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Mas, deitar-nos a dextra não podendo,
Nem no alcance igualar do Jonio a altura,
Desmarcado urro dá, com que de espanto
Tremeu toda a Trinacria, e o ponto e as ondas;
Do Etna as cavernas oucas remugiram.
Da espessura e montanhas rue e acode
Dos Cyclópes a raça e inunda as praias.
Quedos e em balde a olhar com torvo lume,
Esses etneus irmãos, congresso horrivel!
Mostram-se desferindo aos céos as frontes :
Quaes aerios carvalhos, no mór auge,
Ou cyprestes coníferos topetam,
De Jove em mata ou luco de Diana.
Urge o medo a soltar cabos e vélas,
E ir á feição dos ventos. Mas Heleno
Entre Scylla e Carybdes prohibiu-nos
Seguir a lethal via : á orça o linho,
Toca a virar. Eis Boreas venta amigo,
Do estreito do Peloro: a foz transponho
Do Pantagias aberta em roca viva,
E o sino de Megara e Tapso humilde.
Tendo a costa Achemenides corrido

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Com o Ithaco infeliz, tudo apontava.

Contra o Plemmyrio undoso, ilhota ao golpho

Siculo oppõe-se: a Ortygia dos antigos.

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O Alpheu d'Elide, he fama, aqui rompera
Submarino; hoje mescla-se, Arethusa.
Por tua bôca nas sicanas ondas :
Lembrado, os numes do lugar venero.
Passo do Heloro o pingue alagadiço;
Terra a terra, os penedos do Pachyno
E o saliente cabo. A não mover-se
Fadada, lá nos surge Camarina,

De Gela os campos e a cidade amplissima,
Que do rio que os banha se appellidam.

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O arduo Agragante, gerador outrora

De briosos corséis, de longe ostenta
Gran' muralha. De ti me aparta o vento,
Palmífera Selinis; e traspasso

Os parcéis lilibeus de escolhos cegos;
Drépano desalegre emfim me aloja.
Aqui, repulso á fôrça de borrascas,
Ah! perco o genitor, na angústia e penas
Meu só confôrto: a mim desconsolado
Ai! tu, de riscos mil vamente illeso,
Aqui, óptimo pae, tu me abandonas.
Taes luctos, augurando Heleno horrores,
Não m'os predice, nem a infausta Harpya.
Eis o último trabalho, eis a baliza
De navegações longas. Deste pôrto

Um deus fez-me arribar ás vossas praias.

Assim, tudo em silencio, o padre Enéas
Divinos fados enarrava, e expunha
Tanto peregrinar. Calou-se a ponto,
E, findo o seu dizer, foi repousar-se.

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NOTAS AO LIVRO III.

O livro terceiro, escrito com a logica mais rigorosa, contendo em 718 versos uma variedade estupenda de successos, tanta moral e tantos rasgos sensiveis; o livro terceiro, chamado por criticos. mais imparciaes a Odysséa de Virgilio, tem largamente soffrido injustas censuras de muitos; porque os homens mediocres, por fragilidade da nossa natureza, folgâmos de descobrir faltas nos genios sublimes; e os proprios amigos do poeta inconsideradamente vam abraçando não poucos desses indiscretos juizos. Averiguarei os principaes erros e as críticas mais salientes.

1-9. 1-10.

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tinha

Neste esplendido exordio, como o caracteriza Heyne, julgam alguns intérpretes que o adjectivo desertas he mal escolhido, porque jà Creusa, isto he a sombra de Creusa, dito a Enéas que elle se estabeleceria em terras ferteis e povoadas : esses intérpretes não viram que, antes de se fixar definitivamente na Italia, o heroe, em sua viagem ao princípio incerta, houve de errar por terras desertas e brenhas, na Thracia, nas Strophades, nos sertões da Libya. De mais, como pondera M. Villenave, Enéas, para excitar a compaixão da raínha, oppõe a superbum Ilium o grande contraste de desertas terras. O autor, que justifica o poeta neste ponto, se espanta de que o heroe troiano, emquanto construía a frota, não fôsse perturbado pelos vencedores. Considere-se que naquella epoca, em razão da raridade dos caminhos e communicações, qualquer distancia parecia grande, e que Enéas nas selvas do Ida, sob a protecção de Cybèle, não he inverosimil que se occultasse aos Gregos; os quaes, embebidos na victória, entregando-se ao descanso e aos prazeres anhelados depois de uma guerra prolixa, não cuidaram em perseguir os fugitivos. He todavia este reparo um dos mais plausiveis, e seria sem réplica, se o caso tivesse lugar nos nossos tempos. Quanto á incerta viagem dos Troianos, o mesmo crítico tem por uma inadvertencia do poeta, não só porque o simulacro de Creusa tinha designado a embocadura do Tibre, mas tambem porque Ilioneu em seu discurso a Dido fallara duas vezes da Italia. Se Enéas esqueceu ou não acceitou logo o aviso de Creusa, foi porque tambem Cassandra, como se vê desde o verso 103-187 deste livro, vaticinara o mesmo a Anchises, era mister não se dar pêso ao conselho da sombra que coincidia com o da prophetiza, cujo irrevogavel destino era não ser nunca

acreditada. Pelo que toca ao discurso de Ilioneu, a inadvertencia não he de Virgilio, he sim de Mr. Villenave e dos outros criticos: cumpria-lhes observar que os acontecimentos do livro n e do m sam muito anteriores aos que o poeta canta no primeiro : Dido pede ao heroe a narração inteira das suas aventuras; elle, contando o que se tinha passado ha sete annos, refere tambem a incerteza de pousada com que partiu de Troia; incerteza que tinha cessado com as ordens de Apollo, communicadas em sonhos a Enéas pelas imagens dos deuses, segundo se lê neste livro desde o verso 153-171. Não admira pois que o Troiano, ao tempo que se passava o referido no e ш livros, ignorasse o que se menciona no primeiro. têr Virgilio, á maneira da Odysséa, começado o poema do meio dos acontecimentos, para por via da narração fazer vir o passado, tiram alguns isto como regra infallivel da epopéa; regra na verdade seguida por grande parte dos poetas epicos, mas que deve subordinar-se ás concepções e aos differentes planos do genio.

De

10-12. 10-13. «Todos os Troianos, diz Mr. Tissot, emmudecem, e até as mulheres parecem insensiveis: não saúdam pela última vez os lugares em que foram mães; não cahem de joelhos para invocar, em uma commemoração religiosa, os maridos que repousam no seio da terra natal. » Seria plausivel esta crítica, se minutos antes (convem não esquecer que a narrativa he durante o festim) não tivesse acabado Virgilio de pintar, com as mais tristes e vivas côres, as mães a ulular e a gemer, abraçando e beijando os portaes do palacio que iam largar; scena da qual a imaginação naturalmente se transporta ás casas dos particulares e a toda a cidade em lucto. Havendo assim enternecido os ouvintes e representado a mágoa das Troianas, Enéas, dizendo que chorara ao apartar-se, e que se engolphou com o filho e os socios e os deuses, abandonando os campos onde foi Troia, assás explica a sua dôr e a de todos, em cujo nome falla. Fiel ao systema de concisão e de deixar o ouvinte ou o leitor desinvolver por si o complexo de pensamentos que elle tem o segredo de grupar em sua brevidade, fiou-se no seu nunca igualado campos ubi Troja fuit, crendo com razão que estas quatro palavras tinham a magia de suscitar as demais idéas accessorias na presente situação. O certo he que nenhuma outra move a mais saudade; o que era impossivel se, ou expresso ou facilmente subentendido, não contivesse o essencial para despertar este sentimento.

13-16.

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15-17. «He pena, diz Mr. Tissot, que o poeta só consagrasse tres versos á descripção deste paiz, illustrado por tantas lembranças poeticas. O Hebro, que rolou os restos inanimados do espôso de Eurydice, o Rhodope de nevoas coroado, onde as Amazonas e as Bacchantes celebravam choréas em honra de Baccho,

nem sequer sam mencionados. » Esta crítica he uma cópia do livro iv das Georgicas no episodio de Orpheu. Não devendo o poeta introduzil-o na Eneida, omittiu aqui isso que não podia reproduzir com tanto successo. Alêm de que a repetição teria os ares de um lugar commum, se os criticos o reprehendem por haver na sua epopéa mettido um ou outro verso das Georgicas, o que não discorreriam se elle nesta passagem tivesse copiado um trecho inteiro, que tam formosamente quadra ao plano daquelle poema? He forte mania a de quererem alongar a Eneida! Seu autor he tam recommendavel pelo que exprime, como o he muitas vezes pelo que sabe calar: a precisão he o cunho das suas poesias.

18.

19.

- Traduzi Eneia, e não Enos, porque esta cidade era mais antiga do que a edificada por Enéas, na Thracia. Veja-se o diccionario de Calepino e a nota accurada de Mr. Villenave.

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21.21-22. «Espantam-se os intérpretes de que Virgilio fizesse immolar um touro a Jupiter, quando os antigos convem em que nunca se lhe sacrificava touro ou carneiro. Crê Macrobio que este êrro de Enéas agastou o senhor dos deuses, e produziu o horrivel prodigio aterrador do filho de Venus. Portanto, em vez de enxergar uma falta em Virgilio, descobre um rasgo de ingenho. He abusar um pouco do privilegio da interpretação. » Isto he do citado Mr. Villenave; e eu respondo que condemnar sem exame he abusar um pouco do privilegio de crítico. Se consultasse os commentarios do eruditissimo João de la Cerda, pag. 271 do tom. I, veria que, segundo Herodoto, liv. vi, Demarato sacrificou um touro ao pae dos deuses; que o mesmo fez publicamente Aristides; que Juliano Cesar, na epist. a Libanio, diz: mactavi Jovi regaliter taurum candentem; e Arnobio, liv. vII: Quid applicitum Jupiter ad tauri habeat sanguinem, ut ei debeat immolari, non debeat Mercurio, Libero? Os consules romanos (costume do seu Enéas derivado, como opina o mesmo sabio commentador) offereciam hecatombes a Jupiter.

22-68.-23-73. – Este episodio, util ao andamento do poema, foi imitado por Ariosto e por Tasso, e recordado por Camões: teve porêm a mofina de desagradar a Mr. Tissot, que acha aqui Virgilio inferior a Euripides e a Ovidio, por se têr privado da presença, da dôr, do desespêro e da vingança de Hecuba. Euripides e Ovidio podiam e deviam servir-se da personagem de Hecuba; ao passo que Enéas, desembarcando na Thracia um anno, ao menos, depois da morte de Polidoro, já não podia encontrar-se com Hecuba: sem embargo do que, o autor fez o episodio interessantissimo, descrevendo o prodigio com pincel de mestre, e aproveitando o ensejo para nos recommendar o respeito que se deve aos tumulos e nos dar proficuas

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