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A que novos désastres determinas
De levar estes reinos, e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas,
Debaixo d'algum nome preeminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometterás? Que historias?
Que triumphos? que palmas? que victorias!

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Mas ó tu, geração daquelle insano, (9)
Cujo peccado, e desobediencia

Não somente do reino soberano.

Te pôz neste desterro e triste ausencia,

Mas inda d'outro estado mais que humano,

Da quieta, e dá simples innocencia
Da idade d'ouro, tanto te privou,

Que na de ferro, e d'armas te deitou;

XCIX

Já que nesta gostosa vaidade
Tanto enlevas a leve phantazia;
Já que á bruta crueza, e feridade
Puzeste nome, esforço e valentia;
quantidade
O desprezo da vida, que devia

Já que prézas em te

De ser sempre estimada, pois que já
Temeu tanto perdel-a quem a dá; (10)

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Não tens juncto comtigo o Ismaelita, apoi surg
Com quem sempre terás guerras sobejas?id
Não segue elle do Arabio a lei maldicta, (11)
Se tu pela de Christo só pelejas?
Não tem cidades mil, terra infinita,
Se terras e riqueza mais desejas?
Não é elle por armas esforçado,
Se queres por victorias ser louvado?

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CI

Deixas criar ás portas o inimigo
Por ires buscar outro de tão longe,
Por quem se despovoe o reino antigo,
Se enfraqueça, e se vá deitando a longe?
Buscas o incerto, e incognito perigo,
Porque a fama te exalte, e te lisonge,
Chamando-te senhor, com larga cópia,
Da India, Persia, Arabia è da Ethiopia?

CII

Oh! maldicto o primeiro que no mundo
Nas ondas vela poz em sêcco lenho!
Digno da eterna pena do profundo,
Se é justa a justa lei que sigo e tenho.
Nunca juizo algum alto e facundo,
Nem cithara sonora, ou vivo engenho,
Te dê por isso fama, nem memoria,
Mas comtigo se acabe o nome e a gloria!

CIII

Trouxe o filho de Jápeto do Ceu

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O fogo, que ajunctou ao peito humano;
Fogo, que o mundo em armas accendeu,
Em mortes, em deshonras, grande engano! (12)
Quanto melhor nos fora, Prometheu,,
E quanto para o mundo menos damno,...
Que a tua estatua illustre não tivera
Fogo de altos desejos, que a movera!

CVI

Não commettêra o moço miserando
O carro alto do pae, nem o ar vazio
O grande architector co'o filho, dando

Um nome ao mar, e o outro fama ao rio. (13)
Nenhum commettimento alto e nefando,

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Por fogo, ferro, agua, calma, e frio,
Deixa intentado a humana geração.
Misera sorte! estranha condição!

1

O mesmo-Pag. 154.

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NARRAÇÕES

OS LUZIADAS

CANTO III

Morte de D. Ignez de Castro

CXX

Estavas, linda Ignez, posta em socêgo,
De teus annos colhendo doce fruito,
Naquelle engano da alma ledo e cego,
Que a fortuna não deixa durar muito;
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus formosos olhos nunca enxuito,
Aos montes ensinando, e ás hervinhas
O nome que no peito escripto tinhas.

CXXI

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Do teu Principe alli te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus formosos se apartavam;
De noite em doces sonhos, que mentiam,
De dia em pensamentos, que voavam;-
E quanto em fim cuidava, e quanto via,
Era tudo memorias de alegria.

CXXII

De outras bellas senhoras, e Princezas,
Os desejados thalamos engeita;

Que tudo em fim, tu puro amor, desprezas,
Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas
O velho pae sisudo, que respeita,
O murmurar do povo, e a phantasia
Do filho, que casar-se não queria;

CXXIII

Tirar Ignez ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso;
Crendo c'o sangue só da morte indina
Matar do firme amor o fogo acceso.
Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande pêso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra uma fraca dama delicada?

CXXIV

Traziam-na os horrificos algozes.
Ante o Rei, já movido á piedade;
Mas o povo com falsas, e ferozes,
Razões à morte crua o persuade.
Ella com tristes, e piedosas vozes,
Saídas só da magoa, e saudade
Do seu Principe, e filhos, que deixava,
Que mais que a propria morte a magoava;

CXXV

Para o Ceu crystallino alevantando
Com lagrimas os olhos piedosos;

Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos;

E depois nos meninos attentando,
Que tão queridos tinha, e tão mimosos,
Cuja orphandade como mãe temia,
Para o avô cruel assim dizia:

CXXVI

Se já nas brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel de nascimento;
E nas aves agrestes, que somente
Nas rapinas aerias tem o intento,
Com pequenas creanças viu a gente
Terem tão piedoso sentimento,

Como co'a mãe de Nino já mostraram, (14).
E co'os irmãos que Roma edificaram; (15)

CXXVII

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V

Ó tu, que tens de humano o gesto, e o peito,
(Se de humano é matar uma donzella
Fraca e sem força, só por ter sujeito
O coração a quem soube vencel-a)
A estas creaticinhas tem respeito, on
Pois o não tens a morte escura della: 969 9HQ
Mova-te a piedade sua, é minha, iri sont of
Pois te não move a culpa que não tinha."

CXXVIII

E se, vencendo a Maura resistencia,

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A morte sabes dar com fogo e ferrojo de
Sabe tambem dar vida com clemencia
A quem para perdel-a não fez erro.
Mas, se to assi merece esta innocencia, ⠀
Põe-me em perpetuo e misero destêrro,
Na Scythia fria, ou lá na Libya ardente, (16)
Onde em lagrimas viva eternamente. sut)

CXXIX

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Põe-me onde se use toda a feridade,
Entre leões e tigres, e verei
Se nelles achar posso a piedade,
Que entre peitos humanos não achei.
Alli co'o amor intrinseco, e vontade
Naquelle por quem mouro, crearei
Estas reliquias suas que aqui viste,
Que refrigerio sejam da mãe triste.

Queria perdoar-lhe o Rei benino, 24 ij 92 Movido das palavras que o magoam;

Mas o pertinaz povo, è seu destino,

Que desta sorte o quiz, lhe não perdoam.
Arrancam das espadas de aço fino

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Os que por bom tal feito alli pregoam.! Contra uma dama, o peitos carniceiros,om Feros vos amostraes, e cavalleiros!

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