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Dos tabescentes, lividos cadaveres
Nas cruzes pelos atrios; a viuva
Gemendo além, carpindo o orphão; -e o torvo
Aspecto, o feroz riso dos ministros
Do tyranno, apupando com motejos
As sanguentas cabeças dos mais nobres,
Mais illustres varões que Roma tinha,
E que hasteadas em triumpho hediondo
De atroz pompa levavam...Vista horrivel!
E.... inda mais de indignar! e mais ainda
As trementes entranhas me excitava,
O ver, o ouvir as turbas circumstantes
Devorando seus tremulos gemidos,
Disfarçando,-cubrindo a face pallida,
Que lhes não vissem a furtiva lagrima!
E a mão, que stringir devia o ferro,
E que talvez segura no mais rijo
Da batalha o brandira,mal ousava
De ir, co'a orla da toga, a medo e trépida,
Aos olhos que alma timida arrasava

De feminino pranto...O que é o povo!
O que são homens! Hontem expulsastes
A Coriolano porque ousou negar-vos
Os baldios communs: hoje fugindo
Abandonaes á furia dos patricios

Graccho que vol-os dava!-E agora...O intimo (276)
D'alma joven, ardente me anciava

C'o spectaculo feio e vil. «E como

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(Disse a meu pedagogo) como em Roma ́
«Não ha quem mate Sylla?» -«Não (me torna
Branco de medo o velho), não; detestam-n'o:
Mas temem-n'o inda mais. »«E porque (cégo
De ira lhe respondi) porque uma espada
«Me não dás, que o vou eu matar―e livro
« A patria? A grande custo me conteve,
E me levou d'alli o ancião prudente;

Nem lá voltamos. - Vinha de bom animo

A tenção: mas que importa! Mario ahi estava (277) Para inutilizar o feito ardido,

Se meu infante braço o executára.

Marco-B.

Catão.

-Ah! que fructo da patria ao bem resulta
Com lhe ficar um despota de menos?
Vanglorioso do golpe que vibraste,
Cuidas que o monstro feneceu com elle?
Enganas-te: as cem frontes dessa hydra
De seu proprio veneno reproduzem ;
Por uma que decepas, mil te surgem;
Mal, que julgavas ter de todo extincto,
Então se aggrava mais.

Que! socegados
Veremos engolphar no abysmo a patria,
E tranquillos no meio da procella,
Vel-a-hemos assim ir-se affundando
No mar da escravidão! Anciada embora
Supplices mãos estenda aos filhos caros;
Que os virtuosos filhos não se atrevem
A perpetrar o crime de salval-a.....
É virtude confesso-que me admira,
Que jamais conheci.

Na tua idade

Respeitam-se os anciões, ouve-se e apprende-se.
Mancebo, escuta:-Libertar a patria,

E dar pelo resgate a propria vida,
Não é mais que dever: grande heroismo,
Acções de gloria, nisso não as vejo:

O homem que assim obrou foi homem de honra,
Cumpriu sua obrigação. Mas outros meios
Tem de empregar mais certos, mais seguros,
Quem se abalança a empreza tão difficil,
Se baldos não quer ver cuidado e riscos.
Desaffogar a patria de um tyranno,
É transitorio allivio: empêora a miúdo
Co'esse remedio o mal; tens cem tyrannos
Em vez de um: nem talentos nem virtudes
Occuparão, no Estado, o grau supremo
Entre vis demagogos repartido

Por facções, por subornos, peitas, crimes.
Tincta era em sangue a purpura,

era ferreo

O sceptro do tyranno: mas as togas
Dos Decemviros!... tinge-as cruor negro,

E pallidos venenos as mosqueam
De nodoas, que revêem torpeza, infamia,
Flagicios! Que lucrámos na mudança
Perigosa? os Proconsules os mesmos
Peculadores; servos os Tribunos,
E facciosos; avara e perdularia

A questura, roubando o derradeiro

Sestercio ao povo, a ultima drachma ao Erario;
Os Pretores vendendo em hasta publica(278)
A justiça;--em fim todo o mesmo vicio,
A mesma corrupção,-mais desfaçada,
Mais clara só, mais despejada. E é esta,
É esta a liberdade que nos déstes!

E são estas, Decemviros, as tabuas
Da promettida lei, que tanto tempo
Levaram a gravar!-Veio Appio Claudio
Fazer chorar em Roma por Tarquinio... (279)

Se queres libertar-nos corta rijo,
Corta pela raiz a tyrannia,
Cerceando por abusos, profundando
Nas fistulosas ulceras do Estado,
E levando c'o balsamo o cauterio
Ao mais solapado-onde a peçonha
Do arraigado cancro tem nascença.
Depois o faxo da razão accende

(Pausa)

Com mãos puras e limpas de interesse..
Puras!-que em dextra sordida essa teia
É labareda sem clarão,-- que abraza
Sem dar luz queima e rapida devora
Antes que um só vislumbre rompa as trevas,
Que, em vez de dissipar, deixou mais crassas.
-Com elle, co'esse faxo luminoso

A teus concidadãos mostra a vereda
Que ao alcaçar conduz da liberdade,
Não coroado de espolios sunguinosos
Mas puro todo e candido como ella.
Salva-os das convulsões, da crise horrivel
Que as populares commoções arrastram;
Moderação e paz reine em teus labios;

Generoso perdoa, austero pune,
Mas pelo orgão da lei, mas só com ella.
Os pendões hastear da Liberdade
Nas ameias da horrifica Discordia,
Grito amotinador alçar aos povos
Para os deixar no cahos da anarchia
Mutuamente e ȧ porfia destruir-se,
É querer lacerar o seio à patria
Sem jámais a salvar.

Obras de João Baptista de Almeida Garrett (Visconde de
Almeida Garrett), Lisboa 1840-Tom. 2.o, pag. 146.

ACTO V

Scena II

Catão

Consolaste-me, Socrates:-não morre (280)
Com este corpo o espirito que o anima.
Já me não prendem duvidas; fujamos
Do vil carcere: a morte só é termo

Da vida, da existencia não... No intimo.
D'alma o pôz Deus, o sentimento vivo
Da eternidade. Este viver continuo
D'esp'ranças, este anciar pelo futuro,,
Este horror da aniquilação, e o vago
Desejo de outra vida mais ditosa,
O que são?-Indistinctas, mas seguras,
Reminiscencias de perdida patria,

E saudades de voltar a ella.

Ver-te-hei, mansão dos justos!...-O sepulchro

Não é jazigo, é estrada.—Convenceste

A minha alma, Platão: hei de encostar-me
Tranquillo e repousado no atahude,
Como viajante reclinado á poppa
Da galé que em bonança vae singrando
Com brandos ventos para o porto amigo.

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COMEDIA

THEATRO NOVO (281)

Scena VI

Aprigio Fafes, Aldonsa e Branca (filhas de Aprigio), Arthur Bigodes (Mineiro), Jofre Gavino (Musico e Mestre de Aldonsa), Inigo (Actor), Gil Leinel (Poeta), Braz (Licenciado), Monsieur Arnaldo (Architecto).

Aprigio.

Gil.

Sentemo-nos, Senhores:

Que grave tribunal! Que majestoso!
Mal sabe o mundo agora, que pendente
Deste conclave está o seu destino.
Oh! quanto, amada patria, quanto deves
A teu bom cidadão Aprigio Fafes,
Suando, e tressuando por salvar-te
Do pelago profundo da ignorancia,
Onde pobre jazias, atolada

Entre pessimos dramas corriqueiros!
Deste cano real hoje te saço,

Qual sáca o gandaeiro um prego torto
D'entre os chichelos velbos da enxurrada.
Senhor Aprigio Fafes, isto é tarde,

E eu tenho que fazer: vamos ao ponto.
Aprigio. Sim, Senhor, sim, Senhor: o caso é este:
E bem o sabeis vós ha quanto tempo
Que eu desejo fundar um bom theatro:
Agora que a Fortuna me depara
Feliz occasião de executal-o
Com o favor, alli, de meu Compadre,
É preciso ajunctar a sarabanda,
Repartir os papeis, e escolher obra,
As vistas ideiar, e celebrarmos
Com solemne escriptura este contracto.
Senhor Aprigio Fafes, o theatro
Depende, mais que tudo, do Poeta:

Gil

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