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Se não tem uma fama baixa e escura,
Foi por se pôr ao lado da injustiça
A insolente ventura.

O grande Cesar, (219) cujo nome vôa,
A sua mesma patria a fé quebranta;
Na mão a espada toma,
Opprime-lhe a garganta,

Dá senhores a Roma

Consegue ser heroe por um delicto;
Se acaso não vencesse, então seria
Um vil traidor proscripto.

O ser heroe, Marilia, não consiste
Em queimar os imperios: move a guerra,
Espalha o sangue humano,

E despovôa a terra
Tambem o máu tyranno.

Consiste o ser heroe em viver justo:
E tanto pode ser heroe o pobre,
Como o maior Augusto.

Eu é que sou heroe, Marilia bella, Seguindo da virtude a honrosa estrada: Ganhei, ganhei um throno,

Ah! não manchei a espada,

Não o roubei ao dono.

Ergui-o no teu peito, e nos teus braços:
E valem muito mais que o mundo inteiro
Uns tão ditosos laços.

Aos barbaros, injustos vencedores Atormentam remorsos, e cuidados; Nem descansam seguros

Nos palacios cercados

De tropa, e de altos muros.

E a quantos nos não mostra a sabia historia A quem mudou o Fado em negro opprobrio A mal ganhada gloria!

Eu vivo, minha bella, sim, eu vivo
Nos braços do descanso, e mais do gosto:
Quando estou acordado
Contemplo no teu rosto
De graças adornado:

Se durmo, logo sonho, e alli te vejo.
Ah! nem desperto, nem dormindo sobe
A mais o meu desejo.

Marilia de Dirceo por T. Gonzaga-1840, pag. 73.

CANTATA

Dido (220)

Já no roxo Oriente branqueando
As prenhes velas da troiana frota
Entre as vagas azues do mar dourado
Sobre as azas dos ventos se escondiam.
A miserrima Dido

Pelos paços reaes vaga ullulando,
C'os turvos olhos inda em vão procura
O fugitivo Eneas.

Só ermas ruas, só desertas praças
A recente Carthago lhe apresenta:
Com medonho fragor na praia nua
Fremem de noite as solitarias ondas;
E nas douradas grimpas
Das cupulas suberbas

Piam nocturnas agoureiras aves.
Do marmoreo sepulchro
Attonita imagina

Que mil vezes ouviu as frias cinzas
Do defuncto Sicheu com debeis vozes,
Suspirando chamar: Elysa, Elysa.

D'Orco (221) aos tremendos Numens
Sacrificios prepara;

Mas viu esmorecida

Em torno dos thuricremos altares
Negra escuma ferver nas ricas taças:
E o derramado vinho

Em pélagos de sangue converter-se.
Frenetica delira:

Pallido o rosto lindo,

A madeixa subtil desentrançada;
Já com o tremulo pé entra sem tino
No ditoso aposento,

Onde do infido amante

Ouviu enternecida

Magoados suspiros, brandas queixas.
Alli as crueis Parcas lhe mostraram (222)
As Illiacas roupas, que pendentes
Do thalamo dourado descubriam
O lustroso pavez, a teucra espada. (223)
Com a convulsa mão subito arranca
A lamina fulgente da bainha,

E sobre o duro ferro penetrante
Arroja o tenro e crystallino peito:

E em borbotões de escuma murmurando
O quente sangue da ferida salta:

De rôxas espadanas rociadas

Tremem da sala as doricas columnas.

Tres vezes tenţa erguer-se,
Tres vezes desmaiada sobre o leito
O corpo revolvendo, ao Ceu levanta
Os macerados olhos.
Depois attenta na lustrosa malha
Do profugo dardanio, (224)

Estas ultimas vozes repetia,

E os lastimosos lugubres accentos
Pelas aureas abobadas voando

Longo tempo depois gemer se ouviram;

« Doces despojos

Tão bem logrados
Dos olhos meus,
Em quanto os Fados,

Em quanto Deus
O consentiam..

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Obras Poeticas de P. A. C. Garção, Lisboa, 1778

pag. 259

DITHYRAMBO

Eis-me no Ménalo. Nébrides, Ménades (227)
Capri-barbi-corni-pedes-felpudos

Egipães descortino. (228)

De verdes Thyrsos abastado souto (229)
Ao stridente clangor das charamélas,
Mede a compasso a estrada.
Co'as rudes mãos o adufe arripiando
Estrugindo, a cohorte alvoroçada
Affugentava em torno

Os pavorosos hospedes das messes,
Que ás lapas vão do esconso valle a vôo,
E lá despir o susto.

Nús os peitos, madeixas desgrenhadas
Atiplam as Bassarides o cheio (230)
Da dîssona assuada.

Voz em grita-Evohé-que rompe as nuvens, (234)
Mil vezes repetido, rebramado,

Vão rematando coplas.

Os cornigeros Faunos, e Silvanos (232)
Vem, na fila, escanchados nos jumentos
C'um velho mui caraça,

Que, na panda garupa, duas Nymphas
De azevieiros olhos, com mais môsto
De emborrachar acabam.

N'um carro engrinaldado de Hera, e pampanos,
Que duas onças tiram, vem sentado

De Sémeles o filho. (233)

A de Naxos a venturosa amante (234)
Lhe vem luzindo ao lado. Olhos languentes,
Entrelaçados braços,

Humedecidos párpados, suspiros
Ardendo, em vez de vozes, denunciam
Qual Deus na alma lhes lavra.
Os pintados ferozes Agathyrsos (235)
(Comitiva de Evan) quando dão tino (236)
Desse painel de amores,

Estranho affeito sentem estar pulsando
No coração, e dar tregeito á bocca,
Que vozeia-Evohé

«Que formosa que ella é! quanto elle é lindo!
« Evohé! Evohé!» Eis almagrados,
Com o sarro do vinho

Satyros fulos vem fechando o couce (237)
Dessas orgias; c'os pés, co'as mãos ferindo
Destampada battuta: (238)

E affadigando os echos das montanhas,
C'os retinnidos silvos surdescentes
Das rispidas avènas. ·

Não fico. Vou com Marcia, nova Ariádna,
Enfrascar-me tambem no mel das cepas.
-Evohé, Padre Baccho!-

-Dá-me a mão; dá-me assento aos pés do throno,
-A mim, e a Marcia... Ah! não. Que temo ao vel-a,
-Que a Ariádna infido sejas.
Cá me arrancho com o Aio. Sus, amigo,
-Que, a roncos, nos resfolgas sustenidos,
-Lá vae, de golpe um frasco.

-Bebe, oh! Marcia, aos bigodes espumantes

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