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LXXXI

«Mas vão andandó, que eu as vou seguindo.
Vem d'alli muito ar, fecha a janella;
Que bello panorama, como é lindo!
No céo, lá acima, vê-se tanta estrella!
Mas que é isto que estou aqui sentindo?
Será agua que ferve na panella?
Ou é vinho que alguem na guela ingere?
Não beba todo; eu já lá vou: espere!»>

LXXXII

Já nos salões se não dansava tanto,
Que a força a cada um faltando ia.
Via-se um borrachão a cada canto,
E a namorada que o nariz torcia,
Volvendo a cara com horror e espanto
Das caretas que o outro lhe fazia.
N'um copo alli de vinho ou de licor
Naufragou n'essa noite muito amor.

LXXXIII

Oh que estrago nos vinhos! oh que cresta!
E que limpeza em tudo que alli estava!
Que cousas não diria o juiz da festa,
Se o não toldasse o vinho que empinava!
Se não viesse a manhã, não era d'esta
Que a grande funçanata se acabava.
Isto tudo foi bom, foi um regalo;
O peor foi ter o povo que pagal-o!

1

LXXXIV

Viram-se damas e das mais formosas,
Das que teem rejeitado mil amantes,
Erguerem, sem ficarem vergonhosas,
Até ao joelho as saias roçagantes.
Viram-se pelo jardim certas esposas
Andar em segredinhos com os amantes;
E o marido que emtanto a flux bebia
Ou não via ou fazia que não via.

LXXXV

Uma d'ellas, liró, toda casquilha,

Por quem arde em paixão quem a conhece,

E que faz mais figura do que a filha
Nas salas ou na rua, onde apparece;

Que usa ás vezes trazer véo de escumilha,
E com carmim os beiços enrubece;
Conhecida por habil na estrategia

Do amor, e na toilette sempre egregia;

LXXXVI

Atira-se a um sujeito que usa pera
E que traz collarinho levantado,
Dando-lhe a entender que alli viera
De rixa velha e caso mui pensado,
Para realizar uma chimera

Que na noite anterior tinha sonhado
O que era, é que mais ninguem sabia,
Porque ella a um canto escuro lh'o dizia.

*LXXXVII

Tomando-o pela mão o leva e guia
Pela escada da torre até ao sino,
Na qual na rica fabrica se erguia
De relogio, trabalho muito fino.
Estão alli até ser quasi dia,

Em bons cavacos e em prazer contino:
Ella nos altos logra seus amores;

As outras pelas sombras entre as flores.

LXXXVIII

Assim a empiteirada companhia
A noite quasi toda vai passando,
N'um medonho chinfrim, n'uma folia,
Que a vizinhança toda está pasmando.
A policia fazia que não via,
E pelas portas muito contrabando
Dizem que n'essa noite foi mettido,
Por tudo estar de bebedo cahido.

LXXXIX

Palavras não faltavam indecorosas,
Proprias da gente vil e malcreada.
A umas na face o vinho punha rosas,
A outras a fazia desbotada.
Estas as proeminencias gloriosas
Mostravam de maneira descarada;

Uma ria para a mãe, outra para a filha,
Outra apertava a mão a um bigorrilha.

XC

Que as immoralidades que fazia
N'essa celebre noite muita dama,
Talvez pensassem que no outro dia
Já as não podia apregoar a fama.
Um cumplice cada um no outro via,
E por isso mais largas dá á chamma
Ou do amor ou do vinho generoso,
Cego e deixando-se ir atraz do goso.

XCI

Nunca se viram em nenhuma parte,
Nem mesmo nos paizes africanos,
Insanias e vergonhas de tal arte

Mais proprias de macacos que de humanos;
Nem Jupiter, Mercurio, Phebo ou Marte,
Apesar de grandissimos maganos,
Fizeram uso tal da carraspana,
Que envergonhassem Venus ou Diana.

ХСІІ

Custa-me ser trombeta de obras taes,
Que de nós triste idéa dão a extranhos.
Sempre embirrei com os miseros jograes
Que cortam n'outrem como lobo em anhos.
Mas se quem menos fala soffre mais,
É necessario que a maraus tamanhos
Se ponha a calva á mostra, porque ignavo
Desperte o povo e mais não seja escravo.

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XCIII

E ponha no deboche um freio duro,
E na ambição tambem, que infelizmente
De muito rapazinho ingenuo e puro

Faz um malandro, um pulha, um insolente.
D'estes vicios o tabido monturo

Tem aviltado a lusitana gente:

Melhor é não ter nada e honrado ser
Do que ter muito e sem pudor viver.

XCIV

Vendo o rei extranho os actos repugnantes
Da gentinha de pouco mais ou menos,
Põe de parte etiquetas, tira os guantes,
E espotrica uns boleros madrilenos.

«Me gustan mucho estos Cafés Cantantes»
Diz sorrindo á mulher e aos pequenos.
Estas opiniões bem merecidas

Do povinho convem serem sabidas.

XCV

Tenham juizo, não sejam animaes;
Cumpram os deveres que lhe estão marcados;
Não se façam gajões, sarrafaçaes,
Larapios, intrujões, desvergonhados;
Já deixareis de ter de que temais;
Quem não deve não teme; e já calados
Da minha penna os bicos raivecidos
Ficarão, que vos tem tão bem zurzidos.

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