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CANTO SEXTO

I

Não sabia que modos empregasse
O grão malandro, rei dos traficantes,
Para que as algibeiras resguardasse
D'est'outros mais expertos meliantes.
Pesa-lhe que tão perto o aposentasse
D'aquella raça infame de birbantes
A ventura, que não n'o fez vizinho
D'onde tivesse mais seguro o ninho.

II

Comtudo, disfarçando antipathias,
Alegre se mostrava o safardana,
E inventando uns bailiques e folias,
Que invejára a farandula Ajudana,
Este grande intrujão todos os dias
Festeja a rapinante caravana,
Com petingas e chocos estragados,
Iscas sem ellas, carapaus assados.

III

Mas vendo o outro que isto não convinha
Ao seu devorador ajuntamento,

E sobretudo fome era o que tinha,
E precisava farto mantimento,
Não se pode conter, a carapinha
Arrepela com gesto quisilento,

E abrindo a bocca, que a surrapa féde,
Que deite ao chão a mascara lhe pede.

IV

Pede-lhe mais que aquelle dia seja
Com mostras mais sinceras celebrado,
Que nenhum outro bem maior deseja
Do que tel-o nos roubos a seu lado;
E que em quanto a sua bolsa quente esteja,
Se d'elle for deveras ajudado,

Tel-o-ha por amigo e confidente,

Porque bem vê que está com a sua gente.

V

Acceita o outro,. e a pata lhe extendia.
Despede-se o Lobinho e ás gambias dando,
Para a reles chafarica se partia

A retomar da cafila o commando.
Nos intentos que leva não havia

Senão desejos de mostrar ao bando
Que mais seguro do que fôra, vinha,
Pois novas amizades certas tinha.

VI

Houve grande festança no Oriente,
E, como quando o rei chegou, cantavam;
Qual abre os olhos, qual amostra o dente,
Já quasi á presa os camarões deitavam.
Mas o bom do marquez que na alma sente
As tramoias que então se apparelhavam
gente que precisa espora e tina,
Vai aos ares, dá vivas á Christina.

Á

VII

Via estar todo o rancho combinado
A fazer de Lisboa uma Sodoma,
E não achava meio apropriado

Para o impedir que ao povo explore e coma.
De casa sai furioso e desesperado,
Praguejando de Deus e de Mafoma,

Entra por uma rua e vai-se á côrte

D'esse que as aguas mornas teve em sorte.

VIII

No mais interno fundo das profundas
Alcovas onde a sordidez se esconde,
Lá d'onde as ordens saem furibundas
Quando o lacaio broma lhe responde,
Entre almofadas já sem côr e immundas,
Deitado está o bucha feito conde,
Esperando que tu o desenfades,
Bailarina gentil de outras edades.

IX

Não era certamente um ceo aberto
A casa onde morava o tal sovina;
Altos montões estão a descoberto
De materia que os ares contamina.
Quanto se chegam mais as ventas perto
Tanto menos o olfacto determina
Se rapozinhos são que tem deante
Ou se está no covil de algum tunante.

X

As portas denegridas e ensebadas,
Com a immundicie que alli cresce e nasce,
As manchas apresentam variadas
Que velha meretriz mostra na face.
Cortinas velhas, que lhe foram dadas
Para que alguns afilhados empregasse,
Vêem-se, e dois reposteiros remendados,
E no chão quatro gatos enroscados.

XI

Um boneco de gesso estava em cima
De uma mesa que mal já se sustinha;
De grosso almaço alambazada rima
Tres cadastros ao menos já continha;
Logo após elle ao tecto se sublima
Um painel com o retrato da avósinha;
E a cobrir um bispote inda vazio
Enorme cachenez que herdou do tio.

XII

Um garoto de fralda inda sahida

De entre as calças no rabo descosidas,
Dava caça na bola adormecida
Ás alimarias n'ella produzidas.
Com a outra mão pelo nariz mettida
Tirava a caca ás ventas entupidas,
Estudando e buscando varios modos
De engazupar o tio, a tia e todos.

XIII

Emblemas n'outra parte estão de guerra,
Espingardas e espadas rutilantes

Feitas de pau e lata, que da terra
Mandaram ao petiz uns dias antes.
A uma porta a creada, que é da serra,
Mal trajada e com modos petulantes,
Diz á dama que se erga da cadeira
E venha dar a roupa á lavadeira.

XIV

Pouca tardança faz o velho irado
Na vista d'estas cousas, mas entrando
Na alcova do manata, que avisado
Da vinda sua o estava já aguardando,
E sentado o recebe, incommodado
Um pouco (mas com gesto ledo e brando)
De o virem perturbar no seu cantinho,
E escondendo a caixa do esturrinho:

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