C'o um collete estrambotico de seda, Calças, casaco preto, vem vestido Um grande catimbáo, de fronte leda, Inseparavel do outro conhecido. Atraz a malta vem churra e azeda, Cuja voz é horrisona ao ouvido; Todos suas gravatas recompondo,
Uns de chapeu de pasta, outros redondo.
Não menos guarnecido o Lobo insano, Se apresentou n'aquelle fausto dia, A regougar protervo e deshumano, Com sua relamboria companhia. Vestido o relho vem, não de guano, Mas franceza era a roupa que trazia; Excepto a luva, que era pura ingleza, E a ferradura, que era portugueza.
P'las pregas da camisa assaloiadas, Vê-se que o tal circêo os seus não nega; O collete de cores assanhadas, Tenta a gente a fazer-lhe boa pega; Calças de casemira afiambradas, E niza preta traz o beldruega; Emfim, corrente muito alambasada, E cebola que não lhe custou nada.
Nos outros manicacas se mostrava, Com mui pouca differença, o excellente Apparelho, que tanto realçava
No Lobo chulo, tábido, indecente. Tal o formoso esmalte se notava Dos vestidos olhados juntamente, Qual no ponto essa renga revoltante De gallegos, de brio claudicante.
Os inscientes Tanas praticavam Entre si, muito alegres se mostrando; E dos patarateiros apanhavam Tocarolas: que povo tão nefando! Os homunculos todos altercavam; Começa a cousa seu calor tomando; Amiudam-se os brados accendidos,.- Os serios mettem rolhas nos ouvidos.
Já o Lobo se atira mui pimpão Áquelle que outra cara apresentava; E co'os arremesquinhos, que a razão (Por ser bruto) pedia, lhe fallava. C'umas mostras de espanto e admiração, O chibo o gesto, e o modo lhe notava, Como que em singular estima tinha Gente repetanada e tão damninha.
E com toscas palavras lhe offerece O que da sua gente lhe cumprisse, E que se alguma cousa lhe fallece, Como se propria fosse lh'a pedisse:
Diz-lhe mais, que seus fins mui bem conhece, Sem que a ninguem até hoje os ouvisse: Que pensa, e com certeza que não erra, Que é seu fito a tinir pôr esta terra.
E como em toda a Lysia a coisa soa, Lhe diz os grandes feitos que fizeram Os seus, que tambem são raça tão boa, Que a pedir chuva todos nos puzeram: E com muitas momices apregoa O menos que os bons Tanas mereceram, E o mais que pela fama elle sabia. Mas d'esta sorte o Lobo respondia:
«Ó tu que só tiveste piedade, Meu marraxo, da gente lusitana,
Que tanto ha trabalhado, na verdade, P'ra com esta nação dar em pantana; Essa furia de tanta crueldade,
Que rege o Inferno e a gente mais tyranna, Pois que de ti taes obras recebemos,
Te pague o que nós outros não podemos.
«Tu só de todos quantos queima Apollo Nos recebes em paz, e amor profundo; Em ti, que de encontrar-te me consolo, Refugio achamos bom, fido e jucundo. Em quanto apascentar o largo polo As estrellas, e o sol dér lume aò mundo, Onde quer que eu viver, com fama e gloria Viverão teus louvores em memoria. >>
Isto dizendo, um legalhé quejando, Que cazou co'uma gorda colareja, E que mui bem se vai atamancando, Com o lucro da ginja e da cereja; Pede, tossindo muito e escarrando, P'ra que mostrada certa obra lhe seja; Porquanto a tal respeito se diziam Cousinhas, que os cabellos arripiam.
Mas depois de ser tudo já notado Do versuto bandalho, que pasmava, De ver aquillo tão bem calculado, Como o roubo tão bem se disfarçava: Respondeu satisfeito e socegado, Que na cousa nenhum erro encontrava; Só a notar havia a grande mama Que teria o que a fez, além da fama.
Em praticas, o fosco, differentes Se deleitava, perguntando agora Pelas cousas famosas e excellentes Praticadas por quem o Zé adora: Agora lhe pergunta pelas gentes A quem jámais vergonha o rosto córa; Agora pelos hircos e mesquinhos; Agora p❜los homóphagos porquinhos.
«Mas antes, refinado velhacão, Nos conta, lhe dizia, diligente, Da terra lusa o clima, e região Que na Europa possue, distinctamente. E assi de tua antigua geração,
E como te tornaste tão potente, Co'os successos das obras do começo; Que sem sabel-as, sei que são de preço:
«E assi tambem nos conta dos rodeios, Que certo vil gentio ha procurado, Para se apoderar dos bens alheios, E por ahi andar tão descansado. Conta: porque saber desejo os meios Que os sévos p'ra tal fim tem empregado: E diz-me, alguns pelintras o que fazem, Que libras n'algibeira tantas trazem?
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