Não é lingua dos Deuses; é só prosa, Sem ter mais brio que a cansada rima.
Poesias de Elpino Duriense (Antonio Ribeiro dos San- tos), Lisboa 1816-T. 3, pag. 8.
O bom Democrito ria (140) Do que a nós nos causa dôr; Elle mui bem o entendia; Vamos nós tambem, senhor, Fazer o que elle fazia:
Dos homens na vã loucura Um pouco meditaremos; E com alchymia segura, Do mal alheio faremos Para o nosso mal a cura: Quando vierdes, então Correremos a cidade;
Uns que vêm, outros que vão; Acharemos á vontade Onde mettamos a mão: Veremos o vão peralta Calcando importuna lama, Que as alvas meias lhe esmalta, Na esteira de esquiva dama, Que de pedra em pedra saltai
Aos cafés iremos vel-o No mostrador encostado Sobre o curvo cotovello Tendo á esquerda sobraçado Gigante chapéu de pello:
Alli em regras de dança, Com outros taes conversando, Dirá que desde creança Andou sempre viajando,
Que viu Londres, que viu França:
Que gastou grossos dinheiros; Pois ver com socego quiz Cidades, reinos inteiros; Jura que como em Pariz Nunca achou cabelleireiros: Exalta os môlhos francezes Dos banquetes que lhe deram; E balbuciará ás vezes, Fingindo que lhe esqueceram Muitos termos portuguezes: Chamará a patria ingrata; Murmurará do governo, Que do bom gosto não tracta, E consente que de inverno Haja fivellas de prata:
Em dous minutos emenda O mundo, que vae perdido; E quer que com elle aprenda Em que quadra, e em que vestido São proprios punhos de renda: Carregando a sobrancelha, A fallar na historia salta; E logo da França velha Reconta o pobre peralta Cousas que pescou de orelha:
Faz ao bom Sulli justiça, (144) Que os fios da espada embota Ao Rei, que em furor se atiça; E não lhe esquece a anecdota, «Que um reino vale uma missa: » (142)
Falla em S. Bartholomeu, (143) E quasi que as gotas conta Do sangue que então correu; E ao certo as folhas aponta Da historia que nunca leu: Riremos do seu estudo; Porque só o tem mostrado Em ter chapéu gadelhudo, Em ter canhão cerceado,
E em pôr de mais um canudo: Iremos ouvir mil petas, Quando mais o Sol se empina, Vendo acerrimos jarretas, Juncto a Sancta Catharina, Argumentando em Gazetas: Um quer a cabeça dar,
Se o Conde de Estaing não fez (144) Trinta náus desarvorar;
Outro levanta em um mez O cerco de Gibraltar:
Um, riscando a terra, ensina C'o a bengala a geographia; E nos diz com quem confina Ao poente e ao meio-dia A Georgia e a Carolina:
Outro aos Inglezes deseja Na armada o fogo ateado; E pinta em crua peleja Dez Lords fugindo a nado Sobre barris de cerveja;
Outro conta os graves damnos Que esta Gazeta declara Tiveram os Castelhanos; E o triumpho inglez compara C'os triumphos dos Romanos: Ao seu partido se aferra; Diz que inda c'os mastos rotos Ao mundo farão a guerra; Mas fica vencido em votos, E leva a breca a Inglaterra:
Dão ao Leão furibundo Gibraltar em justa guerra; E este Concilio profundo Sem ter um palmo de terra, Está repartindo o mundo: Dado emfim o Inglez á sola, Qualquer dos ditos confrades Na rota capa se enrola; E tendo dado cidades, Nos vem pedir uma esmola. D'alli, senhor, voltaremos Pelas praças principaes; Que bellas cousas veremos! Que famosos editaes Pelas esquinas leremos! Chegou Monsieur de tal, Chymico em Pariz formado; Traz segredo especial; Um elixir approvado, Um remedio universal: Não pretende ajunctar fundo C'os grandes segredos seus; E cheio de dó profundo, Tira pelo amor de Deus Os dentes a todo o mundo: »> Iremos lêr no outro lado, Ónde acaso os olhos puz: «Em quarto grande, e estampado Saíu novamente á luz Carlos Magno commentado:
Na mesma loja hão de achar:
« As obras de Caldeirão,
Que em bom preço se hão de dar; E o Cavalheiro Christão, E as Regras de Partejar. » Destas ridicularias,
E de outras taes murmurando, Co❜as nossas philosophias, A tarde iremos gastando Té que dêm Ave Marias:
Então já quando em cardume Sáe a gente da Fundição, Como sabeis que é costume, E já as visinhas vão
Pedir ás visinhas lume:
Quando todo o Ginja rico Para casa a prôa inclina, Por temer facas de bico; E cuida que a cada esquina Lhe lança mão o Joanico: (145) Então, meu senhor, teremos Funcção de mais alto preço; A certa assemblea iremos De uma gente que eu conheço, Onde á vontade riremos: Feita a geral cortezia, Pé atraz. segundo a moda, Daremos á mãe, e á tia, E depois a toda a roda, Alto, e malo, senhoria:
Pouco ás filhas fallarei; São fêias e mal creadas: Mas sempre conseguirei Que cantem desafinadaş «De saudades morrerei: » Cantada a vulgar modinha, Que é a dominante agora, Sae a moça da cozinha, E deante da senhora
Vem desdobrar a banquinha: Na farpada meza logo Bandeja, e bule apparece; Que mordaes os beiços rogo, Pois são trastes, que parece Que escaparam de algum fogo;
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