Lindos labios nacarados, Breves, tumidos, ou antes Dous rubis, onde volantes Mil Amores inflorados Formam ledos á porfia Os seus favos de ambrozia.
Borrifadas vem com ella De Marina as meigas vozes, Que dos males atrozes Sós dissipam a procella: Quando as bebem presumidos, Os meus ávidos ouvidos.
Ah! não sei como exprimil-a A amargura de meu peito, Se amarissimo Despeito O seu fel nellas instilla; Devorando dos Amores Os dulcissimos lavores.
Torpe susto em mim se ceva; Tinge as faces côr defuncta, E nos meus olhos se ajuncta De Acheronte a densa treva: Té que em trémulo desmaio Do regaço da Dôr cáio.
Ó Marina, vida cara
Da minh'alma, e feliz sorte! Ó Marina, cruel morte
De minh'alma, e sorte amara;
Como assim, que eu viva, ordenas Em taes gozos, em taes penas?
Por me dar morte tardia, Por fazer-me a vida breve, O teu genio esquivo, e leve Minha sorte assim varia: Ah! não mais mudes, ingrata, De uma vez me adita, ou mata!
Versos do bacharel Domingos Maximiano Torres, denominado Alfeno Cynthio, 1791-pag. 291.
Venturoso dia
Que do Ceu nos veiu, De mil graças cheio, Cheio de alegria. A Aurora rosada,
Nasce em ti mais bella, E o Sol vem trás ella, Fazendo-a dourada.
O Ceu nunca avaro,
De estrellas se areia, A Lua alumeia
Sobre o Tejo claro. Aves, e animaes
Sem conhecimento De contentamento Mostram mil signaes. Os passaros ledos, Vestidos de côres, Cantam teus louvores Pelos arvoredos.
Qualquer fera perde
Sua fera usança, E anda fera, e mansa Pelo prado verde.
Os lobos guerreiros Nenhum ha que offenda, Que andam sem contenda Por entre os cordeiros, Tudo é mais formoso, Por bravo que seja, E tudo festeja Teu nome ditoso. As plantas, os montes, O campo, as boninas, Aguas crystallinas Crystallinas fontes. O valle povoam Mil pastoras bellas, Fazendo capellas, Com que se corôam. E das semideas Bellas desta praia, Não ha qual não saia Em lêdas choreas. Os pastores cantam, Os satyros saltam, As flôres esmaltam, As hervas encantam. Tudo te conheça, Tudo te festeje,
Tudo te deseje,
Tudo te obedeça.
De ti levantado
Teus louvores conte
O deserto monte,
E o florido prado.
Obras Politicas, Moraes e Metricas do insigne
Portuguez Francisco Rodrigues Lobo, 1723. Primavera, Floresta ultima, pag. 242.
ROMANCE LYRICO
Chorando lagrimas tristes, Sobre uma esperança morta A golpes de um desengano, Que levou della a victoria:
Soltando ardentes suspiros Entre lagrimas queixosas, Juncto do famoso Lis Se queixava uma pastora. «Ai! enganosa gloria
Ai! defuncta esperança,
Que quando um bem se alcança, Já não fica do bem mais que a memoria. » Sobre um braço se reclina,
Porque as lagrimas que chora Caiam no saudoso rio,
Que alli tem presas as ondas. Vê na agua o bello retrato De que as Nimphas se namoram, E movidas a tristeza,
Com ella dizendo choram. << Ai! enganosa gloria, etc. » Sabe que communicado O mal, tambem se melhora, E o que esconde o coração Mais lastima, e mais magôa. <«< Ai! diz, importuna vida, Quanto a morte melhor fôra, Que uma tem muitos cuidados, E outra dera grandes provas. Ai! enganosa gloria, etc.»
«Enganou-me o tempo avaro Que como nunca atrás torna, Dá-lhe pouco de mentir A quem seus enganos prova, Víu-me sujeita a ventura Essa fortuna invejosa,
Vingou-se de um pensamento, De que nunca foi senhora. »
Ai! enganosa gloria, etc. » « Fiz fé de minha esperança, Sustentei-lhe verde a folha, Vivia de ouvir palavras,
Que sempre tão mal se logram: Bem paga meu coração Estas faltas, e estas sobras, Que umas soffre por amor, E outras sustenta por honra. Ai enganosa gloria, etc. >> «Acabei já de esperar, E que acabe pouco monta, Pois se a mim satisfaço Contento a quem quer que morra: Vivirei vida sem tela,
E será melhor que as outras, Que quem perdeu pensamentos Vive nesta, e morre em todas. Ai! enganosa gloria, etc. »
Obras Politicas, Moraes e Metricas do insigne Portuguez Francisco Rodrigues Lobo, 1723. Romances, 1.a parte, pag. 741
Alexandre, (218) Marilia, qual o rio Que engrossando no inverno tudo arraza, Na frente das cohortes Cerca, vence, ábraza
As cidades mais fortes.
Foi na gloria das armas o primeiro; Morreu na flôr dos annos, e já tinha Vencido o mundo inteiro.
Mas este bom soldado, cujo nome Não ha poder algum, que não abata, Foi, Marilia, sómente
Um ditoso pirata, Um salteador valente.
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