Não se contenta a plebe em raiva accesa; Mas seguindo o desejo mau, que a mata, Escarnece, e diz que é uma esperteza Da opposição avara, molle e ingrata. Á pobre fiel gente já lhe peza, Com ximios altercar de tal bravata: Já blasphema do passo, e maldizia Á terra, que jumentos d'estes cria.
A pouco e pouco se foi pois raspando Tudo quanto não era malcriado, Com grande sentimento; mas jurando Empregar o que tinha imaginado: Porque alcayotes taes continuando A mover este engenho desgrudado, Ficará toda a gente em pouco espaço Espremida á maneira de bagaço.
Haverá no mundo almas mais geladas? Zéloureuçada igual mais indecente? Merecerá ou não de bofetadas
Milhões, toda essa chusma inconfidente, Que por ouvir palavras acertadas Usa da injuria e murro juntamente?! Ah familia hedionda d'uma figa, Que te leva mais o olho que a barriga!
Fica victoriosa a lobinhada,
Que foi pobre, mas hoje tem riqueza; E p'ra casa vai muito descançada Comer bons petisquinhos á franceza. A outra gente, ao contrario, magoada, No odio ficava, mais que nunca, accesa; E vendo sem vingança tanto damno, Sómente estriba no segundo plano.
Vai um ter com o Lobo destemido, Que sem motivo por costume berra, E lhe diz, que ao projecto conhecido Não deseja fazer nenhuma guerra ; Que lhe pede, e que crê ser attendido, Como alguns erros o trabalho encerra, Que os emende com tino; pois deseja Que termine depressa esta peleja.
O Lobinho que já lhe então convinha Tornar a seu caminho acostumado, Que tempo concertado, e amigos tinha P'r'ajudal-o no fim tão desejado; Recebendo o conselho que lhe vinha, (Pois lhe podia dar bom resultado) Lança mão da empreitada muito attento Porém com reservado pensamento.
D'esta arte a turma alvar aburelada, Amiudadas vezes reunia,
P'ra a coisinha sair alambicada, Que lucros formidaveis promettia: O Lobinho, que não cahia em nada Do enganoso ardil que o velho urdia, Na ratonice, alegre, caminhava, E o seu borrão ás cégas emendava.
Mas a gente inimiga de tyrannos Trampolineiros, e d'astucia rara, Que vivido sómente tem de enganos, E cuja vida tem saido cara;
Razão dando ao que dizem os milhanos A vingança a occultas lhes prepara; E julgando ser certo quanto ouvia, A falsa gente lá comsigo ria.
E diz-lhe mais esse homem de talento, Que para o bem, constante, trabalhou,
Que concebido tem no pensamento Uma idéa que muito lhe agradou. O Lobinho, que a tudo estava attento, Tanto com esta nova se alegrou, Que monnaie promettendo-lhe, rogava Lhe contasse que cousa imaginava.
O tal sujeito então lhe determina, Não prolixo, o que o raca Lobo pede; Que o negocio é dos taes de gram tolina, A todos os que ha feito muito excede: Aqui o engano, e a queda lhe imagina, Aquelle que no dolo a ninguem cede; Aquelle a quem o povo todo chama Cynico, e por trapaças se proclama,
Para lá se inclinava a leda frota: Mas um diro de cara deslavada,
Vendo como deixava a certa rota, P'ra desabar de ventas na cilada; Não consente que fuja da Batota Uma gente por elle tanto amada; E com trez macaquices a desvia D'onde o bom individuo a leva e guia.
Mas o homem galhardo não podendo Tal determinação levar avante,
Outra melhor lembrança commettendo, Ainda em seu proposito constante, Lhe diz, que o tal projecto, pois, não tendo Da primeira passado por diante, Que nas regiões altas toda a gente
Passar o deixaria mui contente.
Tambem n'estas palavras lhe mentia, Como o dever e a honra o obrigava; Que ninguem, com certeza, approvaria Uma cousa que tanto erro levava. O Lobinho que em tudo o amigo cria, Pressuroso a canhola preparava: E em sua facha exotica, traidora, Reluzia um sorriso de senhora.
Estava a turba em pezo desesp'rada Por ver do relatorio a vilania:
Alguns lesmas faziam cacoada,
N'outros mui grande raiva transluzia. «Quem me déra ver essa excommungada Obra, da opposição alguem dizia ; Porque informar-me quero da verdade; Quero ver junta a asneira co'a maldade.»
E sendo então o Lobo mau chegado, Estranhamente ledo; porque espera Ver alli tudo muito aquietado, Como o bom conselheiro lhe dissera : O caderno mostrou achavascado, E disse, que o trabalho seu todo era; Que com toda a franqueza lhes declara, Que de ninguem informações tomara.
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