Ao que lhe abriu caminho Mulei Mahameth, rei de Marrocos que, havia pouco, fôra lançado de seu estado per Mulei Abdelmelech, e se veio valer de seu soccorro, promettendo-lhe vassallagem. Ordenou-se a partida com grande repugnancia dos fidalgos antiguos, que tinham experiencia das cousas da guerra, e muito applauso dos que viam agradar-se el-rei de suas confianças, e abonações; mas ja se faziam de modo, que se deixava ver n'elles uma tristeza manifesta; porque nunca se persuadiram que a jornada viesse a effeito, nem se executassem seus conselhos: mas quando ja viram o fruito d'elles, dissimulavam com sua magoa, não se atrevendo a reprovar o que elles proprios tinham ordenado. Concluiu-se emfim a jornada com tam pouca ordem, e tam grandes despesas, que as pessoas experimentadas na guerra adivinhavam d'estes principios o successo que veio a ter. Levou quasi onze mil Portuguezes, e os mais d'elles pouco exercitados na guerra, e alguns Alemães, e Flamengos, e outras nações estrangeiras, que por todos seriam seis mil e com este pequeno exercito passou em Africa, onde em poucos dias, cahiu el-rei no engano, com que alguns privados seus lhe engrandeciam as forças, e riquezas de seu reino; porque começaram a faltar pagas pera os soldados. Mas como era de animo grande, e se via entre dous extremos taes, como eram aventurar-se a uma batalha dada com vantagem notoria do inimigo, ou tornar-se a seu reino, necessitado da falta de dinheiro, e mantimentos, sem outro effeito de tam grande apparato, escolheu o mais arriscado, e menos affrontoso, e foi demandar o inimigo pelo sertão dentro pelejando com as calmas da Africa, com a terrivel sêde, e falta de refresco, e despois com um dos copiosos exercitos, que se viram n'aquellas partes, em que haveria bem dés Mouros pera um christão. Deu-se a batalha do modo que vinham marchando, sem se entrincheirar o campo, nem fazer as fortificações costumadas. E como a mais da gente era bisonha (despois de mortos os soldados velhos que tiveram a victoria em dúvida per muito espaço, e a vanguarda inimiga desbaratada, se deixaram romper da furia dos barbaros, em quatro dias do mez de agosto do anno do Senhor de mil e quinhentos e setenta e oito. Na qual se perdeu a nobreza, e reputação dos Portuguezes conservada per tanto numero de annos; e o que foi mais lamentavel, um rei de vinte e quatro annos, que (fóra de n'este caso acceitar poucos conselhos) era em tudo o mais ornado de virtudes, e dons naturaes convenientes a um justo e virtuoso principe. Accrescentou a magoa d'esta perda ficar o reino sem successor, e serem os que alcançaram tammanha gloria os proprios que sempre foram tributarios aos rêis portuguezes. Foi memoravel este recontro, por morrerem n'elle tantos réis em menos de tres horas, que foram Mulei Abdelmelech, de sua doença (inda que outros me affirmaram que de uma bala de mosquete). Mulei Mahameth afogado em um rio, indo-se retirando; e D. Sebastião (dizem) que de feridas mortaes com que acharam o corpo atravessado, despois da batalha, e houve quem o reconhecesse, e venerasse por tal. N'este fim vieram a parar aquellas grandes esperanças, que os Portu guezes tinham em seu rei, e aquelles bons intentos que o moveram a emprender esta jornada contra os inimigos da fe catholica: tudo por seguir conselhos de quem os dava encaminhados mais a seus proprios interesses, que ao bem commum. Foi sua perda no dia e anno, que ja disse, aos 24 de sua idade, de que reinou vinte e um. O corpo (assim como se achou na batalha) foi depositado em Alcacere; e d'ahi levado a Ceita; e ultimamente ao mosteiro de Belem, onde ao presente está.»> FREI BERNARDO DE BRITO, Elogios historicos dos réis de Portugal. Todas as pessoas admiradoras do homem de genio, podem (depois de haver lido os Lusiadas) applicar a Camões as mesmas vozes, que Francisco Dias Gomes applicou a Torcato Tasso ao ler estes bellissimos versos na invocação da Jerusalem: O Musa, tu che di caduchi allori Hai di stelle immortali aurea corona, etc. « Venturoso d'aquelle que tem a felicidade de conceber partos tam admiraveis! Venham todos os trabalhos, todos os flagellos, com que a vida, sem amparo, nem protecção alguma costuma ser agitada, que para quem for d'este modo favorecido da natureza, não poderá haver calamidade que o consterne. »> De algumas palavras que, por vindas do latim, ou por antiquadas, não estão ao alcance de todos; precedidas de suas competentes explicações, quaes se acham no diccionario da lingua portugueza, composto per Antonio de Moraes e Silva. CANTO PRIMEIRO. Est. III. v. 5. Que eu canto o peito illustre lusitano (i. ė, o animo, o valor). Est. IV. v. 6. Um estylo grandiloquo e corrente (i. é, de grande eloquencia, sublime, epico). Est. IX. v. 3. Que ja se mostra, qual nå inteira idade (i é, perfeita, completa). Est. IX. v. 8. Em versos divulgado numerosos (i. è, em que se observa numero poetico). Est. X. v. 4. Per um pregão do ninho meu paterno (i. é, pátria, morada). Est. X. v. 6. D'aquelles de quem sois senhor superno (i. é, excellente, soberano). Est. XVI. v. i. Em vós os olhos tem o Mouro frio (i. é, assustado, medroso). Est. XVI. v. 2. Em quem ve seu exicio afigurado (i. ė, ruina, fim, perdição total). Est. XVIII. v. 5. E vereis ir cortando o salso argento (¡. é, o mar). Est. XXII. v. 7. Com uma coroa, e sceptro rutilante (i. é, que reflecte luz mui viva). Est. XXIV. v. 2. Estellifero pólo, e claro assento (i. é, estrellado). Est. XXXVI. v. 6. Merencorio no gesto parecia (i. é, melancolico ou enfadado, carregado). Est. XXXIX. v. 6. Porque emfim vem de estamago damnado (i. é, de animo). Est. XLII. v. 2. Casa etherea do Olympo omnipotente (i. é, celeste). Est. XLVII. v. 4. Outros, em modo airoso, sobraçados (i. é, mettidos debaixo do braço, para ahi segural-os). Est. LVIII. v. 6. Pelas covas escuras peregrinas (i. é, estranhas, reconditas). Est. LXVII. v. 7. Arcos, e sagittiferas aljavas (i. é, que levam settas). Est. LXXII. v. 7. Na terra do obsequente ajunctamento (i. é, que obsequeia). Est. LXXXVI. v. 3. Um d'escudo embraçado, e de azagaia (i. é, mettido o braço pela embraçadeira do dito escudo). Est. LXXXIX. v. 3. A plumbea péla mata, o brado espanta (i. é, a bala de chumbo). CANTO SEGUNDO. Est. I. v. 7. Quando as infidas gentes se chegaram (i. é, não fieis, desleaes). Est. IV. v. 4..... droga salutifera e prestante (i. é, que faz saude, saudavel). Est. XII. v. 6..... Panchaia odorifera (i. è, que exhala vapor cheiroso, aromatico). Est. XIII. v. 7....... rubido horisonte (i. é vermelho, arroxeado, ardente). Est. XXIII. v. 1....... as providas formigas (i. é, providentes, cuidadosas em Est. XXV. v. 1. A medonha celeuma se levanta (i. é, a vozeria). Est. XXV. v. 4...... hórrida batalha (i, é horrenda). Est. XXVIII. v. 5...... penedo immolo (i. è, sem movimento, ou immobil). Est. LXVII. v. 3. Assopra-lhe galerno o vento brando (i. é, fresco). Est. CVII. v. 3. Ouvindo o instrumento inusitado (i. é, desusado). CANTO TERCEIRO. Est. I. v. 8. Te negue o amor devido como soe (i. é como costuma (solet lat.). Est. XXXIV. v. 8...... o inimigo asperrimo afugenta (i. é, asperissimo). Est. XLVII. v. 2...... o rábido moloso (i. ė, o cão-de-fila). Est. XLVIII. v. 4...... ao animoso exército rompente (i. é, que rompe). Est. XLIX. v. 5. A pastoral companha, etc. (i. é, companhia). Est. XLIX. v. 7. Ao estridor do fogo, etc. (i. é, ao soído agudo, aspero, Est. L. v. 4. E o ginete belligero arremessa (i. é, guerreiro). Est. CVII. v. 7...... fulgentes armas, etc. (i. é, que luzem como o fuzil ou Est. CXI. v. 3. Vendo o pastor inerme estar diante (i. é, desarmado). Est. CXII. v. 4. A quem o inferno horrifico se rende (i. é, que causa horror). CANTO QUARTO. Est. XIX. v. 5. Em virtude do rei, da patria mesta (i. ė, triste, afflicta). Farpões, settas, etc. (i. è, que zunem, que fazem soin Est. XLI. v. 3...... trifauce cão (i. é, de tres guelas ou gargantas). Est. XLVII. v. 8. Gentis fermosas, inclytas princezas (i. é, illustres, famosas, Est. LXXI. v. 8. A barba hirsuta, intonsa, mas comprida (i. é, cabelluda). CANTO QUINTO. Est. XXIV. v. 5. Quando da etherea gavea um marinheiro, etc. (i. é, alta, Est. XXXIX. v. 4. O rosto carregado, a barba esquálida (i. é. suja). Est. XLI. v. 5. Pois os vedados términos quebrantas (i. é, os termos, limites, fins. Est. XLVIII. v. 8. Da fermosa e misérrima prisão (i. é, muito misera). Est. LXXXIX. v. 8....... grandiloca escritura (i. é, de grande eloquencia, CANTO SEXTO. Est. LXXXV. v. 6. De quem foge o ensifero Orionte (i. é, que traz espada ou CANTO SEPTIMO. Est. VIII. v. 3. Gastam as vidas, logram as divicias (i. é, as riquezas). Est. XI. v. 4. Ambos volvem auriferas areias? (i. é, que trazem ouro ou o Est. LIX. v. 6. (Que grande auctoridade logo aquista) (i. é, adquire). CANTO OITAVO. Est. VIII. v. 7. A fatidica cerva que o avisa (i. é, que prediz os fados e des- Est. LXV. v. 3....... o vaso da nequicia (i. é, maldade). Est. LXVII. v. 2. Undivago, ou da patria desterrado (i. é, que vaga pelas Est. LXXIII. v. 5. Rompendo a força do liquido estanho (i. è, do mar). Da madre Thetis, etc. (i. é, no regaço). Est. XCIII. v. 2. Embarcações idóneas, etc. (i. é, aptas, proprias, capazes, suf- CANTO NONO. Est. XX. v. 2. Refocillar a lassa humanidade (i. é, fomentar, dar alentos). Est. XXII. v. 1....... aquáticas donzellas (i. é, que residem na agua). Est. LXIII. v. 5. Aqui a fugace lebre se levanta (i. é, que foge rapidamente). Est. LXXIII. v. 6. (....... que co' a mora, etc.) (i. é, tardança, demora). Est. XC. v. 4. Sobre as azas inclytas da Fama (i. é, illustres, famosas, nota- CANTO DECIMO. Est. III. v. 7....... pratos de fulvo ouro (i. é, amarello. Est. VII. v. 4. N'um globo vão, diaphano, rotundo (i. é, redondo). Est. X. v. 5 e 6. E que os gentios réis, que não dariam A cerviz sua ao jugo, etc. (i. é, o collo, a garganta). Est. XX. v. 4. Tantos cães não imbelles profligados (i. é, não desguerreiros Est. XLIII. v. 6....... leões famélicos, etc. (i. é, famintos, esfaimados). Est. CXXXIV. v. 2. Sândalo salutifero e cheiroso (i. é, que faz saude, saudavel). |