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CXLIV

Assim deixou o misero terreno,
Victima de tão duro e triste fado,
Aquelle que viera ao Tejo ameno
Com tenção de folgar o seu boccado.
Mas o senhor do estado mais pequeno,
Sorumbatico e cheio de cuidado,
Para casa foi, na cama se deitou
E toda a noite o olho não pregou.

CXLV

Não mais, Musa, não mais, que a penna tenho
Gasta de escripta tão abhorrecida.

O assumpto é digno mais de um grosso lenho
Que de uma fragil penna commedida.
Embotado já estou de gosto e engenho,
Nem me appetece nada n'esta vida
Senão pegar n'uma candeia accesa
E lançar fogo á terra portugueza.

CXLVI

E não sei porque influxo do destino
Aquelles mesmos em quem tinha posto
Alguma fé contra este desatino,
Em se atolar na lama fazem gosto.
Um d'elles que até agora, aspero e ferino,
Atacára esta corja rosto a rosto,
Dá hoje a estas corrompidas gentes
Um exemplo dos mais vis e indecentes

CXLVII

Olhai como elle as obras mais vazias
Em cartas louva qual cartaz de touros,
Sevandijando n'estas porcarias

A sã critica a troco de alguns ouros.
Vêde tambem as mil semsaborias,
Indignas mesmo de boçaes calouros,
Com que elle emporcalhou livros sem fundo,
Para um certo leilão, negocio immundo.

CXLVIII

Por ter ainda uns restos conservados
De sentimentos nobres e decentes,
Quizera vêr para a lucta apparelhados
Quantos se prezam ser honestas gentes.
Mas vejo os meus desejos arriscados
A não ser satisfeitos nem contentes,
Pois, como vão as cousas, já duvido
Que isto mais tempo possa ser mantido.

CXLIX

Castigai-os, ó céos, chovei-lhes raios,
Dai-lhes cabo da pifia humanidade;
Florestas virgens, vinde cá, tosai-os,
Arrancai-lhes a pelle sem piedade;
Varrei com enormissimos balaios.
Todos estes malandros, que a vaidade

E o roubo teem por norma; pois bem sabem
As responsabilidades que lhes cabem.

CL

Brado, mas brado em vão; os sujos vicios
Com a minha penna em vão zurzir intento;
N'estes burros não vejo alguns resquicios
De pundonor ou nobre sentimento.

Se ha ahi alguem que possa e queira, atice-os,
Que eu prefiro ir metter-me n'um convento,
Onde não dão as leis ao reino inteiro
Um cauteleiro e mais um confeiteiro..

CLI

Alli já não verei postos em cima,
Com riso alvar arreganhando o dente,
Aquelles que a philaucia e o roubo anima,
E cujas unhas todo o povo sente;
Nem dar-se a mais excepcional estima
Ao pulha burrical mais indecente,
Nem punir com rigores excessivos
Os pobres só e miseros captivos.

CLII

Em meu conceito nunca os admirados
Allemães, Gallos, Italos e Inglezes
Diriam que assim fossem governados
Por tanta infrene besta os portuguezes:
Elles, que outr'ora andavam tão pasmados
De ensinarmos a lei aos Japonezes!
É um grande mysterio e ninguem sabe
Como tão cedo um tal poder acabe.

CLIII

Nem Phormião, philosopho elegante
Que com Annibal conversava e ria,
Apesar do seu genio penetrante,
Decifrar tal mysterio poderia.

Nem Diogenes, nem Socrates prestante,
Se de cá vir lhes désse a phantasia,

Por mais que o Sousa Lobo os fosse guiando
O caso explicariam alto e nefando.

CLIV

Mas eu porque trabalho e vélo e estudo
N'um paiz tão pelintra e tão safado?

Porque antes me não raspo e me não mudo
Para onde o tempo melhor tenha empregado?
Eu vos digo: é porque, no fim de tudo,

Ainda

espero ter momento azado Para ferrar-vos no cachaço o dente E ao diabo mandar-vos de presente.

CLV

Para zurzir-vos, punho ao murro feito;
Para descompor-vos, lingua bem afiada;
Só me fallece uma occasião de geito
Em que possa correr-vos á lambada,
Se isto me o céo concede, e satisfeito
Fôr na minha vontade exasperada,
Como a presaga mente vaticina

Lendo no Sete-Estrello a minha sina;

CLVI

Ou despejando sobre vós a Musa
Que este canto me inspira altisonante,
Ou na Ribeira arregaçando a blusa
Para vos ir ao vulto repugnante;
Estai certos que então qualquer excusa
De vir para cá com fumos de arrogante;
Pois fico que tamanha a tunda seja
Que nem um osso inteiro em vós se veja!

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