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Amanuenses, ou Impressores havia de fazer o sentido de hum periodo taõ duvidoso, que huns affirmassem, que o Poeta dizia, que o sonho ́ do dito Rei fora á prima noute, e outros, que sobre a madrugada? Pois tudo isto aconteceo. Levantou-se huma chusma de Criticos presunçosos, e importunos (em todos os tempos os houve com estas qualidades, que persuadindose ganhao nome, e fama mordendo alheios escriptos, o que conseguem he só soffrer o desprezo commum, e mostrar a pouca, ou nenhuma sciencia das cousas) os quaes pondo-se em campo, com mais malevolencia, ou inveja, que Criterio, deraõ principio á peleja, dizendo: Que o Poeta errára contra as leis dos Poemas Epicos, por haver fingido o sonho do sobredito Rei logo á entrada da noute; por quanto os sonhos annunciadores de felicidades, que nos mesmos Poemas se introduziaō, deviaō ser sobre a madrugada, e naõ á prima noute : o que provavao com seus exemplos. Ao encontro destes sahírao outros, que com as armas de vigorosos, e concludentes argumentos, tirados

do contexto das mesmas Estancias do Poema, naquelle lugar, se esforçárao a provar, que o Poeta fingira o sonho sobre a madrugada, naõ á prima noute. Durou este combate, e contenda litteraria largo tempo; até que vindo finalmente Joao Franco Barreto, primeiramente com hum Discurso (de que já fiz mençaõ no Discurso Preliminar) e depois com a sua Orthographia, como em soccorro, e ponderando a necessidade que ha do uso dos accentos no nosso Idioma, desenganou os contendores, deixando assaz provado, que o sonho do Senhor Rei D. Manoel, introduzido excellentissimamente por Luis de Camões na sua Lusiada, fora sobre a madrugada, e naõ á prima noute. E porque eu nao saberei explicar-me tao bem, e as minhas palavras naõ teraõ talvez a mesma clareza, a mesma energía, e propriedade, transcreverei as do mesmo Barreto, que saõ da sua Orthographia, impressa em Lisboa por Joao da Costa, no anno 1671, p. 207.

« He taō importante (diz elle) a observan<«< cia destes accentos, que por falta della foi

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« mal entendido hum lugar do nosso Camões, << canto IV, estancia LXVII, que he:

- No tempo que a luz clara

Foge, e as estrellas nítidas, que sahem
A repouso convidaō, quando cahem.

« A donde disseraõ alguns Criticos, e em par«ticular o Licenciado Manoel Pires de Al« meida, que o Poeta naõ fizera consideraçao « do tempo como devia: porque os sonhos dos « Poemas Heroicos vem em hum de tres tem« pos; ou á prima noute, ou á meia noute, ou << antemanhãa. Que os sonhos da prima noute « saō desastrados, e infelices; os da meia noute « naõ sao penosos, nem trazem comsigo cala<«< midades totaes; e huns, e outros carecem de «< certeza, como nota a Padre Cerda, sobre « o VIII da Eneida: os d'antemanhãa saõ bem « assombrados, e verdadeiros, como adverte o «< mesmo, no livro II da Eneida: Propter ima« gines minus perturbatas, cum primo somno « perturbentur, confundanturque simulachra vaporum copia. Atéqui (continúa o mesmo

a.

<< Barreto) sao palavras do Critico: e logo mais «< abaixo, declarando o lugar apontado, do « Poeta, diz: Que o sentido delle he quando << anoutece, e sahem as estrellas a allumiar o « Mundo; e torna a affirmar, que aqui se en<< tende o princípio da noute. Respondeo-lhe «< doutissimamente o Doutor Joao Soares de << Brito, com huma Apologia, que tirou á luz: « porem, nem elle, nem Manoel de Faria e «< Sousa, em o seu Commento ao Poeta adver«< tíraō, que pondo hum accento agudo em o « articulo á « á luz clara », fica conhecido ser << o tempo do sonho á madrugada, como o Cri<«< tico queria que dissesse Camões (*), sem gas

(*) O Célebre Ignacio Garcez Ferreira, que tanto presumio de emendador de Luis de Camões, e do seu Commentador Faria, chegando a este lugar com as suas annotações, (onde nao errou, trasladadas do mesmo Faria) depois de fazer huma embrulhada Grammatical do contexto das duas Estancias LXVII e LXVIII, cuja sentença nao entendeo, conclue: Que como se vé dos ultimos versos da Estancia atraz, seria depois da meia noute.

<< tar tantas palavras em defender o que per si « naõ havia mister defensa, e he o sentido do « Poeta porque o tempo que foge « á luz « clara » he o da manhãa, e entao se diz que << cahem as estrellas, e neste mesmo sentido « disse Virgilio:

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Et jam nox humida cœlo

« Præcipitat, suadentque cadentia sydera somnos.

Porque o verbo Cado, como diz Calepino, « propriamente significa Corruere, vel præci« pitari, vel labi. O que mais largamente pro« vei em hum Discurso (*), que mandei ao « dito Manoel Pires de Almeida, mandando-me « elle as suas Censuras; e quem tiver os seus « papeis o achará entre elles. Assim que, huma plica só que he o accento, que nas impres«sões de Camões faltava ao articulo á, mudava << tanto o verdadeiro sentido ».

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(*) Este Discurso, de que ha mais de 40 annos vi huma cópia, que em muita estimação conservava certo amigo, nao chegou a imprimir-se.

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