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VIDA DE CAMOES.

A opiniào mais probabil acerca da familia de Camões é que Vasco Pires de Camões, estando el-rei D. Henrique II de Castella em guerra com D. Fernando, rei de Portugal, passou de Galliza a este reino, onde o mesmo rei lhe deu muitas terras, e rendas em recompensa das que deixara; mas perdeu depois à mor parte d'ellas, por seguir a facção da rainha D. Leonor contra el-rei D. João I.

Vasco Pires casou com uma filha de Gonçalo Tenreiro, capitão-mor das armadas portuguezas ; de cujo matrimonio nasceram Gonçalo, João, e Constança; os quaes brotaram descendentes illustres.

Todavia o nosso Poeta procede do segundo-genito João Vaz de Camões; o qual, per suas virtudes militares em serviço d'elrei D. Afonso V, conseguiu o titulo (assás honorífico n' aquelle tempo) de seu vassallo. Fundou casa em Coimbra, e no claustro da cathedral da mesma cidade, sumptuoso monumento. Houve por mulher Inez Gomes da Silva; e d'ella a Antão Vaz de Camões, que esposou Guiomar Vaz da Gama. D'estes nasceu Simão Vaz de Camões; o qual passando á India por capilào d' uma nau, e salvo d'um naufragio em as costas de Goa, falleceu depois n'essa cidade. Contrahiu nupcias com D. Anna de Sá . pessoa nobre, natural de Sanctarem, e teve d'ella Luis de Camões, em o qual (por viver celibatario ) se apagou esta linhagem. Elle nasceu em Lisboa no anno de 1524.

Que o nosso Poeta assistisse alguns annos da sua adolescencia na universidade de Coimbra (erecta então de novo) sob pretexto d'estudos, conjectura é deduzida da sua canção IV, a qual assim principia :

Vão as serenas aguas
Do Mondego decendo, etc.

Vesta flórida terra
Leda , fresca e serena,
Ledo e contente pera mi vivia.

a

Findos os estudos, e restituído a Lisboa, affeiçoou-se a certa dama; e essa affeição deu motivo a que o desterrassem da corte. Pensam alguns que o tal desterro foi na villa de Sanctarem, fundados na elegia que começa :

O sulmonense Ovidio desterrado, etc.

Onde chora a saudade da corte, e onde diz que estava vendo o Tejo, e as côncavas barcas, que rasgavam sua corrente :

Vejo o puro, suave e brando Tejo,
Com as côncavas barcas, que nadando,
Vão pondo em doce effeito seu desejo.

Achando-se pois impossibilitado de volver a Lisboa, resolveu ir servir a Ceuta, em cuja praça militou e assistiu algun tempo, como consta da elegia que começa :

Aquelle que de amor descomedido, etc.

Na qual diz:

Subo-me ao monte, que Hercules Thebano

Do altissimo Calpe dividiu,
Dando caminho ao mar Mediterrano, etc.

No Estreito de Gibraltar, pelejando denodado juncto a seu pae , que commandava uma das naus, perdeu o olho direito, como elle toca na canção que principia :

Vinde ca meu tam certo secretario , etc.

Havendo passado algum tempo no militar exercicio, tornou a Lisboa, persuadindo-se obteria algum premio polo dito exercicio; mas perdidas de todo as esperanças a esse respeito, decidiu-se a passar á India: e o fez na occasião que Fernando Alvares Cabral foi nomeado capitão-mor de quatro naus; as quaes partiram para a mesma India em março de 1533. Embarcou Camões com elle na capitania; e esta, após um grande temporal, em que se perderam as outras tres, surgiu em Goa no fim de septembro do dito anno, governando aquelle estado D. Afonso de Noronha.

So pouco mais d'um mez se deteve o nosso Poeta em Goa ; por quanto, no de novembro seguinte, tornou a embarcar com O vice-rei em uma poderosa armada, que foi soccorrer os reis de Cochim, e de Porcá , aos quaes o de Chembé tinha tomado algumas ilhas. D'essa expedição, e dos prosperos successos d'ella, trata na elegia que começa :

O poeta Simónides fallando, etc.

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Volto a Goa no começo do anno 1553, colheu a noticia de que em Lisboa , no dia 2 de janeiro de 1554 morrera o principe D. João, pae d' el-rei D. Sebastião; e, em Africa a 18 d'abril do anno antecedente 1553, seu particular amigo D. Antonio de Noronha, filho do segundo conde de Linhares D. Francisco de Noronha, em um recontro com os Mouros de Tetuão; a cuja memoria compoz o soneto XII que começa :

Em flor vos arrancou, etc.
Ah senhor D. Antonio! a dura sorte, etc.

E a ecloga I, em que tambem toca na morte do antedito principe.

Continuando o marcial exercicio, passou, no anno de 1555, ao Estreito da Meca, em outra armada, da qual foi capitão-mor Manuel de Vasconcellos. Ahi demorou-se algum tempo, sofrendo incommodidades gravissimas, como consta da cancão X, que escreveu em Goa, e principia :

A piedade humana me faltava,
A gente amiga ja contraria via,
No perigo primeiro; e no segundo,
Terra em que pôr os pés me fallecia ,
Ar pera respirar se me negava;
E faltava-me emsim o tempo, e o mundo.
Que segredo tam árduo, tam profundo,

Nascer pera viver, e pera a vida
Faltar-me quanto o mundo tem pera ella!

E não poder perdella!
Estando tantas vezes ja perdida !
Emfim, não houve trance de fortuna,
Nem perigo, nem casos duvidosos,
(Injusticas d'aquelles que o confuso
Regimento, do mundo antiguo abuso,
Faz sôbre os outros homens, poderosos!)
Que eu não passasse , atado á tiel coluna
Do sofrimento meu , que a importuna
Perseguição de males em pedaços
Mil vezes fez á força de seus braços.

Em o começo da ecloga XI, tambem escripta após haver regressado a Portugal, Camões, sob o nome de Limiano, rompe nas mesmas queixas, dizendo, que cuidando acharia descanso, socego e abrigo em sua patria , so achara n'esta uma continuação dos mesmos, ou maiores infortunios. Eis suas pala

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vras :

Podia ser ; que muito tempo fora
Andei d'esta ribeira , patria minha ,
Onde triste me ves andar agora.

Tinha la pera mi, que a vida tinha
Mais socegada ca , e mais segura
Entre os meus, que com gosto a buscar vinha.

Foi d'outro parecer minha ventura ;
Discordia so achei , e achei dureza,
Em logar de socego e de brandura.

Quando o nosso Poeta ( acabada a expedição contra o rei de Chembé) arribou a Goa, governava Francisco Barreto, per morte de D. Pedro Mascarenhas, succedida n'esta cidade em 16 de junho de 1555; e, porque, em tal occasião, escreveu alguns versos mordazes, com o título de Disparates da India, e certa composição satyrica em prosa e verso (1) motejando pessoas principaes, que fizeram um festejo em obsequio do novo governador, mandou-o este prender, e depois exiliar para as ilhas Molucas, em o anno seguinte de 1556. Sentiu em extremo

(1) Uma e outra cousa anda co' as suas Rhymas.

Camões tal prepotencia, de que se queixou nas Rhymas, dizendo :

A pena d'este desterro,
Que eu mais desejo esculpida
Em pedra, ou em duro ferro.

Navegando de Goa para Macau, á vista da foz do rio Mecon, na costa de Camboja, deu a nau em uns baixos, e fazendo-se pedaços sobre um d'elles (renovando o caso de Cesar) sahiu o nosso Poeta a terra, preservando com uma mão este seu poema Os Lusiadas. Elle mesmo narra esse infausto successo na bellissima estancia 128 do canto X. Eil-a :

:

Este receberá plácido e brando,
No seu regaco o canto, que molhado
Vem do naufragio triste e miserando,
Dos procellosos baixos escapado,
Das fomes, dos perigos grandes, quando
Será o injusto mando executado
N'aquelle, cuja lyra sonorosa
Será mais afamada, que ditosa.

N'essa paragem compoz (segundo se presume) as suas Re

ndilhas tam celebradas de Lope de Vega (1), e as quaes começam :

Sobolos rios, que vão

De Babylonia , me achei , etc. Em que, paraphraseando o salmo 13o Super flumina Babylonis, faz erudita allusão entre as calamidades, que padeceram os Hebreus n'aquelle captiveiro, e as que elle, no seu actual desterro, experimentava.

Chegado Camões a Macau, assentou ahi residencia, e acquiriu algum cabedal no emprego de provedor-mor dos defunctos; o qual (conforme Mariz) lhe havia conferido o vice-rei, pera ver se o podia levantar da pobreza, em que sempre andava invollo; mas a esta circumstancia parece oppor-se a razão do motivo; pois foi exiliado; e assim é mais verosimil

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(1) Edição de Madrid, no prologo.

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