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LXXXIV

Que quem lá vai sómente o que pretende
É repartir por si e pelos manos

Tudo o que o suor do povo a custo rende,
Tirado com os trabalhos mais insanos.
Nos contractos cavilla, empregos vende,
Veste os compadres dos mais ricos pannos;
E chega a infamia a tanta demasia
Que já se rouba até na luz do dia!

LXXXV

Por não haver nas linhas capitão
Que soubesse da poda e bem mandasse,
Atrapalhados lá na côrte estão

Sem saberem que rumo se tomasse.
N'uma terra em que é honra ser ladrão,
Com tanto que ao flagrante se escapasse,
Não póde a escolha ser livre de perigo,
Nem contar-se com certo e fido amigo.

LXXXVI

N'estas cogitações o grande Lama,
Por mais que o olho tenha bem aberto,
Em varios pensamentos se derrama;
Phantasiando está remedio certo.

Quem lhe acuda, a não ser o de Bolama,
Não vê alli á roda, ou longe ou perto.
Mas o remedio que esse receitava,
Se póde não sujar, tambem não lava.

LXXXVII

Qual bichano de amores incendido,
De pêlo assetinado e mui formoso,
Que, vendo a gata ao longe, vai perdido,
Por uma e outra parte buliçoso;
E, sendo dos garotos perseguido,
Salta, corre, esbraveja furioso
E anda pelas paredes e telhado
A bufar e a miar, de rabo alçado:

LXXXVIII

Tal o vago juizo fluctuava

Do grande Lama quando lhe lembrara
O mestre Antonio, a quem tanto estimava,
E cuja traz na mente sempre a cara.
Logo secretamente lhe mandava
Que se tornasse á pasta que deixára,
Não fosse salteado dos enganos
Que lhe estavam tecendo os Marianos.

LXXXIX

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Tal será quem na festa quer ter parte,
Bons petiscos comer, não só cheiral-os:
Pagará o patau por força ou arte;
Não vá a apertos se não quer ter callos.
Quem entra em guerra, d'ella não se parte
Sem dar ou apanhar alguns estalos.
Pague e não bufe; eu nunca louvarei

Quem ferra cão e diz: já sei, já sei.

XC

Acceita o malabar o grande peso,
Que para as unhas d'elle não é nada;
Mette dentro da bocca o facho acceso,
Salta na corda bamba e dá pernada.
Põe-se depois no palco muito teso,
Sobe-lhe aos hombros toda a gatunada;
E encarando a platéa: «Por ventura
Ha quem faça por cá melhor figura?»

XCI

Voltava tudo ao rumo conhecido,
Aos aureos tempos da vidinha amena,
Em que a batota é lei e tem partido,
E se pratica burla não pequena.
Entra aquelle que outr'ora tão temido
Se tornara, com a espada não, com a penna.
Entra o outro tambem que na marinha
As charadas dos celtas adivinha.

XCII

Logo chamam a si toda a fazenda
Que nos caixotes publicos se encerra;
Querem que logo alli se troque e venda
Para arranjar dinheiro para a guerra;
Posto que os maus propositos entenda
O Lama, que o damnado peito encerra,
Consente, porque sabe por verdade
Que com tal gente está mais á vontade.

ХСІІІ

Concertam que se tracte de arranjar
Algum ardil com que dinheiro venha,
Porque muitos dos seus estão a apitar,
E todos querem cousa que convenha.
E de outra parte o sestro de gastar,
Tenha dinheiro o erario ou não o tenha,
Fazia que cada um imaginasse

Nos meios porque o parne se ajuntasse.

XCIV

É mister que a fazenda cresça logo,
Não importa que seja bem ou mal,
Que sem polvora ter não se faz fogo,
E não se pode ser bom general.

Ponham-se em campo a astucia, a manha e o roubo
Vendam-se honras, empregos, tudo vale;
Cada um as unhas como pode extenda,
Para que se encham os cofres da fazenda.

XCV

Um bom emprestimo sería vinha
D'onde mais cedo lucro proviesse;
Novo modo de imposto não convinha
Que por emquanto á praça se trouxesse.
O povo ainda na lembrança tinha,
Nem tão breve era facil que esquecesse,
As ultimas sangrias que minguado
Lhe tinham o pobre sangue dessorado.

XCVI

O que porém de todo era forçoso,
Désse por onde désse, era obter cobre;
Em o havendo, já cede o mais teimoso,
E qualquer logração melhor se encobre.
Vê tu agora, povo, se és curioso,
Porque o malandro é rico, e tu és pobre;
Se soffres tantas dores de barriga,

É

que

á tua custa engorda esta lombriga.

XCVII

A mão na bolsa mette-te um patricio
E no outro dia traz relogio de ouro;
Outro já tem com que ir matar o vicio
De perder na batota o metal louro.
Algum levanta altissimo edificio

Com dinheiro que apanha no thesouro.

Est'outro, que ainda ha pouco á mingua morre, Nas ruas da cidade em coche corre.

XCVIII

Este, que faz innumeras despesas
Em jantares e chás e outros artigos,
Não duvidou fazer torpes vilezas,

Que n'outras terras teem duros castigos.
Este corrompe virginaes purezas;
Este furta as mulheres aos amigos;
Este na academia das sciencias

Rouba livros e faz mil indecencias.

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