Assim deixou o misero terreno, Victima de tão duro e triste fado, Aquelle que viera ao Tejo ameno Com tenção de folgar o seu boccado. Mas o senhor do estado mais pequeno, Sorumbatico e cheio de cuidado, Para casa foi, na cama se deitou E toda a noite o olho não pregou.
Não mais, Musa, não mais, que a penna tenho Gasta de escripta tão abhorrecida.
O assumpto é digno mais de um grosso lenho Que de uma fragil penna commedida. Embotado já estou de gosto e engenho, Nem me appetece nada n'esta vida Senão pegar n'uma candeia accesa E lançar fogo á terra portugueza.
E não sei porque influxo do destino Aquelles mesmos em quem tinha posto Alguma fé contra este desatino, Em se atolar na lama fazem gosto. Um d'elles que até agora, aspero e ferino, Atacára esta corja rosto a rosto, Dá hoje a estas corrompidas gentes Um exemplo dos mais vis e indecentes
Olhai como elle as obras mais vazias Em cartas louva qual cartaz de touros, Sevandijando n'estas porcarias
A sã critica a troco de alguns ouros. Vêde tambem as mil semsaborias, Indignas mesmo de boçaes calouros, Com que elle emporcalhou livros sem fundo, Para um certo leilão, negocio immundo.
Por ter ainda uns restos conservados De sentimentos nobres e decentes, Quizera vêr para a lucta apparelhados Quantos se prezam ser honestas gentes. Mas vejo os meus desejos arriscados A não ser satisfeitos nem contentes, Pois, como vão as cousas, já duvido Que isto mais tempo possa ser mantido.
Castigai-os, ó céos, chovei-lhes raios, Dai-lhes cabo da pifia humanidade; Florestas virgens, vinde cá, tosai-os, Arrancai-lhes a pelle sem piedade; Varrei com enormissimos balaios. Todos estes malandros, que a vaidade
E o roubo teem por norma; pois bem sabem As responsabilidades que lhes cabem.
Brado, mas brado em vão; os sujos vicios Com a minha penna em vão zurzir intento; N'estes burros não vejo alguns resquicios De pundonor ou nobre sentimento.
Se ha ahi alguem que possa e queira, atice-os, Que eu prefiro ir metter-me n'um convento, Onde não dão as leis ao reino inteiro Um cauteleiro e mais um confeiteiro..
Alli já não verei postos em cima, Com riso alvar arreganhando o dente, Aquelles que a philaucia e o roubo anima, E cujas unhas todo o povo sente; Nem dar-se a mais excepcional estima Ao pulha burrical mais indecente, Nem punir com rigores excessivos Os pobres só e miseros captivos.
Em meu conceito nunca os admirados Allemães, Gallos, Italos e Inglezes Diriam que assim fossem governados Por tanta infrene besta os portuguezes: Elles, que outr'ora andavam tão pasmados De ensinarmos a lei aos Japonezes! É um grande mysterio e ninguem sabe Como tão cedo um tal poder acabe.
Nem Phormião, philosopho elegante Que com Annibal conversava e ria, Apesar do seu genio penetrante, Decifrar tal mysterio poderia.
Nem Diogenes, nem Socrates prestante, Se de cá vir lhes désse a phantasia,
Por mais que o Sousa Lobo os fosse guiando O caso explicariam alto e nefando.
Mas eu porque trabalho e vélo e estudo N'um paiz tão pelintra e tão safado?
Porque antes me não raspo e me não mudo Para onde o tempo melhor tenha empregado? Eu vos digo: é porque, no fim de tudo,
espero ter momento azado Para ferrar-vos no cachaço o dente E ao diabo mandar-vos de presente.
Para zurzir-vos, punho ao murro feito; Para descompor-vos, lingua bem afiada; Só me fallece uma occasião de geito Em que possa correr-vos á lambada, Se isto me o céo concede, e satisfeito Fôr na minha vontade exasperada, Como a presaga mente vaticina
Lendo no Sete-Estrello a minha sina;
Ou despejando sobre vós a Musa Que este canto me inspira altisonante, Ou na Ribeira arregaçando a blusa Para vos ir ao vulto repugnante; Estai certos que então qualquer excusa De vir para cá com fumos de arrogante; Pois fico que tamanha a tunda seja Que nem um osso inteiro em vós se veja!
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