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XV

E vejamos emtanto se apparece
Alguem que vá á mão aos taes birbantes,
Pois a tal ponto a desvergonha cresce,
Que a toda a gente ficam repugnantes.
Nas sombras a meada alguem lhes tece
Com que os faça tornar ao que eram d'antes,
Não consentindo que se torça a lei

E se engazupe mais o povo e o rei.

XVI

Tanto que as novas leis se publicaram,
Os que sentiam na barriga dores
Com artigos e meetings espalharam
Brados de opposição e altos clamores.
Em roda d'elles logo se ajuntaram
Os que são de aguas turvas pescadores,
E prompto acode á voz com alegria
Quem do orçamento á mesa não comia.

XVII

Na área que de São Roque o nome abrange, E sitio que um marquez torna famoso,

Á

espera que melhor cousa se arranje

E a fome saciar possa o guloso,

Junta-se a patriotica phalange

Que escolheu para chefe um nome honroso,
A quem do Zé povinho alguns adoram
E com quem outros o povinho exploram.

XVIII

N'um solar da Travessa que, cortando
Quatro ruas, o Bairro Alto discorre,
Por onde em cada esquina sujo bando
De cantoneiras toda a noite corre,
As portas são, por onde vai entrando
Quanto o poder almeja e á mingua morre,
Quanto inspirava aos mandarins desprezo,
Quanto andava a pedir e quer ser Creso.

XIX

Já n'uma e n'outra sala em grande espaço Da fandangueira tropa a maré monta. Unem-se, apertam-se em cordeal abraço Aquelles a quem Fontes não faz conta. Qual accende o charuto, e o mais escasso Do vil cigarro chupa a negra ponta,

E os vizinhos da rua moradores

Não sabem o que querem taes senhores.

XX

Mas agora de nomes não alcança
A vista e a memoria as variantes.
Avilistas acodem á festança;
Historicos, outr'ora tão possantes;
'Os que um dia na Granja um pacto lança
Nos braços uns dos outros delirantes;
E aquelle que por sordida alcavalla,
Atraiçoando os seus, o mando escala.

XXI

O Silva Lobo, de animo fogoso,

Mais que

todos accende e irrita a gente,

Nas arengas tornando-se famoso

Com que o governo tosa rijamente.
Aqui e alli correndo pressuroso,

Que o furor estar quieto o não consente,
Barafusta e quer ver se encontra furo
Por onde atire o Mártens ao monturo.

XXII

Não falta alli um certo bonifrate
Sem crenças e sem brio ou dignidade,
Que com pau de dois bicos só combate,
Mostrando na marosca habilidade.

Esperam que o comboio desengate
Que a gente traz da invicta e leal cidade;
Na rua ouvem motim, vão á janella;
Voltam a postos, porque lá vem ella.

XXIII

Estava muito povo no Rocio,

Pelo Chiado de uma e de outra parte;
Todas as ruas cheias de gentio
Que até pelas travessas se reparte;
E desde os caes que deitam para o rio
É tudo gente e povoléo que farte.
Dos tripeiros o gesto e o trajo novo
Faz concorrer a vêl-os todo o povo.

XXIV

Entre a gente que a vel-os concorria
Se chega um sapateiro, que nascido
Fôra na região do Douro fria,

Lá onde o sóco é estimado e querido.
Ou pela vizinhança já teria

Algum dos japonezes conhecido,
Ou da duvida quiz tirar o erro,
Ou era algum damnado e duro perro.

XXV

Em vendo os viajantes, furibundo
Para elles se vai com toda a gana

E lhes disse: «Sois almas do outro mundo,
Ou vindes com os maraus dar em pantana?»
«Nós vimos, lhe responde, aqui dar fundo,
Para agradecer ao meeting de Sant'Anna,
E depois a el-rei fazer presente

O que quer e pretende a invicta gente.»>

XXVI

Contente o do cerol toma coragem
E do braço ao parceiro logo trava;
Pergunta se passou bem na viagem
E se o calor ou frio o molestava;
Mas vendo emfim que a força da mensagem
Só para o rei e socios relevava,

Lhe diz que, se tiver necessidade

Dos seus serviços, encontrál-o ha de.

XXVII

E que em tanto que a ordem lhe chegasse
De ir ao Paço n'aquelle ou n'outro dia,
Que na sua estalagem repousasse
Onde alface e dobrada comeria;
E depois que se um pouco recreasse,
Com elle a baixa toda correria;

Iria á Estrella, ao Monte e ao Montanha
E por fim o lagarto ver á Penha.

XXVIII

O japonez acceita de vontade
O que o ledo patricio lhe offerece,
E depois de umas voltas na cidade

E de umas pingas com que o peito aquece,
Lá vão onde os espera a sociedade
Na celebre Travessa que apparece.
Sobem a escadaria; e toda a gente
Os tripeiros recebe alegremente.

XXIX

Tambem ao outro dia o rei mui ledo
Com doces falas os engrola e mella;
Muito bem os recebe e prompto e quedo
Pela invicta pergunta e cousas d'ella.
Um então dos de lá, perdendo o medo
E querendo honrar as fôrmas e a sovela,
De real sapateiro pede o fôro

Para o pôr na parede em lettras de ouro.

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