olhos, e volta à Pátria em 1549. Espiava o delito ao decôro do amor : Em prisões baixas fui um tempo atado, Sacrifiquei a vida a meu cuidado, Que Amor não quere cordeiros, nem bezerros; Morre João Vaz, Senhor da vinculada casa em Lordemão, com solar e capela, arredores de Coimbra, è da saudosa quinta de Vila-Franca, e morgadio de Alenquer. Sucede o primogénito Simão Vaz de Camões, que volta a Coimbra com a irmã; Isabel fica residindo em casa duma tia Filipa Tavares. Luís de Camões, chegado a Lisboa, de regresso de Ceuta, em Dezembro de 1549, dirige-se a Coimbra; é por esta época que devemos colocar aquela carta, que é seguramente do poeta: |