«Mas vão andandó, que eu as vou seguindo. Vem d'alli muito ar, fecha a janella; Que bello panorama, como é lindo! No céo, lá acima, vê-se tanta estrella! Mas que é isto que estou aqui sentindo? Será agua que ferve na panella? Ou é vinho que alguem na guela ingere? Não beba todo; eu já lá vou: espere!»>
Já nos salões se não dansava tanto, Que a força a cada um faltando ia. Via-se um borrachão a cada canto, E a namorada que o nariz torcia, Volvendo a cara com horror e espanto Das caretas que o outro lhe fazia. N'um copo alli de vinho ou de licor Naufragou n'essa noite muito amor.
Oh que estrago nos vinhos! oh que cresta! E que limpeza em tudo que alli estava! Que cousas não diria o juiz da festa, Se o não toldasse o vinho que empinava! Se não viesse a manhã, não era d'esta Que a grande funçanata se acabava. Isto tudo foi bom, foi um regalo; O peor foi ter o povo que pagal-o!
Viram-se damas e das mais formosas, Das que teem rejeitado mil amantes, Erguerem, sem ficarem vergonhosas, Até ao joelho as saias roçagantes. Viram-se pelo jardim certas esposas Andar em segredinhos com os amantes; E o marido que emtanto a flux bebia Ou não via ou fazia que não via.
Uma d'ellas, liró, toda casquilha,
Por quem arde em paixão quem a conhece,
E que faz mais figura do que a filha Nas salas ou na rua, onde apparece;
Que usa ás vezes trazer véo de escumilha, E com carmim os beiços enrubece; Conhecida por habil na estrategia
Do amor, e na toilette sempre egregia;
Atira-se a um sujeito que usa pera E que traz collarinho levantado, Dando-lhe a entender que alli viera De rixa velha e caso mui pensado, Para realizar uma chimera
Que na noite anterior tinha sonhado O que era, é que mais ninguem sabia, Porque ella a um canto escuro lh'o dizia.
Tomando-o pela mão o leva e guia Pela escada da torre até ao sino, Na qual na rica fabrica se erguia De relogio, trabalho muito fino. Estão alli até ser quasi dia,
Em bons cavacos e em prazer contino: Ella nos altos logra seus amores;
As outras pelas sombras entre as flores.
Assim a empiteirada companhia A noite quasi toda vai passando, N'um medonho chinfrim, n'uma folia, Que a vizinhança toda está pasmando. A policia fazia que não via, E pelas portas muito contrabando Dizem que n'essa noite foi mettido, Por tudo estar de bebedo cahido.
Palavras não faltavam indecorosas, Proprias da gente vil e malcreada. A umas na face o vinho punha rosas, A outras a fazia desbotada. Estas as proeminencias gloriosas Mostravam de maneira descarada;
Uma ria para a mãe, outra para a filha, Outra apertava a mão a um bigorrilha.
Que as immoralidades que fazia N'essa celebre noite muita dama, Talvez pensassem que no outro dia Já as não podia apregoar a fama. Um cumplice cada um no outro via, E por isso mais largas dá á chamma Ou do amor ou do vinho generoso, Cego e deixando-se ir atraz do goso.
Nunca se viram em nenhuma parte, Nem mesmo nos paizes africanos, Insanias e vergonhas de tal arte
Mais proprias de macacos que de humanos; Nem Jupiter, Mercurio, Phebo ou Marte, Apesar de grandissimos maganos, Fizeram uso tal da carraspana, Que envergonhassem Venus ou Diana.
Custa-me ser trombeta de obras taes, Que de nós triste idéa dão a extranhos. Sempre embirrei com os miseros jograes Que cortam n'outrem como lobo em anhos. Mas se quem menos fala soffre mais, É necessario que a maraus tamanhos Se ponha a calva á mostra, porque ignavo Desperte o povo e mais não seja escravo.
E ponha no deboche um freio duro, E na ambição tambem, que infelizmente De muito rapazinho ingenuo e puro
Faz um malandro, um pulha, um insolente. D'estes vicios o tabido monturo
Tem aviltado a lusitana gente:
Melhor é não ter nada e honrado ser Do que ter muito e sem pudor viver.
Vendo o rei extranho os actos repugnantes Da gentinha de pouco mais ou menos, Põe de parte etiquetas, tira os guantes, E espotrica uns boleros madrilenos.
«Me gustan mucho estos Cafés Cantantes» Diz sorrindo á mulher e aos pequenos. Estas opiniões bem merecidas
Do povinho convem serem sabidas.
Tenham juizo, não sejam animaes; Cumpram os deveres que lhe estão marcados; Não se façam gajões, sarrafaçaes, Larapios, intrujões, desvergonhados; Já deixareis de ter de que temais; Quem não deve não teme; e já calados Da minha penna os bicos raivecidos Ficarão, que vos tem tão bem zurzidos.
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