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Ah! vil murmuração captiva e cega,
Quem te ama, quem te serve, quem te estima,
A que inferno immortal sua alma entrega.
Qual corta o ferro frio a subtil lima,
Qual a agua a pedra dura murmurando,
E qual a traça os trajos mais de estima.
Qual a vibora a mãe desentranhando,
Assim o proprio peito onde te geras,
Quando os alheios cortas vás cortando.

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Quão mal, Serrano amigo, tú disseras,
Que para se atalhar algum perigo,
Fugissemos dos homens para as feras.
Serrano. A lagarta, a ferrugem come o trigo.
E cada fructo que produz a terra, 190
Tambem cria entre si outro inimigo.

Bento

A lingua é como a lança, e nenhum erra,
Que nasceu d'entre nós, e á similhança,
Se fizeram as lanças para a guerra.

Quem lhe pode fugir, se a tudo alcança?
E mais ao longe fere, e ao direito,
Do que setta, arcabuz, espada e lança.
Quanto damno nos faz? quanto tem feito?
Nos montes, nas aldeias, nos logares,
Sem interesse, gosto, e sem respeito?!

Ouve Serrano um pouco se mandares
Que assomam dous pastores pela infesta,
Que devem vir já agora dos fulgares.
Contar-nos-hão da lucta e mais da festa.

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Gonçalo. Da lucta contarei, tu dize o mais,
Pois te cabe por gosto, e por direito.

Serrano e Bento já viram signaės,
De teu canto, levares hoje o preço,
Já o tens de costume em festas táes.

Em fim deixando o vodo do começo,
Danças, gritas, folias dos pastores,
Que de varias e muitas já me esqueço.

Foram Dino, e Montano os luctadores,
Cada qual do seu cabo levou tres,

Da serra, e os mais dispostos e os melhores.
Tangem-se as gaitas uma e outra vez,
Põem no terreiro a boa da fogaça,
Que nunca neste vodo tal se fez.

Despem-se os dous, rodeiam toda a praça,
Eis um se chega, eis outro se apartava,
Commettendo por geito, e por negaça.
Arcou Dino primeiro, e não chegava
Quando a Montano lhe arma uma travessa,
Que imaginei então que o derrubava.
Se não quando chegando o arremessa
De si com tanta força, tanta ira,
Que lhe valeu soltar-se bem depressa.
Tornam de novo á guerra, quem os vira!
Como os nossos almalhos com ciume
Da juvenca, que a vel-os se não vira!

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Os olhos mostram sangue, e ferem lume, As mãos tremendo, e o rosto traspassado, Cada qual teme, e cada qual presume.

Remettem, pegam, arcam, e abraçado Ficou Montano um pouco mais a geito, Elle da parte esquerda subjugado.

Metteu-lhe então com força o pé direito, Cae Dino e Montano junctamente

Na terra poz a mão, como eu suspeito.

Gritam de um bando, e d'outro, brada a gente, Cobrem logo a Montano os do seu bando, Cobrem Dino tambem, mas descontente.

Os de uma, e d'outra parte estão gritando, Que foi d'ambos a quéda, e sobre o caso Armou Vicente brigas com Fernando.

Pediu Corino então, por não dar azo A móres desavenças, que o julgassem, E poz da causa até Domingo o prazo,

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Mandou a Gil e a Delio que cantassem, Venceu Gil, fique a cousa para outra hora, Que estas são já dos gados que não pascem.

Bento.

Muito me contas, já me peza agora, De não me achar presente na contenda. Gonçalo. Se tu cantáras outra cousa fôra.

Bento.

Mas já não pode ter este erro emenda,
De Ignez me peza, que estará queixosa,
Que ia hoje enfeitada de encommenda.

Ella de toda a sorte está formosa.
Vamos que se faz tarde, e fallaremos,
Na tua sorte Gil, que é mais ditosa,

Justo será que aqui della gozemos.
Serraoo. Tambem da minha parte ajudarei.
E eu digo pela minha, que cantemos,
Mas que perca comvosco o que ganhei.

Gil

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Gil.

Serrano.

Gil.

Vira cedo um desengano.

Voltas

Nunca vi desenganado,

De seu mal tão satisfeito,

Já fallei como sujeito,

E agora como aggravado.

Quem te conhecêra outro anno,
Como te estranhara agora.

Serrano. Amor trocou-me n'uma hora,

Gil.

N'outro a elle o desengano.
Podes tomar em vingança

A

que ella tomou de ti.
Serrano. Fôra vingar-me de mim,
Vingar-me n'outra mudança.
Mil vezes ouvi Serrano,
Quem se muda se melhora.
Serrano. Pois isso fez Leonora,

Gil.

Melhorou-se com meu damno.

Gil.

Pragueja-se pela aldeia,
Que o teu mal foi sua inveja.
Serrano. Gil, de tudo se pragueja,
Como seja cousa alheia.
E ainda encobres, Serrano,
As culpas de Leonora.

Gil.

Gil.

Serrano. Por lhe não pagar agora,
Com culpas um desengano.
Então que termo e cautela,
Has de ter com os que te vem.
Serrano. Mostrar que lhe quero bem,
Como quero, sem querel-a.
Bem pode dar volta o anno,

Gil.

E uma hora melhor d'outra hora.

Serrano. Não creio tempos já agora,

Que dei fé ao desengano.

Obras Politicas, Moraes e Metricas do insigne Portuguez
Francisco Rodrigues Lobo, Lisboa, 1723.

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A rosada manhã serena desce
Sobre as azas de Zephyro orvalhadas,
Um crystallino aljofar resplandece
Pelas serras de flores marchetadas:
Fugindo as lentas sombras dissipadas
Vão em subtil vapor, que se converte
Em transparentes nuvens prateadas.
Saúdam com sonora melodia
As doces aves na frondosa selva
O astro, que benefico alumia
Dos altos montes a florida relva!
Uma a cantiga exprime modulada
Com suave gorgeio, outra responde
C'os brandos silvos da garganta inflada;

P

Como os raios partindo do horisonte
Ferem brilhando com diversas côres
As claras aguas da serena fonte.

Salve, benigna luz, que os resplandores,
Qual perenne corrente crystallina,
Que do viçoso prado anima as flores,
Diffundes da celeste azul campina
Vivificando a lassa natureza,
Que no seio da noite tenebrosa
O moribundo somno tinha preza.

Como alegre desperta, e radiosa,
De encantos mil ornada se levanta,
Qual do festivo leito a nova esposa!
A mesma annosa, carcomida planta
C'o matutino orvalho reverdece.
A humida cabeça ergue viçosa
A flor, que rociada resplandece,
E risonha perfumes vaporando
Embalsamando vae o ar sereno.
De mil insectos um volatil bando
Errando gira pelo prado ameno,
E com brando sussurro de alegria
O astro louva do nascente dia.
Um verdejando voa, e reverbera
Da esmeralda o reflexo scintillante:
Em outro brilha da estrellada esphera
A bella côr azul; outro douradas
Mostra as ligeiras azas delicadas.
A formosa plumagem sacudindo
O suberbo pavão do bosque espesso,
Respirando alegria, vem saindo,

Da luz os novos raios vae buscando,
Do Iris representa as varias côres
Da longa cauda um circulo formando:
Volta a cabeça de um, e de outro lado,
Por vêr brilhar os tremulos reflexos,
Que nas pennas lhe accende o Sol dourado.
Resplandecente Aurora, mãe do dia,
Que vens de frescas rosas coroada,
Encher o vasto mundo de alegria! 1

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