Pagina-afbeeldingen
PDF
ePub

XV

«Caro conde, lhe disse, não te espantes
De um soldado em tua casa receberes;
Venho contar-te as traças dos birbantes
E pedir-te o auxilio que puderes:
Manda chamar os teus amigos, antes
Que fale mais, se ouvir-me o mais quizeres;
Verão da traficancia grandes modos,

Ouçam todos o mal que toca a todos.>>

XVI

Julgando já o nobre que seria

Extranho caso aquelle, logo manda

Chamar pelo gallego que o servia

Com os outros um que estava na Outra Banda.

Este, que de ser filho se gloría

Do trabalho e da imprensa veneranda,

Era um seringa magrizela e feio,

Trombeta do patrão e seu correio.

XVII

As espetadas grenhas que lhe crescem
Pelo toutiço e fronte todas eram
Uns bicos de sovela e bem parecem

Que nunca banha e pente conheceram;
Nos ouvidos e partes que os guarnecem
As bolinhas de cera se agglomeram;
tinha posta

Parecia no carão

que

Uma capa ou frontal de secca bosta.

XVIII

Sebenta era a albarda e os atafaes
Que ornavam este sordido jumento;
As calças que vestia eram taes quaes
Saccas de urzella sujas de excremento;
Piolhos e outros pequenos animaes
Andam pela camisa em movimento,
Que nem nos tarimbeiros ou marujos
Tantos se dão dos sobredictos cujos.

XIX

Nos pés a grande chanca retorcida,
Que trazia, para os lados já cambava;
A gola do casaco ennegrecida
Pasta de sebo lés-a-lés mostrava.
Mal poz o pé em terra, de corrida
Do patrão para a casa caminhava,
Onde se estava então da Lusitania
Jogando a sorte com audaz insania.

XX

Vinha o das landes trauteando o fado,
Com os dedos cofiando a barba rara;
Vem um nariz comprido e encarnado
A rebocar o corpo em que brotara;
O propheta judeu, trazendo o gado
De bazorrinhas com que o mundo inçara,
Álli veiu tambem, a ver se havia
Algum nicho para a sua bicharia.

XXI

Vinha por outra parte a velha esposa
Do gordo cabo a quem o Arrobas pilha,
Dando ao beque por fórma tão airosa
Que ao Dias de Oliveira maravilha.
Umas luvas de côr mui duvidosa
Trazia, e sob as abas da mantilha
A redondez das ancas deixa ver-se,
Que o tal sitio não é para esconder-se.

XXII

Bernardino, feliz nos seus amores,
N'este caso não quiz que fallecesse;
Traz comsigo o Burlesco que aos auctores
De tricas tanta tosa fez que désse.

Já se crê que ha na casa dois senhores,
Qualquer parecerá que o mando houvesse;
Ambos tractam de par; egual partido,
Pois de uma esposa cada um é marido.

XXIII

Aquelle que ao juiz e ao navegante
Ha de um dia dar leis de asno chapado,
Traz comsigo o sobrinho, nedio infante,
No numero dos tolos relatado.

Aos saltos pela rua vem deante,
Como quem é garoto e malcreado;
Ou julga que ainda está na sua aldeia
Ou tem no caco então tremelga ou veia.

XXIV

Aquelle que tem toga como o mano
E, por bamburrio ou sorte mysteriosa,
Ou talvez dos collegas por engano,
Se sentou na cadeira magestosa
Do poder, tambem vinha muito ufano
Da ultima partida em que uma grosa
De libras empalmou a um desgraçado
Que lhe cahiu nas mãos por seu mau fado.

XXV

Já finalmente todos assentados

Em tripeças na sala principal,

E os pequenos no chão acocorados

(Menos alguns que foram para o quintal),
Perguntaram e foram perguntados
Pelos filhos e esposas cada qual,

E «como vai o amigo? como passa?»
E do tempo e das fructas que ha na praça.

XXVI

Estando socegado já o tumulto

Dos rapapés do estylo e cumprimentos,
Principia a tirar do peito occulto

As causas o marquez de seus tormentos.
Mexendo o coto e carregando o vulto,
Como quem tracta de ensinar jumentos,
Fazendo a fala cavernosa e forte,

Aos circumstantes brada d'esta sorte:

XXVII

«Illustre Cadastrone, que te arreias
De um seguro e balofo potentado;
Que para todo o mal tens panacéas
De agua chilra e de chocho palavriado;
E ó tu que já não mexes, e as candeias
Volves por toda a gente embasbacado,
E aconselhas ainda a Anna Brites

A que as saias contenha em seus limites; •

XXVIII

«E vós outros palurdios que correis
Áquella parte aonde alguem vos mande,
Sem que de alguma injuria vos vingueis,
Ou seja dicto chulo ou tosa grande;
Que descuido foi este em que viveis?
Quem póde ser que a bola vos desmande,
Para que não vejais esses bandidos
Que com o dinheiro alheio andam vestidos?

XXIX

«Vistes que com grandissima ousadia
Logo escalaram o poder supremo;
Vistes aquella gran patifaria

De passar contrabando a vela e remo;
Vistes e ainda vemos cada dia

Rapinas e intrujices taes, que temo

Que á lusa gente dentro em poucos annos Deixem o osso e chupem os tutanos.

« VorigeDoorgaan »