E vejamos emtanto se apparece Alguem que vá á mão aos taes birbantes, Pois a tal ponto a desvergonha cresce, Que a toda a gente ficam repugnantes. Nas sombras a meada alguem lhes tece Com que os faça tornar ao que eram d'antes, Não consentindo que se torça a lei
E se engazupe mais o povo e o rei.
Tanto que as novas leis se publicaram, Os que sentiam na barriga dores Com artigos e meetings espalharam Brados de opposição e altos clamores. Em roda d'elles logo se ajuntaram Os que são de aguas turvas pescadores, E prompto acode á voz com alegria Quem do orçamento á mesa não comia.
Na área que de São Roque o nome abrange, E sitio que um marquez torna famoso,
espera que melhor cousa se arranje
E a fome saciar possa o guloso,
Junta-se a patriotica phalange
Que escolheu para chefe um nome honroso, A quem do Zé povinho alguns adoram E com quem outros o povinho exploram.
N'um solar da Travessa que, cortando Quatro ruas, o Bairro Alto discorre, Por onde em cada esquina sujo bando De cantoneiras toda a noite corre, As portas são, por onde vai entrando Quanto o poder almeja e á mingua morre, Quanto inspirava aos mandarins desprezo, Quanto andava a pedir e quer ser Creso.
Já n'uma e n'outra sala em grande espaço Da fandangueira tropa a maré monta. Unem-se, apertam-se em cordeal abraço Aquelles a quem Fontes não faz conta. Qual accende o charuto, e o mais escasso Do vil cigarro chupa a negra ponta,
E os vizinhos da rua moradores
Não sabem o que querem taes senhores.
Mas agora de nomes não alcança A vista e a memoria as variantes. Avilistas acodem á festança; Historicos, outr'ora tão possantes; 'Os que um dia na Granja um pacto lança Nos braços uns dos outros delirantes; E aquelle que por sordida alcavalla, Atraiçoando os seus, o mando escala.
O Silva Lobo, de animo fogoso,
todos accende e irrita a gente,
Nas arengas tornando-se famoso
Com que o governo tosa rijamente. Aqui e alli correndo pressuroso,
Que o furor estar quieto o não consente, Barafusta e quer ver se encontra furo Por onde atire o Mártens ao monturo.
Não falta alli um certo bonifrate Sem crenças e sem brio ou dignidade, Que com pau de dois bicos só combate, Mostrando na marosca habilidade.
Esperam que o comboio desengate Que a gente traz da invicta e leal cidade; Na rua ouvem motim, vão á janella; Voltam a postos, porque lá vem ella.
Estava muito povo no Rocio,
Pelo Chiado de uma e de outra parte; Todas as ruas cheias de gentio Que até pelas travessas se reparte; E desde os caes que deitam para o rio É tudo gente e povoléo que farte. Dos tripeiros o gesto e o trajo novo Faz concorrer a vêl-os todo o povo.
Entre a gente que a vel-os concorria Se chega um sapateiro, que nascido Fôra na região do Douro fria,
Lá onde o sóco é estimado e querido. Ou pela vizinhança já teria
Algum dos japonezes conhecido, Ou da duvida quiz tirar o erro, Ou era algum damnado e duro perro.
Em vendo os viajantes, furibundo Para elles se vai com toda a gana
E lhes disse: «Sois almas do outro mundo, Ou vindes com os maraus dar em pantana?» «Nós vimos, lhe responde, aqui dar fundo, Para agradecer ao meeting de Sant'Anna, E depois a el-rei fazer presente
O que quer e pretende a invicta gente.»>
Contente o do cerol toma coragem E do braço ao parceiro logo trava; Pergunta se passou bem na viagem E se o calor ou frio o molestava; Mas vendo emfim que a força da mensagem Só para o rei e socios relevava,
Lhe diz que, se tiver necessidade
Dos seus serviços, encontrál-o ha de.
E que em tanto que a ordem lhe chegasse De ir ao Paço n'aquelle ou n'outro dia, Que na sua estalagem repousasse Onde alface e dobrada comeria; E depois que se um pouco recreasse, Com elle a baixa toda correria;
Iria á Estrella, ao Monte e ao Montanha E por fim o lagarto ver á Penha.
O japonez acceita de vontade O que o ledo patricio lhe offerece, E depois de umas voltas na cidade
E de umas pingas com que o peito aquece, Lá vão onde os espera a sociedade Na celebre Travessa que apparece. Sobem a escadaria; e toda a gente Os tripeiros recebe alegremente.
Tambem ao outro dia o rei mui ledo Com doces falas os engrola e mella; Muito bem os recebe e prompto e quedo Pela invicta pergunta e cousas d'ella. Um então dos de lá, perdendo o medo E querendo honrar as fôrmas e a sovela, De real sapateiro pede o fôro
Para o pôr na parede em lettras de ouro.
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