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sociedade ou o novo Banco do Brasil recebeu os bens, direitos e acções do Banco da Republica do Brasil que lhe foram incorporados e subrogados pela constituição do seu capital, pelo valor de 25 mil contos, concedendo-se aos accionistas, por compensação dos prejuizos soffridos na liquidação da conta antiga, uma parte nos lucros da conta nova do Banco da Republica, entrando o Governo com 2.500 contos de réis em dinheiro para valorizar as acções do Banco, elevado assim o activo a 22.500 contos de réis. A sociedade ficou responsavel ao Thesouro pela restituição da somma adiantada para pagamento das inscripções não resgatadas, dando em caução os bens, direitos e acções do activo do Banco da Republica do Brasil. O capital ficou sendo de 70 mil contos em 350 mil acções de 200$, assim distribuido: os accionistas do Banco da Republica receberam 112.500 acções representando 22.500 contos; o Governo teve 125.000 acções ou 25.000 contos, e as restantes acções foram destinadas á subscripção publica, a que ainda se não recorreu. A administração do estabelecimento foi confiada a 4 directores, sendo da nomeação do Governo o presidente e o director encarregado da carteira cambial, e os outros dous eleitos pela assembléa geral, mas como o Governo possue a maioria das acções é de facto o eleitor unico dos administradores.

O Banco ficou com o direito exclusivo de emittir cheques - ouro para a satisfação dos impostos aduaneiros, e foi-lhe tambem garantido o privilegio da emmissão de notas quando fôr possivel a circulação metallica. Tal o systema em que se organizou o nosso mais importante estabelecimento de credito, que se acha legislativamente apparelhado para desempenhar no organismo economico do paiz o papel que lhe incumbe, faltando-lhe desenvolver a sua acção, por meio de augmento do capital, visivelmente insufficiente, da creação de filiaes ou agencias em todos os Estados da União e msemo em mais de uma cidade do Estado, como é indispensavel ao exercicio da funcção central que é chamado a assumir. A falta dessas succursaes cauca os mais graves transtornos ao commercio, anemia a industria e perturba a circulação do papel-moeda.

Nãa pretendia, nem pretendo, fazer a historia do nosso commercio e muito menos fatigar a attenção do benevolo auditorio com a noticia das numerosas leis que se vão succedendo entre nós depois da proclamação da Republica, para a regulação da materia do commercio. Quiz apenas, recorrendo a reminiscencias e impressões pessoaes, assignalar, de modo succinto e perfunctorio, os principaes acontecimentos da vida commercial e a influencia que sobre elles exerceram as nossas leis commerciaes. Apenas alludirei, de passagem, aos mais importantes documentos legislativos, e bordarei de alguns commentarios as leis que exerceram, quando promulgadas, uma acção bem apreciavel sobre a nossa evolução industrial ou a nossa vida economica.

Uma das mais notaveis é devida ao Governo Provisorio o decreto n. 917, de 24 de Outubro de 1890, da autoria do Conselheiro Carlos Augusto de Carvalho. Substituindo a parte do Codigo do Commercio que se occupa das quebras, o decreto n. 917 lançou as bases de uma nova jurisprudencia, que da materia especial da fallencia irradia, illumina varios recantos do direito privado, esboça a doutrina moderna do direito abstracto das cousas, assegura a boa fé das transacções commerciaes e firma a regra da interpretação do instituto pelo fim para que foi creado. Este grande acto legislativo do Governo Provisorio desmoralizou-se pela

applicação que lhe deram a argucia dos advogados, a incerteza e dubiedade dos juizes que lhe não percebiam o alcance e o terrivel choque de interesses resultante da crise produzida pela jogatina da Bolsa. Duas novas leis de fallencia são promulgadas no intuito de reparar vicios que eram dos tempos e não da lei, e ainda hoje o commercio reconhece que nada lucrou com a mudança e subsiste insoluvel o problema da regulamentação do instituto da fallencia commercial.

A agiotagem enchera o mercado de titulos ao portador, a carencia da moeda divisionaria no interior do paiz levara companhias, negociantes e governos a sophismar a lei reguladora das debentures para emittir á vontade papeis ao portador, fugindo á prohibição legal.

Foram celebrados no Parlamento os manos-chicos do sertão e os burruquês mineiros. Pequenas debentures de 500 réis faziam de papel-moeda no interior, assim como nas capitaes de certos Estados o valor nominal das apolices da divida publica local baixara ridiculamente a 100 réis.

A providencia tomada pelo Congresso Nacional foi a decretação da lei de 15 de Setembro de 1893, que remodelou as debentures, e para regularizar a situação das companhias que haviam abusado do credito e se achavam incapazes de resgatar as suas obrigações creou uma concordata especial entre debenturistas e accionistas, a que deu regulamento o decreto de 22 de Maio de 1897. por certos negociadores extrangeiros chamado opportuno porque lhes permittio ficar com uma das mais importantes vias ferreas, que a nossa inepcia administrativa reduzira á condição de não poder viver.

O decreto legislativo de 31 de Dezembro de 1898 prohibio a circulação de titulos ao portador, emittidos pelos Estados.

Que direi da legislação relativa á industria da navegação e ao commercio do mar? Em 1886 o Almirante Jaceguay formulara o projecto de uma companhia transatlantica, cujos navios deviam ter as condições de velocidade e outras que lhes permittissem fazer o serviço de cruzadores, transportes e avisos de guerra, de necessidade do Estado, e cujos maņujos deveriam constituir a reserva da Armada.

O decreto de 19 de Fevereiro de 1890 organizou o Lloyd Brasileiro, aproveitando e ampliando o plano da Transatlantica, e um anno depois a Constituição da Republica, traçando a esphera de acção da União e dos Estados, reservava para os navios nacionaes a navegação de cabotagem. Praticamente o Lloyd vinha assim a ter o monopolio da navegação mercante nas costas do Brasil, mas a especulação se apoderou delle, como de quasi todas as emprezas, e como a todas deixou combalido e incapaz de aproveitar-se das enormes vantagens de uma situação verdadeiramente privilegiada. Diante da deficiencia do serviço do Lloyd, o Congresso, pela lei de 5 de Dezembro de 1895, fixou o prazo de dous annos para a effectiva nacionalização da cabotagem, nos termos da lei de 11 de Novembro de 1892, e pela lei de 1894 estendera o conceito de nacionalidade) ás sociedades nauticas, de modo a permittir que extrangeiros della façam parte, contra o principio estabelecido no art. 457 do Codigo do Commercio; e p regulamento de 2 de Julho de 1896, consolidando essas e outras disposições legislativas sobre marinha mercante, alargou ainda mais o pensamento do legislador ordinario, não quero dizer agora se bem ou mal interpretando o do legislador constituinte. Os commerciantes, sempre anciosos de liberdade, dirão que foi um bem e argumentarão com as necessidades do commercio interestadual; a população dos Estados do Norte acompanhal-os-ia nessa opinião, mas a do Sul, onde a navegação mercante se desenvolve e prospera e os politicos

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(fallo dos que vêem alguma cousa mais do que eleições e personalidades), lamentarão talvez, em nome da nossa defesa maritima e da prosperidade da nossa marinha de commercio, o desvirtuamento do intuito constitucional, lembrando que o livre cambio da Inglaterra é filho da protecção tenaz e ciumenta que desde Cronwell se dispensou á navegação nacional.

Fallarei da legislação sobre marcas de fabrica? Esta materia vinha regulada desde 1887 pela lei de 14 de Outubro, mas a importancia crescente do assumpto, os valiosos interesses que se foram creando em torno do instituto, dando logar a tratados e convenções internacionaes, aconselharam a modificação daquella lei pela de 24 de Setembro de 1904, a que se seguio o exorbitante e draconiano regulamento de 1905, produzindo, com a cumplicidade da policia, ao que se espalha, verdadeiras extorsões a negociantes de bôa fé. Questões interessantes têm sido objecto de pleitos judiciaes e a jurisprudencia dos nossos tribunaes, com auxilio da extranha, tem-lhe dado solução apropriada.

O decreto legislativo de 31 de Dezembro de 1888, definindo a letra de cambio e a nota promissoria, alterou profundamente o direito nacional, feito da tradição franceza e hespanhola e de jurisprudencia nem sempre uniforme. Seguio-se o systema allemão da lei de 1848, com algumas modificações, dando-se maior rigor formal aos effeitos do commercio daquellas duas especies, virtualmente equiparadas. Não se póde considerar uma lei definitiva, porque o Brasil tomou parte, com muitas outras nações, na elaboração de um projecto de lei uniforme sobre a letra de cambio e o bilhete á ordem ou nota promissoria, empreza de cuja realização e efficacia muito desconfio, em vista da opposição patente entre as idéas, os interesses e os usos e costumes dos diversos povos que tomaram parte na Convenção de Haya. Tambem o cheque foi regulado pelo decreto de 7 de Agosto de 1912, da iniciativa do Sr. Leopoldo de Bulhões, cujo pensamento foi alterado pelo Congresso, e a Conferencia de Haya, a que me referi, occupou-se tambem da organização de um projecto de lei universal sobre cheques, como consequencia da lei uniforme sobre letra de cambio. A questão do cheque agitou-se novamente aqui, não já entre os juristas, mas entre os commerciantes mais directamente interessados no caso, e a sessão da Directoria da Associação Commercial do Rio de Janeiro, em que se discutio o assumpto, assim como as em que se occupou das facturas ou contas assignadas contam-se entre as mais importantes e movimentadas que esta corporação tem celebrado. Sobre a lição que se póde tirar desta rapida noticia da nossa legislação commercial parece que ella demonstra que o mecanismo legislativo anda sempre em atrazo do movimento industrial do paiz e as leis vêm tardonhas remediar a males já acontecidos e sem remedio, o que quer dizer que neste assumpto, pois em outro me não quero metter, não temos sabido prever, isto é, não temos sabido governar. Muita actividade industrial se entorpece, muito esforço util se perde com os obstaculos postos por inexplicaveis textos de lei, de cujo archaismo estão legisladores e juristas, governos e commerciantes convencidos, mas que subsistem por força da inercia, ou por falta de tempo para pensar na reforma necessaria. Quando um movimento de oppressão mais violento acciona a machina, a lei edita disposições eivadas do espirito occasional para não dizer pessoal, ou extende o seu manto sobre cadaveres.

Poderei citar muitos exemplos disso, além dos factos a que já me referi, mas levar-me-iam muito longe. Em virtude desse legislar para o momento, a sabor dos choques de interesses e idéas de occasião, não se respeita o espirito scientifico nem a unidade da jurisprudencia. Certo é que o direito dos commer

ciantes é essencialmente pratico, procura solver necessidades concretas e não tem theses abstractas, mas o organismo industrial de um paiz tem a sua unidade, e os institutos de tal maneira se ligam que o jogo livre dos instrumentos postos em acção se entorpece sob a influencia do direito desconnexo que os rége.

A nossa época atravessa uma situação de que grandes lições se tiram em todos os ramos de actividade humana e em que o proprio direito privado, que parecia dever continuar fóra de questão, vem a ficar profundamente perturbado, Em vão os homens do direito procuram prevêr as relações juridicas internacionaes que uma grande guerra poderia crear, jámais lhes passou pela mente que a conflagração invadisse a esphera do direito privado e o revolucionasse até nos paizes extranhos á tremenda luta, desfazendo doces illusões de um seculo, invertendo theorias consagradas, pondo em novo assento o systema juridico das nações e o conceito universal do direito. A guerra já não é sómente entre forças militares, mas entre interesses economicos, é um conflicto entre nações e povos, a vêr a quem compete a hegemonia, senão o dominio das terras e dos mares. A prohibição de commerciar com cidadãos das nações belligerantes, a annullação dos contractos, o sequestro dos bens de extrangeiros, exprimem o pensamento da aspera contenda. Começa a Allemanha com a ordenação do Conselho Imperial de 7 de Agosto de 1914, que nega a todas as pessoas singulares ou collectivas extrangeiras o accesso aos tribunaes germanicos. Logo responde a Inglaterra, fiscalisando e sequestrando os estabelecimentos commerciaes e industriaes do inimigo e prohibindo os contractos com subditos dos paizes em guerra. Não é menos severa a França; a Austria e a Russia decretam leis excepcionaes, todas com o mesmo pensamento, a idéa dominante, a defesa nacional por todos os meios. Serão medidas transitorias ? E' provavel, mas não é menos verdade que o antigo conceito do direito ficou profundamente ferido. As nações novas devem meditar a lição, e a nossa, que vive a admirar servilmente as creações alheias, bem poderia cuidar de retomar as fontes tradicionaes do nosso direito nacional, norteado pelos interesses do paiz, sem abrir mão das conquistas que a humanidade ha feito, mas firme no proposito de armar a nação economicamente para as competencias do futuro, já que não nos será possivel evital-as.

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