Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

De donde ao lado opposto a aljava desce.
N'um cavallo da côr da noite escura
Entrou na grande praça derradeiro
Tantú-Guaçú feroz, e vem guiando
Tropel confuso de cavallaria,
Que combate desordenadamente.
Trazem lanças nas mãos, e lhes defendem
Pelles de monstros os seguros peitos.

.Não faltava

Para se dar principio á estranha festa,
Mais que Lindoya. Ha muito lhe preparam,
Todas de brancas pennas revestidas,
Festões de flores as gentis donzellas.
Cansados de esperar, ao seu retiro
Vão muitos impacientes a buscal-a.
Estes da crespa Tanajura aprendem
Que entrára no jardim triste e chorosa,
Sem consentir que alguem a acompanhasse.
Um frio susto corre pelas veias

De Caitutú, que deixa os seus no campo;
E a irmã por entre as sombras do arvoredo
Busca co'a vista, e treme de encontral-a.
Entram em fim na mais remota e interna
Parte de antigo bosque, escuro e negro,
Onde ao pé de uma lapa cavernosa
Cobre uma rouca fonte, que murmura,
Curva latada de jasmins e rosas.
Este logar delicioso e triste,
Cansada de viver, tinha escolhido
Para morrer a misera Lindoya.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um funebre cypreste, que espalhava
Melancolica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo-
Verde serpente, e lhe passeia e cinge
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim sobresaltados,

E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamal-a, e temem
Que desperte assustada e irrite o monstro,
E fuja e apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caitutú, que treme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quiz tres vezes
Soltar o tiro, e vacillou tres vezes
Entre a ira e o temor. Em fim sacode
O arco, e faz voar a aguda setta,
Que toca o peito de Lindoya, e fere
A serpente na testa, e a boca e os dentes
Deixou cravados no visinho tronco.
Açouta o campo co'a ligeira cauda

[ocr errors]

O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cypreste, e verte envolto
Em negro sangue o livido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindoya
O desgraçado irmão, que ao despertal-a
Conhece, (com que dôr!) no frio rosto
Os signaes do veneno, e vê ferido
Pelo dente subtil o brando peito.
Os olhos, em que amor reinava um dia,
Cheios de morte; e muda aquella lingua,
Que ao surdo vento e aos échos tantas vezes
Contou a larga historia de seus males.
Nos olhos Caitutú não soffre o pranto,
E rompe em profundissimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trèmula gravado
O alheio crime, e a voluntaria morte.
E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pallido semblante
Um não-sei-que de magoado e triste,
Que os corações mais duros enternece.
Tanto era bella no seu rosto a morte!
Indifferente admira o caso acerbo
Da estranha novidade alli trazido

[ocr errors]

O duro Balda; se os Indios, que se achavam

Corre co'a vista e os animos observa.

Quanto póde o temor! Seccou-se a um tempo
Em mais de um rosto o pranto; e em mais de um peito
Morreram suffocados os suspiros.

Ficou desamparada na espessura,

E exposta ás feras e ás famintas aves,

Sem que alguem se atrevesse a honrar seu corpo !
De poucas flores e piedosa terra.

O Uraguay, por João Basilio da Gama-1845-pag. 40 e 51.

CARAMURÚ (41)

CANTO I

Preparativos para o sacrificio dos companheiros de Diogo Alvares, que se livram caindo em poder do chefe Sergipe, o qual fazia guerra a Gupeva, que reinava nas aldeias da Bahia.

LXXV

Já numerosa turba ás praias vinha,
E os seis levam ao corro miserando,
Onde a plebe cruel formada tinha
A pompa do espectaculo execrando:
E mal a gente bruta se continha,

Que em quanto as tristes mãos lhe vão ligando
No humano corpo pelo susto exangue

Não vão vivo sorvendo o infeliz sangue.

LXXVI

Qual se da Lybia pelo campo estende
O mouro caçador um leão vasto,
Em longa nuvem devoral-o emprende
O sagaz corvo sempre attento ao pasto,
Negro parece o chão; negra, onde pende
A planta, em que do sangue explora o rasto;"
Até que avista a presa, e em chusma vôa,
Nem deixa parte, que voraz não rôa.

LXXVII

Tal do caboclo (42) foi a furia infanda, E o fanatismo, que na mente o cega, Faz que tendo esta acção por veneranda, Invoque o grão Tupá, (43) que o raio emprega: No meio vê-se que em mil voltas anda, O eleito matador, como quem prega A brados, exhortando o povo insano A ensopar toda a mão no sangue humano.

LXXVIII

Á roda, á roda a multidão fremente
Com gritos corresponde á infame ideia;
Em quanto o fero em gesto de valente
Bate o pé, fere o ar, e um páu maneia:
Ergue-se um e outro lenho, onde o paciente
Entre prisões d'embirra se encadeia;
Fogo se accende nos profundos fossos,
Em que se torrem com a carne os ossos.

LXXIX

Dentro de uma estacada extensa e vasta, W
Que a numerosa plebe em torno borda,
Entram os principaes de cada casta

Com bellas plumas, onde a côr discorda:
Outros, que a grenha tem com feral pasta
Do sangue humano, que ao matar trasborda,
Os nigromantes são, que em vão conjuro
Chamam as sombras desde o Averno escuro.

LXXX

Companheiras de officio tão nefando
Seguem de um cabo a turma, e de outro cabo
Seis turpissimas velhas, aparando

O sangue sem um leve menoscabo:
Tão feias são, que a face está pintando
A imagem propriissima do Diabo;
Tincto o corpo em verniz todo amarello,

Rosto tal, que a Medusa (44) o faz ter bello.

LXXXI

Tem no collo as crueis sacerdotisas,
Por conta dos funestos sacrificios,
Fios de dentes, que lhes são divisas,
De mais ou menos tempo em taes officios:
Gratas ao Ceu se crem, de que indivisas
Se inculcam por tartareos maleficios;
E em testemunho do mister nefando,
Nos seus cocos com facas vem tocando.

LXXXII

1

Quem pode reputar, que dôr traspassa
A miseranda infausta companhia,
Vendo taes feras rodeiar a praça,
Que o sangue com os olhos lhe bebia?
Vêr que os dentes lhe range por negaça,
Senão é que os agita a fome impía,
E dizer lá comsigo: «Em poucas horas
<< Sou pasto destas feras tragadoras ».

LXXXIII

Mas põe-lhe a vista o Padre omnipotente,
Da desgraça cruel compadecido;

E envia um anjo desde o Ceu clemente,
Que deixe tanto horror desvanecido:
E faça que o espectaculo presente
Venha por fim a ser sonho fingido;

[ocr errors]
[ocr errors]

1

Que quem recorre ao Ceu no mal que geme,
Logo que teme a Deus, nada mais teme,

LXXXIV

Seis então dos infames nigromantes
Lançaram mão das victimas pacientes,
E a seis lenhos fataes, que ergueram d'antes,
Atam crueis as mãos dos innocentes:
Postos no Ceu os olhos lagrimantes
Com lembrar-se das penas vehementes,
Que soffreu Deus na cruz, nelle fiados
Pediam-lhe o perdão dos seus peccados.

{ !

« VorigeDoorgaan »