«Se já nas brutas féras, cuja mente Natura fez cruel de nascimento, E nos alfarricóques, que sómente Nas créstas excessivas tem o intento, Com pequenas creanças viu a gente Terem tão piedoso sentimento, Como co'os asylados já mostraram Quando as Irmãs crueis lhes arrumaram:
«Ó tu que tens de humano o gesto e o peito, (Se de humano é tosar uma donzella Bonita como cu sou, por ter sujeito O coração a quem soube vencel-a) A estes pequerruchos tem respeito Pois o não tens á pena escura d'ella : Mova-te a piedade sua e minha, Pois te não move a culpa que não tinha.
«E se tens tido grande paciencia, Cortindo forte e inexcedivel ferro, Não deixes de usar hoje com clemencia P'ra quem não commetteu o menor erro. Mas se não to merece esta innocencia E teimas em levar-me p'r'o desterro, Dás prova certa d'alta brejeirice, E de uwa indecorosa galleguice.
«Põe-me onde se use toda a feridade, Entre ursos, leopardos, é verei Se n'elles achar posso a piedade Que entre peitos humanos não achei : Alli c'o amor intrinseco e vontade N'aquelle por quem morro, criarei Estas reliquias suas que aqui viste, Que sejam refrigerio á mamă triste. CXXX
«Queria perdoar-lhe o saturnino, Movido das palavras que o magoam; Mas o pertinaz velho muito fino, Diz cousas que o juizo lhe ensaboam. Com tudo p'r'a acabar tal desatino, O homem cujas façanhas tanto soam, Agarrado á mulher n'altos berreiros Lhe perdoa. È o rei dos cavalheiros!
«Qual contra a esguia moça Ribeirena, Consolação da avó ou da mãi velha, Porque a cousa do jockey a condemna, Co'o cacete o barbaças se apparelha : Mas ella muito fresca e mui serena, (Bem como mulherinha que traz celha) Declara que o Polido ella precisa, Se a roubam ao Cupido da galliza :
«Taes contra Emilia de olhos tentadores, Que no seu collo e cobiçado tinha As obras com que amor moveu furores N'aquelle que inda mais a fez tortinha; Todos os seus infames detractores, Que a historia não acharam airosinha, Se embespinhavam, fervidos e irosos, Nos futuros exemplos já cuidosos.
«Bem podéras, José, da vista d'estes, As scenas esconder d'aquelle dia, Como alguem que vós já descompozestes Fez, quando a nympha vio co'o Zé Maria! Vós noblissimas casas, que pudestes A voz fanhosa ouvir de tal mumia, O nome do seu Conde que lhe ouvistes, Por muito grande espaço repetistes!
«Assim como a cadella, que fechada Esteve muito tempo, meiga e bella, Sendo do cão primeiro maltratada, Foge de casa, se não ha cautéla, Para andar com os cães de patuscada: Tal é a sorumbatica donzella, Massadora, voluvel, de má venta, Finalmente uma torta rabugenta.
«As filhas de Lisboa a vida impura Da tal zarolha sempre censuraram; E por memoria eterna á creatura, O caso de contar não se fartaram: O nome lhe puzeram, que inda dura, Por sallas que os Gardés alcatifaram. Vêde que luxo, que soberbas flores De milagrosa cera; ó que primores!
«Não correo muito tempo que a vingança Não visse o Conde das mortaes feridas; Que em recebendo a sua gorda herança, Lhe deu prendas muitissimo subidas; Do marido amizade céga alcança; Que ambos imigos das honestas vidas, O concerto fizeram duro e injusto, Que com Monteiro e Carlos fez Augusto.
«Foi d'este o proceder escandaloso De aldrabações, calotes, e adulterios: Dar sôcos e pauladas, furioso, Eram seus capilés e refrigerios. Dos seus proprios dizendo injustiçoso, De todos os mais fortes vituperios, Mais trabalho e desgosto a todos deu, Que esse que a esposa em serva converteu.
«Do façanhudo Augusto nasce o brando, (Vede da mãe natura o desconcerto!) Madraço, e sem cuidado algum, Fernando, Que toda a casa poz em muito aperto: Que certas companhias procurando De finos parasitas, vio-se perto De ficar sem vintem litteralmente; Como tem succedido a muita gente. CXXXIX
«Ou foi castigo claro no pingado De tirar Adelayde a seu marido, E juntar-se com ella apatetado D'um falso parecer mal entendido: Ou foi que o beberrão sujeito e dado Ao vicio vil, de quem se vio rendido, Molle se fez e fraco; e bem parece, Que amor chimfrim os fortes enfraquece.
«Do peccado tiveram sempre a pena Muitos, que Deos o quiz e permittio; Os que foram roubar certa pequena; E alguns alfandegueiros de assobio: Pois por quem o pobre Alves se condemna? Ou quem de Portugal se escapulio Não ha muito? Bem claro nol-o ensina Pela esposa o Ferreira audaz, grazina.
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