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IX

Estes asnos puzeram-me no fio

A paciencia; nem já de mim sou dono.
Até agora levava-os a assobio,

Mas hoje da chalaça não me abono.

Todo eu me assanho e zango e me arrepio
Por ver o povo em tão profundo somno,

Que não se quer mexer nem se abespinha
Contra estes malandrins que o põem na espinha.

X

Contava pois o demo que viriam

A esta terra, com força infesta e dira,
Novos males e damnos que fariam

Boa liga com os outros que já vira;
Que a vergonha de todo perderiam
Os que um bamburrio para o poleiro atira,
E que a nação iria d'esta sorte

Parar ás portas tetricas da morte.

XI

Contava de um que em jogos malabares
Tem grande e conhecida habilidade,
E em questões de dares e tomares
Fica sempre de cima e á vontade.
Põe e dispõe de empregos e logares
Com tanta ou ainda mais facilidade
Que o banco ultramarino omnipotente
Dos fundos que apanhou á pobre gente.

XII

E conta como lá se embarcaria

No cahique de um celebre magano
A candonga, que em ferros metteria
Uma pobre mulher que não fez damno.
Cá fóra mui contente se veria

A passear o auctor de tal engano;
E os que enriquecer com elle querem
Salvarem-se com as manhas que tecerem.

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XIII

que fará nos fins orientaes

Certo sobrinho de um mais certo tio
Espantará os tristes naturaes

Que bebem no salgado e curvo rio.
Suscitará as furias infernaes,

E tanto puxará o estreito fio,

Que não é de pasmar que de repente

Nas mãos um dia a corda lhe arrebente.

XIV

O chefe chamará mais gente nova

Para em logar da que se foi a pôr;

Mas nem d'esta arte tira melhor prova,

Pois ha a mesma falta de pudor.

Como a lembrança emfim ninguem lhe approva,

Não deixa no poder crear bolor

Á gentinha que crê que mais aterra

Quanto mais pelas praças grita e berra.

XV

E todos outra vez vão rebolando
Para o lameiro immundo e achavascado,
D'onde por miseravel contrabando
Por pouco tempo o pé tinham tirado.
Commetterá outra vez, a roda andando,
O poder a quem já o tinha dado,
Entregando-o nas mãos d'esses marotos
Contra os universaes publicos votos.

XVI

Já não defenderá somente os paços
Se não tractar de levantar as azas,
Que o povo poderá quebrar os laços
E os mandões expulsar das suas casas.
É preciso medir mui bem os passos
E não deitar a polvora nas brazas,
Que o povo é bruto e cego, e em o irritando
Lá se vai quanto Martha ia fiando.

XVII

Virá um mandarim, boa pessoa
Se tiver a seu lado quem o anime;
Mas que se deixa ir a esmo e á toa
E pode até deixar fazer um crime:
O caso está que quem o canto entoa
O vicio e o mal mais que a virtude estime.
Pois os homens de espirito pequenos

Quasi sempre assim são, nem mais nem menos.

E

XVIII

Que tornará a vez setima, contava,
Governar um que fez já muito abuso;
A quem nenhum remorso pesa e aggrava
que tudo em que entrou deixa confuso.
Trará comsigo a unha negra e brava
Que n'outro tempo pôz em tanto uso,
Para apanhar as boas caravellas
E fazer no thesouro comedelas.

XIX

Pela agua abaixo irá com este jogo
Qualquer cousa que geito ou valor tenha,
E a militança ha de elevar-se logo,
Venha lá o dinheiro d'onde venha,
Muito embora nem saiba fazer fogo,
Nem mesmo nas manobras se sustenha;
Depois de estar em cima da maroma,
que menos souber é o que mais toma.
XX

Depois de tantas eleições viciadas

Com dinheiros tão mal desbaratados,

Novas formas serão imaginadas

Com que os povos mais fiquem marimbados.

«Podes crer, não são fabulas sonhadas,

São factos que verás realizados;

E se vier d'aqui mal á nação

Grande parte se deve á tua acção.

XXI

«Uma gente levada dos demonios,

Que ás cousas serias nenhum culto rende,
Servida de maritimos favonios,

N'uma praia que juncto ao mar se extende,
Tendo por testemunhas os bolonios

Para quem o padeiro em vão o forno accende, Com um mais atrazador que Quinto Fabio Certo contracto fez. Africa sabe-o.»>

XXII

Mas n'este passo o rei do infernal côro,
Gargalhando um sorriso estarrecido,
N'um tom de voz horrisono e canoro,
Para ser em toda a parte bem ouvido:
«E tu, meu rolha, disse, que alto choro
Fizeste erguer então no teu partido,

Has de do orbe tambem na mesma parte
Com maior crime em breve assignalar-te.

XXIII

«Aqui tens outro agora que nos feitos
Dá de si triste prova no futuro:
De zangas será morto e de despeitos
E o seu nome atirado para o monturo.
De que lhe vale morrer em fofos leitos,
Se o ha de sempre pungir remorso escuro
Por ter lançado a unha á propriedade
Que é do estado e do povo, na verdade?

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