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§ 7. Suposta prioridade de outras viagens.

Restaurada assim a viagem tradicional do navio francez e declarada indubitavel a excursão fortuita do capitão normando, veio a certeza do facto sucitar no animo dos escritores francezes a idéa de viagens ao Brazil, anteriormente realizadas por navios da mesma procedencia do Espoir.

Essa pretenção foi buscar suas raizes na leitura da propria narração da viagem do capitão Binot Paulmier.

Com efeito diz elle, que ao seu commetimento precedêram viagens feitas alguns annos antes (dempuis aucunes années) por Diepezes, Maloinos, e outros Normandos e Bretões.

Daqui inferem esses escritores terem vindo patricios seus ao Brazil no principio do anno de 1500, ou antes, precedendo assim o aparecimento de Francezes nas costas d'America meridional aos navegantes espanhoes Vicente Pinzon e Diogo de Lépe, e ao almirante portuguez Pedro Alvares Cabral.

Armando d'Avezac, no seu trabalho concernente á relação autentica da viagem do Espoir, diz:

<< Não é destituido de interesse para a istoria observar, que de alguns annos para cá antes de Junho de 1503, supõe pelo menos tres annos de antecedencia: o que demonstra, que os nossos navios iam desde a primeira metade do anno de 1500, quando menos, buscar no Brazil madeira de tinturaria. »>

Não ficou a idéa sem ampliação e commentario; e um notavel professor de Dijon, oje nosso consocio, procurou sustentar a supozicão assim aventada, e a dezenvolven já em suas preleções catedraticas, e já na obra publicada sob o titulo Istoria do Brazil francez.

O autor d'esta obra, o Sr. Paulo Gafarel, extende o orizonte dos descobrimentos francezes, xegando a desfazer a idéa de ser Cristovão Colombo o descobridor da America, quando considera como realidade a viagem do seu compatriota João Cousin ao Brazil em 1488.

Intenta o ilustrado professor provar, que em 1488 alguns negociantes da cidade de Diépe armárão um navio, que sob o commando de João Cousin, notavel marinheiro normando, se aventurára aos mares e viera ter ao Brazil, donde regressára á França, depois de tocar na costa d'Africa para carregar generos mercantis.

O professor dijonense, sustentando esta e outras navegações francezas ao Brazil ou á America meridional, não desconhece a dificuldade da téze, quando não existe prova autentica e diréta de taes acontecimentos.

Não aparecem os roteiros das viagens; não ha pois certeza d'ellas, nem pormenores da sua execução: só ha conjeturas, que não suprem os factos.

Pretende elle, que o capitão Binot Paulmier tivera por antecessores da navegação do Brazil:

1.o João Cousin ;

2. Varios navegantes autores de viagens clandestinas.

§9.-Navegação de João Cousin.

Diz o nosso citado consocio, que o navegante francez João Cousin, partindo em 1488 para a sua expedição, entrára no Atlantico, e para evitar as frequentes tempestades da costa d'Africa aproveitára os ventos largos, e lançára-se em pleno oceano, donde, n'altura dos Açores, fôra arrastado a oéste por uma corrente marinha, aportando em terra desconhecida perto da embocadura de um rio immenso.

Para firmar este facto o autor considera-o possivel geografica e istoricamente; e assim o estabelece como verdadeiro.

O autor considera o facto geograficamente possivel, porque a tradição Uliepêza, segundo elle diz, funda-se com efeito no cazo de uma corrente pelagica, que deveria ter levado João Cousin ao continente americano. Ora (diz elle) essa corrente existe: ao largo dos Açores nace em pleno oceano um rio maritimo, que dirige-se ao oéste para as costas do Brazil, sóbe ao norte, contorna o

golfo do Mexico, sae pelo estreito de Bahama, e espraia-se na direção da Europa.

Istoricamente elle considera possivel a viagem, porque é constante, que os Diepezes empreenderam avançadas expedições na costa d'Africa; e assim podiam alcançar a corrente, e ser levados ao Brazil.

Mas porque um facto é possivel, segue-se, que elle existio? Porque realmente existe essa grande corrente no Atlantico, e porque os Diepezes fizeram viagens na costa d'Africa, segue-se, que João Cousin ahi veio, envolveu-se na corrente maritima e xegou ao Brazil ?

Certamente ninguem o afirmará; apenas diremos todos, que a couza era possivel; mas não estando o facto firmado em prova direta da sua existencia, o não devemos admitir como real e istorico.

O proprio propugnador da existencia da viagem de João Cousin ao Brazil formalmente o diz: << Não existe prova alguma autentica d'essa viagem; nenhum documento oficial conservou a narração. »

N'estas circunstancias sustentar a viagem de João Cousin ao Brazil em 1488 só pela possibilidade d'ella, é o mesmo, que sustentar que Fenicios e Cartaginezes descobriram o Brazil antes da éra cristan, só porque a corrente oceanica existia, e esses antigos povos navegaram na costa d'Africa, e podiam ser arrastados para oéste até as nossas plagas.

A viagem de João Cousin sae pois da ordem dos factos istoricos, para divagar no campo das conjeturas.

O proprio Paulo Gafarel o declara, quando assim se exprime Reconhecendo não serem ainda assás solidas as provas de prioridade d'esta viagem (de João Cousin), confessemos todavia, que esse problema geografico merece discussão especial. »

Na Istoria Universal por Cezar Cantu, reformada e acrecentada por Antonio Ennes, lê-se o seguinte:

<< Modernamente pretendeu-se provar, que um certo João Cousin, de Diépe, empreendeu uma longa viagem, descobrio em 1488 o rio Amazonas, e voltou no anno seguinte, tendo tocado n'Africa; esta viagem porém e

estes descobrimentos não lograram a onra de entrar como realidades nos fastos da siencia. »

§ 10.-Viagens clandestinas.

Afirma o nosso consocio já citado, que depois de João Cousin e antes de Binot Paulmier, realizaram-se varias viagens ao Brazil empreendidas por navios fran

cezes.

Mas donde constam ellas? De mera possibilidade.

Com efeito assim como era possivel a João Cousin vir ao Brazil, assim tambem o era a outro qualquer navegante. Logo as viagens se fizeram.

Não precizamos insistir no vicio de tal modo de escrever a istoria.

Para bazear as suas asserções afirmativas das viagens clandestinas ao Brazil, o autor da obra destinada a sustental-as procura explicar a falta de noticias d'essas antigas expedições nauticas por duas ordens de considerações deduzidas de duas cauzas, isto é, negligencia dos istoriadores, e silencio propozital dos viajantes.

Pelo que respeita á negligencia dos istoriadores, diz elle, que estes unicamente preocupados com façanhas, batalhas, e negociações dos seus soberanos pouco se importavam com essas viagens de obscuros negociantes, ou com descobrimentos, que não traziam aumento ao immediato poderio dos reis.

Assim as cronicas e annaes d'esses tempos omitem a menção das viagens feitas ao Brazil, movidas unicamente por interesses do commercio particular.

Emquanto ao silencio propozital dos viajantes ou negociantes francezes, pensa elle, que estes não divulgavam as suas excursões para evitar ostilidades por parte das duas nações, Portugal e Espanha, entre as quaes avía o poder pontificio distribuido a propriedade das terras descobertas no novo mundo.

<< D'este modo (diz o ilustre professor) explica-se pela indiferença dos istoriadores oficiaes, e pela abstenção dos nossos maritimos, a auzencia de informações precizas

sobre as nossas navegações ao Brazil n'este periodo (de João Cousin a Binot Paulmier). Estas expedições todavia fizeram-se foram numerozas e quazi regulares. »

Taes são as palavras formalmente afirmativas do autor da Istoria do Brazil francez, assegurando a existencia das viagens clandestinas dos seus compatriotas ao Brazil.

As provas oferecidas pelo mais esforçado sustentador da vinda de Francezes ao Brazil antes de 1504, isto é, antes da expedição do navio Espoir, não passam de conjeturas.

Procedem porém essas conjeturas? Não as julgamos valiozas e capazes de estabelecer, como factos, aquillo que poderia acontecer, mas que não está comprovado ter sucedido.

O descuido dos istoriadores não é admissivel, quando observamos, que os cronistas d'esses tempos são minuciozos, e não omitem factos de somenos importancia; para convencer-nos do que basta lêr as cronicas de João Froissard: não suprimiriam pois esses cronistas factos, que contribuiam para a fama e gloria do seo paiz, quaes eram os descobrimentos longinquos.

Nos primeiros dias do axamento da America por Cristovão Colombo excitou-se o mundo europeo com a noticia do grande sucesso, e os povos entráram em competencia de viagens para novos descobrimentos não é pois crivel, que os istoriadores francezes por mera negligencia omitissem nas suas obras a menção de viagens a paizes remotos, reputando-as sem valor algum, e indignas de commemoração.

A suposta falta de documentos autenticos atribuida ao propozito dos negociantes não é mais aceitavel; porquanto, sendo obrigatoria a entrega dos diarios nauticos das viagens de longo curso nos archivos reaes, esses do cumentos ahi existiriam, si taes viagens se tivessem feito; e no correr dos tempos ahi seriam encontrados, como o foram os das viagens subsequentes á de 1503 do capitão do Espoir.

João Baptista Ramuzio na sua coleção de navegações e viagens (Raccolte delle navigazioni e viaggi),

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