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Entre nós, ha um excesso de pudor... temos vergonha de tudo, e os trajes usuaes para o banho de mar são, principalmente para as mulheres, uns horriveis balandráos e pantalonas, impenetraveis a olhos curiosos, mas tambem impenetraveis ao ar e á luz salutiferos.

Como hygienista, e por que não dizel-o, tambem como esthéta, julgo preferiveis os habitos, neste sentido, dos paizes do norte da Europa e dos Estados Unidos, onde a policia foi obrigada até a limitar a abertura dos corpetes e a longura das calçotas e a mandar para as praias agentes armados de fitas metricas. Com tanto mais roupas que elles, nós não somos, ao cabo, nem mais santos, nem melhores, e sim mais fracos, muito mais fracos.

Não nos deveria custar muito a desenvolver o costume do banho ao ar livre... e com pouca roupa. Os indigenas, nossos avitos, não passavam por um rio ou arroio que logo se não mettessem dentro, nos trajes que usavam, que eram nenhum ou só uma tanga symbolica. E quereis saber como se banhavam em Pernambuco, ahi por volta de 1817, o que naturalmente não era costume circumscripto? Lêde o que escreveu o francez Tollenare pela traducção que nos deu o eminente pernambucano Alfredo de Carvalho: "O prazer que se parece gosar com mais sensualidade é o do banho. Vou algumas vezes tomal-o com o meu hospede, á beiramar, nas noites claras, e nos proporcionamos o prazer de entrar e sahir d'agua varias vezes em um quarto de hora; seja que, estendidos nu's sobre esteiras, exponhamos os nossos corpos á fresca viração marinha, seja que mergulhando nas ondas nos agitemos em meio das fulgurações phosphorescentes que fazem brilhar cada um dos nossos movimentos, a delicia é sempre intensa e o prazer sempre novo.

Mas, é nas margens do Capiberibe que cumpre vêr familias inteiras mergulhando no rio, e nelle passando parte do dia, abrigadas do sol sob pequenos telheiros de folhas de palmeira; cada casa tem o seu, perto do qual ha um pequeno biombo de folhagem para se vestir e despir.

As senhoras da classe mais elevada, banham-se núas, assim como as mu. lheres de côr e os homens.

A' approximação de alguma canôa, mergulham até o queixo, por decencia, mas, o véo é demasiado transparente !

Vi nestes banhos a mãi amamentando o filho, a avó mergulhando ao lado dos netos, e as moças da casa, traquinando no meio dos seus negros, lançarem-se com presteza e atravessarem o rio a nado.

A posição do corpo requerida por este exercicio não deixa vêr a quem passa, nem o seio, nem parte alguma da frente do corpo, de sorte que ellas consideram o pudor resguardado; mas, ha outras fórmas não menos seductoras que o olhar póde contemplar á vontade.

Confesso que fiquei sorprehendido, quanto encantado, ao encontrar um dia, neste estado de náiades sem véos, as senhoritas N... filhas de um dos primeiros negociantes da praça. Aliás, se os passeantes, deslumbrados por tantos atractivos, testemunham curiosidade impertinente, num fechar de olhos, as lindas amphritites dão um mergulho e vão reapparecer na superficie da agua a vinte passos mais adiante."

Que costumes hygienicos, senhores, que pureza de costumes!...

Quanto ao homem brasileiro, deixem dizer, o contrario os falsos nativistas, elle é um dos mais fracos do mundo, igualmente e principalmente pela falta de exercicio physico e de vida ao ar livre.

Creio não ser necessario traduzir as provas disso. E' a mesma evidencia. Mas, uma prova merece aqui lembrada, pela sua notoriedade. Contou-a,

admirado, o grande e excepcional brasileiro Candido Rondon. Emquanto o norteamericano Roosevelt, escriptor e homem de Estado "acostumado á vida das cidades e aos trabalhos de gabinete", na sua travessia de Matto Grosso varava as florestas e vencia os obstaculos com galhardia de pasmar o sertanista, sendo mais que quinquagenario, companheiros seus, brasileiros, quedaram desfallecidos pelo caminho, de tal maneira que a alguns, certa vez, foi necessario mandar levar alimento e soccorro para que tivessem a força de se pôrem em pé. E' que Roosevelt, homem da cidade, é um producto da cultura physica e da vida ao ar livre, como bom norte-americano.

Ha tres povos no mundo, cujo vigor e desenvolvimento physicos são notaveis: o allemão, o inglez e o norte-americano. Comparemo-nos com os inglezes e norte-americanos; temos a apparencia da planta enfezada diante da arvore frondosa. Pois o inglez e o norte-americano, os segundos povos do universo em força, já se queixam que as suas raças estão degenerando, e começaram a reagir contra as causas a que attribuem o phenomeno.

A nossa raça degenera e caminha para a extincção, se lhe não acudimos, dizem elles; a estatura e força dos homens baixam; estamos ficando rapidamente desdentados; a loucura, a idiotia e a imbecilidade augmentam assustadoramente; a mandibula, por não funccionar bastante na mastigação, está se tornando tão curta que não ha lugar nella para o ultimo molar; o dente do sizo vem tardio, e morre prematuro por falta de conveniente irrigação sanguinea; estamos perdendo o sentido do olfacto; o torax do homem civilizado está diminuindo de amplitude; o esterno e a primeira costella estão se atrophiando; a 13. costella, que o homem tinha originariamente, como ainda a têm o gorilla e o chipanzé, só occasionalmente apparece; a 12.a e a 11. já desappareceram quasi; os nossos pés estão degenerando notavelmente, o musculo que devia permittir a opposição do dedo grande, analogamente ao pollegar, apparece no embryão, porém não existe no adulto; no dedo minimo falta frequentemente uma das tres articulações que elle deve ter; os musculos abdominaes estão mingoando; augmenta a mortalidade pelas molestias chronicas; diminue a natalidade; recresce o crime; multiplicam-se as mãis incompetentes, que não criam seus filhos, e forma-se o typo neutro da mulher, que não procria, como a abelha operaria!...

Hyperbole ? Um pouco, talvez. Mas a hyperbole presuppõe, no fundo, a verdade pura.

Ora, se Inglezes e Norte-Americanos podem assim se considerar em decadencia physica, como nos deveremos considerar nós, com a estatura exigua, o sangue anemico, o peito estricto, o musculo flacido, o passo frouxo, a respiração curta ?!

Ha outras causas que contribuem para a diminuição da resistencia vital do homem; nenhuma, porém, em maior escala do que a falta do exercicio physico e da vida ao ar livre, duas faltas em que somos mestres.

A tuberculose é doença que só se desenvolve nas atmospheras encerradas. Para cural-a não existe outro melhor remedio que o ar puro. E para a saude do corpo é absolutamente necessario que o ar a respirar seja puro e fresco.

As exigencias e habitos da vida civilizada nos afastam cada vez mais das condições naturaes de vida para as quaes fomos creados a vida ao ar livre.

A casa é um prolongamento da caverna dos nossos antepassados; o artificio das roupas enfraquece a resistencia da pelle, modifica as suas funcções de excreção, impede a acção vitalizadora do ar e da luz sobre a superficie do corpo, e é em summa uma causa de diminuição de resistencia do organismo aos agentes 39

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morbificos. Certamente que não podemos hoje romper com esses habitos, mas precisamos combater os seus mãos effeitos por medidas e habitos hygienicos compensadores, entre os quaes, a construcção hygienica das casas, a escolha adequada dos tecidos para o vestuario, o asseio, o banho na agua, os banhos de ar e de luz natural, o exercicio physico e o mais tempo possivel de vida ao ar livre.

A tuberculose é desconhecida nos animaes que vivem ao ar livre. O typo do homem tuberculoso, na phrase do Dr. Kellog, continuará a multiplicar-se até que aprendamos a viver de portas a fóra e a dormir ao ar aberto. Os defluxos, os catarrhos, as bronchites, os resfriamentos, a pneumonia, a resistencia organica diminuida, favorecedora de todas as doenças, são as consequencias naturaes de seguirmos o exemplo dos nossos avós mais remotos, habitantes das cavernas. Nansen, vivendo nos gelos polares, nunca teve um defluxo, que logo o salteou quando elle, voltando á vida da cidade, dormio em uma casa.

Conheceis, de certo, a historia dos nossos indigenas. O ingenuo e voraz Pero Vaz de Caminha não pôde esconder o seu deslumbramento ao avistal-os pela primeira vez: “A feição delles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos", "todos nús sem nenhuma cousa que lhes cobrisse suas vergonhas", "elles, porém, comtudo, andavam muito bem curados e muito limpos e naquillo me parece ainda mais que são como as aves ou alimarias montezes, que lhes faz o ar melhor, e melhor pena e melhor cabello que as mansas, porque os corpos seus são tão limpos, e tão gordos, e tão formosos que não póde mais ser".

Eis a vida ao ar livre!

A reacção que se faz hoje nos paizes adiantados é justamente no sentido de introduzir na vida habitual do homem civilizado um pouco daquellas condições naturaes de existencia do homem que não tinha casa, mas tinha saude e força.

Vendo a promiscuidade com que nas praias e campos dos Estados Unidos e do norte da Europa rapazes e raparigas se entregam aos mais variados desportos, vendo o esquecimento em que elles se ficam longas horas, mal despidos, deitados na areia, a conversarem risonhos emquanto o sol e o ar os banham salutarmente, vendo a ancia com que os logradouros de vida ao ar livre são buscados pela população, ao menor feriado que tem nas suas occupações, o Brasileiro por essendia desanimado e pudibundo poderá pensar que isso seja despudor... Nunca o foi. E' o instincto da raça pela regeneração physica ao contacto da natureza pura; é a obediencia da população á propaganda das classes dirigentes em prol da vida ao ar livre como base da boa saude.

O despudor e a malicia estão nos salões afeminados, entre as casacas e os decotes; nas ruas e nos toucadores, em que ellas e elles, arrebicadas e casquilhos, gastam mal o seu tempo no namorico e no galanteio a portas fechadas.

Esta falta de exercicio physico systematizado do nosso povo traz como consequencia, ainda, a ausencia do exercicio adequado da funcção respiratoria, ausencia de exercicio que reduz a vitalidade do pulmão, tornando-o presa facil do bacillo da tuberculose. A quantidade de ar, que entra e sahe do pulmão em cada movimento respiratorio normal o chamado ar respiratorio é de cerca de

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500 centimetros cubicos; mas a capacidade vital, isto é, a quantidade de ar que pode entrar e sahir do pulmão, quando se forçam a inspiração e a expiração até o seu limite maximo, é de cerca de 4.000 centimetros cubicos; nas condições sedentarias e caseiras de nossa vida, não respiramos senão pelo minimo, talvez por menos dos 500 centimetros cubicos, que constituem o ar respiratorio, quando a capacidade vital é de cerca de 4.000 centimetros cubicos. De modo que o pulmão

indigena é um pulmão mal nutrido, que recebe muito menos ar oxigenado do que podia, o que diminue o arejamento do sangue e prejudica a saude geral, um pulmão que não funcciona em uma parte do seu todo, e, portanto, um pulmãd enfraquecido na proporção directa da sua funcção reduzida.

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Em nenhum apparelho como no pulmão, disse um medico, se póde verificar de modo mais frisante a lei que o exercicio faz o orgão. O assento mais com mum da tuberculose são os apices pulmonares, porque justamente é essa a parte inactiva do pulmão, na respiração ordinaria dos sedentarios e caseiros. E' conhecida a frequencia da tuberculose nos surdos-mudos, e a causa é a falta do exercicio pulmonar resultante de não poderem elles articular as palavras.

A maioria do povo, diz o Professor Schrotter, liga grande importancia á ingestão dos alimentos, e dispende grande parte da sua actividade mental nas; varias minucias relativas ás refeições, ao passo que descura a funcção respiratoria, julgando-a menos digna de attenção. Quando se comparam, porém, os 10.000 litros de ar que uma pessoa respira diariamente com o pequeno volume de alimentos, liquidos e solidos, que se ingere no mesmo tempo, quando se pensa que se pode jejuar por muitos dias sem perigo de vida, emquanto que se morre em poucos minutos se a respiração não se faz, bem se comprehende o erro de tal modo de ver a importancia vital da funcção respiratoria.

A conclusão é que a gymnastica respiratoria é absolutamente necessaria para preservar o organismo do disseminado contagio tuberculoso. E essa gymnastica é a mais facil de todas. Uma serie de inspirações profundas, seguidas de expirações lentas, feitas ao ar livre, com as mãos nas cadeiras, varias vezes ao dia, são muitas vezes o bastante para augmentar a circumferencia do torax de alguns centimetros, em pouco tempo, e são sempre efficazes para mover a porção de ordinario inerte do pulmão, tonificando-o, vitalizando-o.

Existem outras variedades de exercicios respiratorios, menos simples, porém mais perfeitos; todos, entretanto, faceis de executar. Todo o mundo póde pratical-os sem grande esforço, ao levantar-se, ao caminhar para o trabalho, ao deixal-o, ao passar ou passear pelos jardins e praias. E com isso contribuiremos fortemente para baldar o contagio da tuberculose, porque o tecido pulmonar mantido em boas condições de nutrição e actividade não será terreno propicio á infecção; com tão pouco contribuiremos para melhor oxigenação do sangue e melhor cir culação, o que quer dizer saude e bem estar.

O homem, diz o Dr. Eduardo Otis, de Boston, foi, no seu estado originario, creado para a boa respiração, elle foi feito para ser um animal activo, para correr e trepar, para erigir e encurvar o corpo, para estender e flectir os braços, para, em summa, fazer trabalhar todos os seus musculos; e tanto que elle póde seguir o risco da natureza, seus pulmões funccicnavam em toda a plenitude e os musculos respiratorios eram vivos e efficientes. Mas a civilização, pelo menos a civilização cidadina, transformou essas condições, de tal maneira que em um grande numero de profissões a vida do homem se resolve numa caçada puramente mental aos meios de subsistencia, em que a actividade corporal tem sómente uma parte minima.

A vida natural, com a sua actividade physica, tornou-se em artificial, trazendo a immobilidade maior ou menor do corpo, e o que a natureza fazia espontaneamente para a boa respiração, precisa agora ser conseguido pelo esforço voluntario e por methodos artificiaes, a gymnastica, o athletismo, o treinamento.

O de que não devemos esquecer, é que respirar bem quer dizer bem estar, vida longa, e melhor; que a conveniente expansão thoraxica e a respiração ade

quada são de importancia vital para toda a gente, particularmente para os sedentarios; que, em summa, um povo de respiração profunda está em meio caminho para o exterminio da peste branca.

Emfim, senhores, estas minhas palavras, que eu quizera ter podido tornar interessantes, não têm por fim senão solicitar a vossa attenção e o vosso apoio para estas duas grandes verdades: é preciso combater a tuberculose, é preciso avigorar a nossa resistencia vital pelo exercicio physico, pela vida ao ar livre, pela gymnastica respiratoria.

Assim, a pobre semente deste meu appello possa arvorecer, e frutificar.

florescer

Assim este clamor possa chegar até os ouvidos do Sr. Presidente da Republica, a autoridade, no nosso regimen politico, mais poderosa para despertar as actividades adormecidas, encaminhar as actividades transviadas e crear actividades novas.

Em seguida, vão vos ser mostradas, em projecções luminosas, algumas photographias que mostram como nos Estados Unidos se consegue tratar os tuberculosos ao ar livre sem sahir das condições ordinarias da vida da cidade. Nada têm de extraordinarias estas vistas, mas servem para provar-nos como um povo pratico e intelligente se houve neste sector da luta contra a tuberculose; são apenas uma amostra do que, imitando-os, poderemos praticar aqui, onde nos sobra, em demasia, o espaço, o ar e a luz, dos quaes fugimos ou não sabemos usar!

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