Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

XCVI

C'o um collete estrambotico de seda,
Calças, casaco preto, vem vestido
Um grande catimbáo, de fronte leda,
Inseparavel do outro conhecido.
Atraz a malta vem churra e azeda,
Cuja voz é horrisona ao ouvido;
Todos suas gravatas recompondo,

Uns de chapeu de pasta, outros redondo.

XCVII

Não menos guarnecido o Lobo insano,
Se apresentou n'aquelle fausto dia,
A regougar protervo e deshumano,
Com sua relamboria companhia.
Vestido o relho vem, não de guano,
Mas franceza era a roupa que trazia;
Excepto a luva, que era pura ingleza,
E a ferradura, que era portugueza.

XCVIII

P'las pregas da camisa assaloiadas,
Vê-se que o tal circêo os seus não nega;
O collete de cores assanhadas,
Tenta a gente a fazer-lhe boa pega;
Calças de casemira afiambradas,
E niza preta traz o beldruega;
Emfim, corrente muito alambasada,
E cebola que não lhe custou nada.

XCIX

Nos outros manicacas se mostrava,
Com mui pouca differença, o excellente
Apparelho, que tanto realçava

No Lobo chulo, tábido, indecente.
Tal o formoso esmalte se notava
Dos vestidos olhados juntamente,
Qual no ponto essa renga revoltante
De gallegos, de brio claudicante.

C

Os inscientes Tanas praticavam
Entre si, muito alegres se mostrando;
E dos patarateiros apanhavam
Tocarolas: que povo tão nefando!
Os homunculos todos altercavam;
Começa a cousa seu calor tomando;
Amiudam-se os brados accendidos,.-
Os serios mettem rolhas nos ouvidos.

CI

Já o Lobo se atira mui pimpão
Áquelle que outra cara apresentava;
E co'os arremesquinhos, que a razão
(Por ser bruto) pedia, lhe fallava.
C'umas mostras de espanto e admiração,
O chibo o gesto, e o modo lhe notava,
Como que em singular estima tinha
Gente repetanada e tão damninha.

CII

E com toscas palavras lhe offerece
O que da sua gente lhe cumprisse,
E que se alguma cousa lhe fallece,
Como se propria fosse lh'a pedisse:

Diz-lhe mais, que seus fins mui bem conhece,
Sem que a ninguem até hoje os ouvisse:
Que pensa, e com certeza que não erra,
Que é seu fito a tinir pôr esta terra.

CHI

E como em toda a Lysia a coisa soa,
Lhe diz os grandes feitos que fizeram
Os seus, que tambem são raça tão boa,
Que a pedir chuva todos nos puzeram:
E com muitas momices apregoa
O menos que os bons Tanas mereceram,
E o mais que pela fama elle sabia.
Mas d'esta sorte o Lobo respondia:

CIV

«Ó tu que só tiveste piedade, Meu marraxo, da gente lusitana,

[ocr errors]

Que tanto ha trabalhado, na verdade,
P'ra com esta nação dar em pantana;
Essa furia de tanta crueldade,

Que rege o Inferno e a gente mais tyranna,
Pois que de ti taes obras recebemos,

Te pague o que nós outros não podemos.

CV

«Tu só de todos quantos queima Apollo
Nos recebes em paz, e amor profundo;
Em ti, que de encontrar-te me consolo,
Refugio achamos bom, fido e jucundo.
Em quanto apascentar o largo polo
As estrellas, e o sol dér lume aò mundo,
Onde quer que eu viver, com fama e gloria
Viverão teus louvores em memoria. >>

CVI

Isto dizendo, um legalhé quejando,
Que cazou co'uma gorda colareja,
E que mui bem se vai atamancando,
Com o lucro da ginja e da cereja;
Pede, tossindo muito e escarrando,
P'ra que mostrada certa obra lhe seja;
Porquanto a tal respeito se diziam
Cousinhas, que os cabellos arripiam.

CVII

Mas depois de ser tudo já notado
Do versuto bandalho, que pasmava,
De ver aquillo tão bem calculado,
Como o roubo tão bem se disfarçava:
Respondeu satisfeito e socegado,
Que na cousa nenhum erro encontrava;
Só a notar havia a grande mama
Que teria o que a fez, além da fama.

CVIII

Em praticas, o fosco, differentes
Se deleitava, perguntando agora
Pelas cousas famosas e excellentes
Praticadas por quem o Zé adora:
Agora lhe pergunta pelas gentes
A quem jámais vergonha o rosto córa;
Agora pelos hircos e mesquinhos;
Agora p❜los homóphagos porquinhos.

CIX

«Mas antes, refinado velhacão,
Nos conta, lhe dizia, diligente,
Da terra lusa o clima, e região
Que na Europa possue, distinctamente.
E assi de tua antigua geração,

E como te tornaste tão potente,
Co'os successos das obras do começo;
Que sem sabel-as, sei que são de preço:

CX

«E assi tambem nos conta dos rodeios,
Que certo vil gentio ha procurado,
Para se apoderar dos bens alheios,
E por ahi andar tão descansado.
Conta: porque saber desejo os meios
Que os sévos p'ra tal fim tem empregado:
E diz-me, alguns pelintras o que fazem,
Que libras n'algibeira tantas trazem?

« VorigeDoorgaan »