Não sabia que modos empregasse O grão malandro, rei dos traficantes, Para que as algibeiras resguardasse D'est'outros mais expertos meliantes. Pesa-lhe que tão perto o aposentasse D'aquella raça infame de birbantes A ventura, que não n'o fez vizinho D'onde tivesse mais seguro o ninho.
Comtudo, disfarçando antipathias, Alegre se mostrava o safardana, E inventando uns bailiques e folias, Que invejára a farandula Ajudana, Este grande intrujão todos os dias Festeja a rapinante caravana, Com petingas e chocos estragados, Iscas sem ellas, carapaus assados.
Mas vendo o outro que isto não convinha Ao seu devorador ajuntamento,
E sobretudo fome era o que tinha, E precisava farto mantimento, Não se pode conter, a carapinha Arrepela com gesto quisilento,
E abrindo a bocca, que a surrapa féde, Que deite ao chão a mascara lhe pede.
Pede-lhe mais que aquelle dia seja Com mostras mais sinceras celebrado, Que nenhum outro bem maior deseja Do que tel-o nos roubos a seu lado; E que em quanto a sua bolsa quente esteja, Se d'elle for deveras ajudado,
Tel-o-ha por amigo e confidente,
Porque bem vê que está com a sua gente.
Acceita o outro,. e a pata lhe extendia. Despede-se o Lobinho e ás gambias dando, Para a reles chafarica se partia
A retomar da cafila o commando. Nos intentos que leva não havia
Senão desejos de mostrar ao bando Que mais seguro do que fôra, vinha, Pois novas amizades certas tinha.
Houve grande festança no Oriente, E, como quando o rei chegou, cantavam; Qual abre os olhos, qual amostra o dente, Já quasi á presa os camarões deitavam. Mas o bom do marquez que na alma sente As tramoias que então se apparelhavam gente que precisa espora e tina, Vai aos ares, dá vivas á Christina.
Via estar todo o rancho combinado A fazer de Lisboa uma Sodoma, E não achava meio apropriado
Para o impedir que ao povo explore e coma. De casa sai furioso e desesperado, Praguejando de Deus e de Mafoma,
Entra por uma rua e vai-se á côrte
D'esse que as aguas mornas teve em sorte.
No mais interno fundo das profundas Alcovas onde a sordidez se esconde, Lá d'onde as ordens saem furibundas Quando o lacaio broma lhe responde, Entre almofadas já sem côr e immundas, Deitado está o bucha feito conde, Esperando que tu o desenfades, Bailarina gentil de outras edades.
Não era certamente um ceo aberto A casa onde morava o tal sovina; Altos montões estão a descoberto De materia que os ares contamina. Quanto se chegam mais as ventas perto Tanto menos o olfacto determina Se rapozinhos são que tem deante Ou se está no covil de algum tunante.
As portas denegridas e ensebadas, Com a immundicie que alli cresce e nasce, As manchas apresentam variadas Que velha meretriz mostra na face. Cortinas velhas, que lhe foram dadas Para que alguns afilhados empregasse, Vêem-se, e dois reposteiros remendados, E no chão quatro gatos enroscados.
Um boneco de gesso estava em cima De uma mesa que mal já se sustinha; De grosso almaço alambazada rima Tres cadastros ao menos já continha; Logo após elle ao tecto se sublima Um painel com o retrato da avósinha; E a cobrir um bispote inda vazio Enorme cachenez que herdou do tio.
Um garoto de fralda inda sahida
De entre as calças no rabo descosidas, Dava caça na bola adormecida Ás alimarias n'ella produzidas. Com a outra mão pelo nariz mettida Tirava a caca ás ventas entupidas, Estudando e buscando varios modos De engazupar o tio, a tia e todos.
Emblemas n'outra parte estão de guerra, Espingardas e espadas rutilantes
Feitas de pau e lata, que da terra Mandaram ao petiz uns dias antes. A uma porta a creada, que é da serra, Mal trajada e com modos petulantes, Diz á dama que se erga da cadeira E venha dar a roupa á lavadeira.
Pouca tardança faz o velho irado Na vista d'estas cousas, mas entrando Na alcova do manata, que avisado Da vinda sua o estava já aguardando, E sentado o recebe, incommodado Um pouco (mas com gesto ledo e brando) De o virem perturbar no seu cantinho, E escondendo a caixa do esturrinho:
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