<Entre o burro gallego, féra feia, Que ronca, berra, zurra, mas não sente, E o scismatico mouro, que campeia Por selvagem, estupido e indolente, Jaz dos Tanas a terra, a quem rodeja, Pela parte do Sul, e do Occidente, Com suas salsas ondas o Oceano, E pela do Oriente o amigo hispano.
«Da parte donde o dia vem nascendo, 'Stá a terra dos porcos; mas o rio Que da Alberracim serra vem correndo, Da Beira-Baixa, impetuoso e frio,
Divide-a ao Norte; e esse mar que horrendo Vio do luso a grande honra e poderio, E o vê hoje bastante atrapalhado,
Pelo Occidente a rega dilatado.
«Lá onde mais debaixo está do polo, Da coibe e tripa as terras apparecem; Aquelle abençoado e rico solo, Cuja pinguinha todos appetecem. Aqui foi em logar occulto a Apollo, E quo só certos cabulas conhecem, Que uma grande porção de brutamontes Descobriram de parne largas fontes.
«Aqui dos broncos magna quantidade Vivem, que n'outro tempo grande guerra Fizeram, pela atroz rapacidade
Dos que então governavam esta terra: Mas quem tão fóra estava da verdade, (Já que o juizo humano tanto erra) Para que do mais certo se informara, Ao grande Cabralinho o perguntara.
«Agora n'estas partes se nomeia A terrinha, onde teve grande esfrega Toda essa burricada que chouteia, E lições de moral arrota e prega. Aqui vive um tal Braga Zé Lamprea, Conhecido por grande céga-réga, Que refutou Renan, grande magano, Seu bestunto sem par mostrando ufano.
«Entre o Porto e Vianna vive estranha Gente, Beguinos, Tercos e Laponios, Pés Frescos outro tempo; e na montanha Buarcos, os habitantes são Bolonios. Sujeitos a usar do V em banha
São os taes Portuenses e Bragonios, E outras terras que o Douro e Minho frio Lavam, e o Lima, Cavado e Ave rio.
<<Entre esse Transtagano, heroe perfeito Na asneira, e a Andaluzia nossa quʼrida, Vive o grulha Argarvio, cujo peito Mal se compara á lingua tão comprida; E que por atrevido está sujeito
A qualquer fracalhão tirar-lhe a vida; Pois só quem de prudencia houver arrobas As pragas soffrerá dos Alfarrobas.
«Logo do Alemtejo estão as gentes, A quem de varios rios a agua fria Lava: e tambem as terras excellentes Nos costumes, engenhos, e ousadia, Que crearam os peitos eloquentes, E os juizos de altiva phantasia, Com quem tu, Portugal, o ceo penetras, E não menos por tretas, que por letras!
«Logo os Beirenses vivem: e no seio Onde asnidade assaz se praticou, A soberba Coimbra está no meio
Dos brutos, que mais brutos Deos creou. Da terra muito fatuo que vem cheio De sciencias, que lá não estudou, A cada passo ferra ahi patada Que é da gente ficar embasbacada!
«Em torno a cerca povo tão ferino, Como ninguem encontra em outra parte; N'aquelle bom logar qualquer menino Sem cheta, bem vivia usando de arte. Mas depois que queimaram do malino Lente a porta, e quizeram o gram Marte Imitar, taes heroes viram-se em pancas: P'r'a invicta fugiram, dando ás trancas. XVI
«Leiria alli se vê, que nomeada Com muitissimas guerras foi no mundo; Que do Liz e Alcobaça é bem regada, E do frio Obidos e Arnoia fundo: Logo então Nazareth tambem fallada Por um grande milagre, que segundo Antiguidades contam, mil diabos Alli mostraram os compridos rabos.
«Eis aqui se descobre a mais tacanha Parte, como cabeça á terra toda, Em cujo senhorio e gloria estranha Muitas voltas tem dado a fatal roda: Mas nunca poderá com força, ou manha Certa gente de bem tirar-lhe a noda, Que lhe ferrou com tão grande ousadia A sucia de entrujões que então vivia.
«Com o Atlantico entesta, e alli parece Que quer fechar o grande e soberano Continente, que tanto se ennobrece Com a tarefa de um Czar tyranno. Com povos differentes se engrandece, Cercados pelas ondas do Oceano, Todos de tal nobreza, que qualquer Crê ser o principal: deixal-o crer!
«Tem muito camafeu chué e avaro, Cuja boa alma está sempre inquieta; Muito seringa e estupido preclaro, Muita gente com typo de pateta; Tem o velhaco cauto, e o grande e claro Entrujão, que do mal tocou a meta; Que arranja de tal modo a comedella, Que ninguem é capaz de dar por ella.
«Eis aqui, quasi cume da cabeça De Europa toda, o reino Lusitano, Onde a terra se acaba, e o mar começa, E onde vive muitissimo tyranno. Este quiz o diabo que empobreça Dando-lhe p'r'o governo o deshumano Gentio, tão marruaz, tão indecente, Que revolta e repugna a toda a gente.
« VorigeDoorgaan » |