Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

NOTAS AO LIVRO IX.

As melhores passagens sam a metamorphose das naus em nymphas, o episodio de Euryalo e Niso, e o último combate de Turno. A metamorphose contêm-se em 47 versos; o episodio, em 321; o combate, ein 128: mais da metade do livro. Se a isto ajuntarmos o ensaio de Ascanio em matar a Numano, a comparação de Turno com o Nilo, os outros seus combates, as façanhas de Pândaro e Bicias, a resistencia de Mnestheu, e os dotes do estilo, he este nono igual aos mais gabados.—Mr. Amar, traductor dos quatro últimos, observa: «Os dous livros precedentes prepararam os successos vindouros. Todo o Lacio está em armas; vai reapparecer Enéas, com numerosos auxiliares; mas quanto se passa em ausencia realça o interesse da sua volta. Turno e seu conselho de guerra lançaram mão de uma circumstancia favoravel; e o poeta aproveita-se della para abrir campo ao valor do rei dos Rutulos, e nos mostrar o digno rival que tem de disputar ao heroe troiano Lavinia e o sceptro de Italia. Assim, bem que só neste livro Enéas deixe de apparecer em pessoa, elle o enche inteiro por esta mesma ausencia: he a de Achilles, na Iliada. Tudo se lhe refere necessariamente, como a um centro unico, donde parte o movimento geral. » A estas reflexões accrescento que ha notavel differença na ausencia dos dous heroes: a què teve lugar pela colera de Achilles, he damnosa aos seus; esta, a que a prudencia de Enéas o obrigou, decidiu a victória.

[ocr errors]

176-502. 173-493. Passo a metamorphose das naus, guardando-me para as notas ao livro x. Mas fallarei das censuras parciaes ao sobre-excellente episodio de Euryalo e Niso. A principal he que os dous exercem uma carnificina inutil; o que mal assentava sôbre tudo em Euryalo, a quem o poeta pinta meigo e terno. Mas no coração humano cabem sentimentos bem diversos: Euryalo, tam piedoso para com sua mãe, tam fiel e dedicado amigo, sendo alumno e filho de um guerreiro, tendo vivído sempre entre armas, estava habituado a considerar como lícito o mal feito ao inimigo; e o ardor da idade o levava a pensar que exterminar os chefes e soldados contrarios, era uma obra meritoria e heroica. Chateaubriand faz sobresahir estes sentimentos oppostos, quando nota que as mulheres indianas, que tinham chorado e lamentado a Chactas, mostravam-se ao depois duras na occasião em que o iam sacrificar, não considerando já nelle o homem, porêm só o inimigo. Euryalo fazia quasi o mesmo, porque o fanatismo de partido suffoca em nós a humanidade; e as idéas daquelle tempo sobre o direito da guerra

não eram tam razoaveis como as do nosso; se bem que a melhoria dos modernos he as mais das vezes antes em theoria que na execução. Ha outra censura mais forte: como puderam os dous fazer tanta mortandade? era possivel que estivesse dormindo todo o exército latino? Com effeito he difficil de conceber que elles tanto obrassem impunemente; mas não he mister suppôr que dormisse todo o exército : basta que dormisse a porção do lado que Euryalo e Niso guardavam; e por elles terem visto as fogueiras extinctas por aquella banda, he que suspeitaram que dalli os Rutulos dormiam.

Concedido o defeito apontado, esta he tenue mancha em uma composição onde Virgilio provaria o seu immenso talento para a tragedia, se já o não tivesse mostrado no livro Iv.- Escuso espicificar bellezas que tem sido analysadas pelos autores que allego, e por muitos outros; mas em resumo direi algumas, para que o leitor as observe. A pintura dos chefes, encostados em suas lanças, de broquel no braço, deliberando no meio do campo; a chegada repentina dos mancebos; a exclamação do velho Aletes; o sublime discurso de Ascanio; a recommendação de Euryalo em favor de sua mãe, e a promessa do mesmo Ascanio; os presentes que os varões fazem aos dous jovens; as adequadas comparações; mais que tudo, a catastrophe com as differentes peripecias, e a dôr e desespero da mãe de Euryalo, sam da mais elevada poesia. Bem se vê que Virgilio aproveitou a lição dos tragicos gregos, a quem tanto admirava. - Nos versos da traducção 204-206 ha uma construcção que fórra palavras, a exemplo de Ferreira, e do moderno Garção: o nosso Moraes a explica no epitome de grammatica, pag. 22 da edição de 1831.

665.

654.

[ocr errors]

Amenta eram certas lanças com uma corrêa que as ligava veja-se a nota de La Rue. Adoptei o termo, porque não temos equivalente em analago sentido o adoptaram os Castelhanos, cuja lingua, como irmã filha da romana, tem com a nossa tanta relação. De direi passagem ha que en París um professor de nomeada que, ignorando o portuguez, ensina que este he uma corrupção do hespanhol ! A presumpção de saber o que não se estuda pode gerar ainda maiores paradoxos.

[ocr errors]

789-818. -770-800. A retirada de Turno, depois de se têr mostrado um Achilles, he descripta superiormente: o simile com o leão que, perseguido pelos monteiros, vai recuando lentamente, sem querer fugir, pinta o brio do rei dos Rutulos. A final, acossado pela multidão e por Mnestheu, lança-se ao rio e salva-se a nado, com todas as suas armas. Repare-se porêm que essas façanhas sam em ausencia de Enéas, á vista de quem empalledece Turno, como um astro ao resplendor do Sol.

LIVRO X.

De par em par o omnipotente Olympo,
Concílio o pae divino e rei dos homens
Chama á siderea côrte; excelso as terras
Fita e o campo troiano e os lacios povos.
Sentam-se; elle nas salas bipatentes
A mão tomou : « Celícolas egregios,
Porque, mudados, contendeis iniquos?
Vedei guerra entre os Italos e os Phrygios,
E revéis a soprais? Que medo uns e outros
Compelle ás armas e provoca o ferro?
Não vos anticipeis, que em Roma altiva
Um dia soltará Carthago fera
Exicio grande e os devassados Alpes :
Odios então permitto e o saque e os prelios;
Quero hoje paz, condescendei comigo. »
Breve Jupiter foi; mas Venus linda
Não breve o contestou : « Poder eterno

De humanos e immortaes (pois que outro apoio
Implorar devo?), a rutula insolencia
Notas, padre, e o ruído com que Turno
Campêa tumido em propicio marte:

Vallo ou muralha os Phrygios não resguarda;
Dentro e nos bastiões pelejas travam;
Sangue os fossos inunda. Ausente Enéas
O ignora. O sítio nunca mais levantas?
Ilio nascente os inimigos forçam;
Outro exército avança, e de Arpo etolia
Ameaça os Teucros outravez Tydides.

Certo me aguardam, penso, outras feridas;
Mortaes armas receio, eu prole tua.

[ocr errors][merged small][merged small][merged small][merged small][merged small][merged small][merged small][merged small]

Se a teu pezar estam na Hesperia os Troas,
Não m'os ajudes, seu delicto expurguem;
Se lei cumprem superna e a voz dos manes,
Como inda ha quem transverta as ordens tuas
E reforme o destino? As naus combustas
De Eryx na praia, o rei das tempestades
Cabe allegar na Eolia concitado,
E Iris do céo baixando? Ora até move
(Restava este recurso) o mesmo inferno,
De chofre acima remettendo Alecto,
Que a debacchar a Italia contamina.
Já de imperios prescindo : isso esperamos
Em melhor quadra; vença quem te agrade.
Se, dura aos nossos, tua espôsa nega
Na terra um canto, pelo exicio de llio
Fumante obsecro, do conflicto o neto
Incólume apartar me outorga, ó padre.
Bote-se Enéas por ignotos mares

A' mercê da fortuna: eu valha ao menos
De impio combate a subtrahir Ascanio.
Tenho Idalio, Amathunta e a celsa Paphos,
Mais Cythera, onde obscuro imbelle viva :
Deixa que Tyro atroz a Ausonia opprima;
Elle nada obsta ao punico dominio.
Que monta que, evadido á peste argiva,
Das chammas se livrasse? que, em demanda
Da recidiva Pérgamo, os perigos
De immenso mundo e pélago exhaurisse ?
Porque sob patrias cinzas não ficaram?
Miseros, peço, os rende ao Xantho e Símois;
Tornem, padre, a versar de Troia os casos. »
Juno régia, o rancor não mais contendo :
«Pois a romper e a divulgar me obrigas
A silente ima dôr? Que deus ou que homem
Fez que a Latino o surrateiro Enéas

35

40

45

50

55

60

65

Hostilizasse? A'Italia, fado seja,
Foi-se a impulsos das furias de Cassandra:
Nós o forçámos a largar ä praça,

A vida entregue aos ventos? a um menino
Confiar o commando? a fé tyrrhena

E a paz turbar dos povos? A taes faltas
Qual nume o arrasta, qual dureza nossa?
Iris baixou do céo, entra aqui Juno?

He mao que Ilio nascente as flammas cinjam,
E ao paiz ame Turno, o de Venilia
Deusa nado e tresneto de Pilumno :
Que importa que atro facho Ilio sacuda,
Subjugue o Lacio, alheios campos 'tale!
Que sogros fraude, a noivos tire noivas?
Que armas nas pôpas fixe e o ramo arvore?
Roubar da achiva garra o filho podes,
Por va nevoa trocal-o; a frota em nymphas
Tu podes converter um pouco a Turno
Soccorrermos he crime. Enéas tudo
Ausente ignora: pois ignorè ausente.
Que! tens Paphos, Cythera, Idalio; e tentas
Um chão de guerras prenhe e a peitos feros?
Nós de Ilio os debeis restos subvertemos,
Ou quem miseros Troas contra os Gregos
Assulou?. Foi por nós que o rapto armado
Solvera de Asia e Europa as allianças?

Que o Phrygio adultero espugnara Espartha?
Eu lides fomentei com paixões torpes?
Teu medo então convinha tarde surges
Com injusto queixume e futil bulha. »

:

Juno orava; os celícolas sussurram
Com vário assenso, qual primeiro os sopros
Na mata a murmurar voltêam cegos,
Annúncio da procella ao marinheiro.

Do arbitro poderoso ao grave accento,

[blocks in formation]
« VorigeDoorgaan »